A coisa anda muito quente em Angola.
Angola: os generais estão em guerra!
Francisco Teixeira da Mota
27/03/2015
O jornalista Rafael Marques é o inimigo a abater.
“Irei a tribunal, no dia 24 de Março próximo, como arguido
em nove acusações distintas de denúncia caluniosa imputadas à minha pessoa por
sete poderosos generais e seus comparsas de negócios. Escrevi um livro no qual
relatei violações sistemáticas dos direitos humanos na indústria diamantífera.
Os queixosos neste processo são grandes accionistas de empresas diamantíferas,
e as empresas de segurança privada sob sua alçada levaram a cabo muitas das
violações que denuncio.
É uma honra e um orgulho enfrentar um tal imenso poder e
criar a oportunidade para que muitas das vítimas se expressem através dos
relatórios que tenho vindo a elaborar ao longo dos últimos dez anos.
Sairei mais resiliente deste julgamento e fortalecido pela
experiência.”
Estas palavras proferidas pelo jornalista angolano Rafael
Marques no passado dia 18, ao receber em Londres o Prémio Liberdade de
Expressão da ONG Index On Censorship, só pecam pela modéstia: chegado a Luanda,
para além dos nove crimes de denúncia caluniosa de que já estava acusado,
confrontou-se com a acusação da prática de mais cerca de 15 crimes de difamação.
Sendo certo que os grandes acionistas das empresas diamantíferas e de segurança
privada são, na sua maior parte, generais que fazem parte do círculo do poder
angolano.
A coragem do jornalista Rafael Marques na sua luta, quase
quixotesca face aos enormes poderes com que se defronta, em defesa dos seus ideais
de liberdade de expressão, de respeito pelos direitos humanos e da
solidariedade é notável. Em 2004, Rafael Marques começou a fazer um trabalho
sistemático de investigação e compilação de dados sobre
violações de direitos humanos na região diamantífera das
Lundas, em especial nos municípios do Cuango e Xá-Muteba. Sobre o assunto, com dados
concretos de torturas e homicídios impunes, publicou em 2005 o relatório
Lundas: As Pedras da Morte, em 2006 o relatório Operação Kissonde: os Diamantes
da Miséria e da Humilhação e em 2008 o relatório Angola: A Colheita da Fome nas
Áreas Diamantíferas.
Por último, publicou em 2011 o livro Diamantes de Sangue:
Tortura e Corrupção em Angola que foi disponibilizado gratuitamente online pela
editora Tinta da China e onde relata atos de tortura e homicídios praticados
contra os garimpeiros e as populações dos referidos municípios. Rafael Marques
não tem dúvidas: dos testemunhos que ouviu, do material que recolheu e observou
há inequívocas responsabilidades diretas nesses factos dos empregados e agentes
de duas sociedades — Sociedade Mineira do Cuango e Teleservice — de que são
sócios importantes figuras do poder político angolano, nomeadamente diversos generais.
Os generais queixaram-se criminalmente em Portugal do
conteúdo do livro, mas o processo foi arquivado já que o Ministério Público considerou,
e bem, que Rafael Marques estava no legítimo exercício da sua liberdade de
expressão e de informação.
Mas Rafael Marques não se bastou com a, já de si corajosa,
recolha de testemunhos e publicação de relatórios e do livro. Foi mais longe no
seu combate na defesa dos direitos humanos em Angola: em Setembro de 2011,
apresentou uma queixa crime contra diversos gestores, sócios e acionistas das
sociedades envolvidas na práticas reiteradas de violações de direitos humanos
que constatara no terreno, convicto como estava da existência de indícios de que
davam cobertura, “por ação ou omissão”, aos abusos que constatara. Como prova juntou
o seu livro e indicou diversas testemunhas. E solicitou ao procurador-geral da República
angolano “a abertura de inquérito para investigação e apuramento da prática
pelos denunciados dos factos criminosos“
descritos no livro. O inquérito foi curto e concluiu pelo arquivamento.
Os generais e outros sócios queixaram-se, então, da prática
por Rafael Marques do crime de denúncia caluniosa e de difamação e é por estes crimes
que Rafael Marques está a ser julgado.
Mas, como é evidente, estamos perante um julgamento em que
se procura silenciar e intimidar, utilizando o aparelho judicial, não só Rafael
Marques, mas todos os angolanos que pensem sequer em denunciar abusos, prepotências
e eventuais crimes dos poderosos. Não se atreverão a denunciá-los ao próprio
Ministério Público, já que correm o risco de a queixa ser arquivada e terem de
se sentar no banco dos réus. Para
serem esmigalhados.
Este processo é, assim, fatalmente, político e o tribunal
terá de decidir se aceita ser um instrumento de terror cívico e de negação da cidadania,
ou se se assume como um defensor da legalidade e dos direitos, nomeadamente da
liberdade de expressão e do direito de participação cívica dos angolanos na
construção da sua Pátria. Uma opção que não devia ser difícil de adivinhar, mas
que só poderemos saber quando terminar o julgamento, que, iniciado na passada terça-feira,
recomeça no próximo dia 23 de Abril.
Advogado
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