sexta-feira, 9 de maio de 2014

Jorge Lage - NOTAS DE RODAPÉ (107)

MIRANDELA

Jorge Lage
1- A imprensa na minha aldeia há meio século – No final da década de cinquenta lembro-me de o meu pai fazer duas extravagâncias ao ano, comprando pelo Natal e pela Senhora do Amparo o Notícias de Mirandela (NM)em edições especiais. Até aí só chegava a minha casa uma folha ou outra de velho jornal, que o Guicho, o Zé do Sóto ou o João Belchior embrulhavam o pão-de-sabão ou outra mercadoria, evitando-se o gasto do papel grosso de embrulho ou de cartucho. Já em plena década de sessenta, o Luís da Margarida (agora por Alvalade), passou a comprar, de quando em vez, o jornal diário atrasado (dia anterior), porque só custava metade do valor, $50 (cinquenta centavos ou 0,0025 €). Agia bem o Luís porque as notícias continuavam no jornal e um dia de atraso nada representava. Mas, as edições especiais do NM pelo Natal e «festas da bila» eram impressas em várias cores e não havia comércio ou empresa que se prezasse que não pusesse lá o anúncio de acordo com a sua dimensão. A Serração Joaquim Cruz na Quinta Branca aparecia sempre em letras bem desenhadas e a Serralharia do Manuel Cruz marcava presença e a «fábrica da Telha», à entrada de Vila Nova das Patas. Um punhado de comércios e empresas que diziam presente ao velho Rego, distinto Director do jornal. Lembro-me de alguns versos que apareciam no Notícias de Mirandela, uns para mostrar a devoção com a Senhora do Amparo, que rivalizava com a Senhora da Saúde (Valpaços), com a Senhora da «Acenção» (Cabeço de Vilas Boas) e com a Senhora dos Remédios (Lamego). Era aos versos e aos textos em letras a cores que eu achava mais graça. A «nha mãe» questionava o meu pai: - para que é que gastaste dinheiro no jornal? O meu pai contrapunha: - este vale a pena porque tem muitas folhas e demora algum tempo a ler. E quase todos em casa líamos o caderno de muitas folhas e até os anúncios. O Jornal era guardado como um bem raro. Não conseguia decifrar bem os anúncios como este: «Cavalheiro educado de 50 anos procura menina ou senhora com a idade de «35» a «50» anos para assunto sério. Resposta a este jornal». Nesse tempo havia a ideia de «botar ao jornal». Leituras em livros só me lembro dos populares romances «Rosa do Adro» e «Amor de Perdição» que se liam a recato e o amor e o enredo corriam pelas páginas. Hoje tenho saudades dos versos de dramas e crimes mais badalados que os cegos cantavam e vendiam nas feiras de Trás-os-Montes e Alto Douro, em formato A3 duplo. Eram da melhor poesia popular. Faziam-se bons exercícios de memória e a imaginação «remanceava-os».
 
2- A área pedonal da rua da República – Mirandela está servida de bons locais de estacionamento pela cidade. Bons locais porque ficam num raio de 500 metros do centro. A meu ver, a cidade deve ser mais para os peões e os carros utilizam-se quando se precisa mesmo. Num dia de feira, depois do almoço, vi vários carros que paravam e passavam pela zona pedonal da rua da República, entre a rotunda da Ponte Nova e o cruzamento com a rua Alexandre Herculano. Poucos o justificavam a carga ou descarga do quer que fosse. Era mais para serem vistos. Tendo Mirandela uma esquadra da PSP que gosta de mostrar o seu lado pedagógico, era bom que alguns condutores retribuíssem com a mesma moeda ao mostrarem-se colaborantes. É uma falta de civismo e educação transgredir por «esperteza saloia». É de pouca inteligência utilizar a viatura para pequenas deslocações de 200 ou 300 metros na cidade, que se fazem bem a pé. Ganha a carteira que poupa no combustível, Ganha o país que deixa de consumir petróleo que importa. Ganha o Ambiente que fica menos poluído de CO2. Ganha, ainda, a saúde porque faz bem andar a pé.

3- Naquele tempo… – É, muitas vezes, com «naquele tempo» que assim começa qualquer trecho do Evangelho do dia. Pensava eu que o Evangelista narrava assim os factos. Mas, a verdade é que as habituais palavras «naquele tempo» são um acrescento, com o intuito de nos «fazer voar» para 2.000 ano atrás. Não seria por isto que algum mal poderá ter vindo ao mundo da verdade cristã. Já o mesmo não poderei dizer quando se acrescentam excertos inexistentes nos originais dos Evangelhos escritos em aramaico ou hebraico ou grego. Por um lado, o evangelista narrador já acaba por lá colocar muita da sua emoção e inspiração e por outro Jesus Cristo falava, como soía no seu tempo, muito por parábolas e hipérboles, exercitando-se a dialética e a reflexão. Além dos acrescentos, há a tradução deturpada de palavras-chave que sonegam a verdade e nos empurram para um «calvário» que não merecemos e nada fizemos para o ter, nem Cristo no-lo deseja. Algumas vezes, o que Cristo disse, não é bem o mesmo que quis dizer, temos que contextualizar as palavras para ficarmos mais perto da verdade. Por exemplo, quando se diz, que Jesus subiu ao cimo de um monte e se transfigurou, qualquer um se pode transfigurar de um momento para o outro e de deprimidos ou de cabeça perdida, pode o nosso rosto ganhar uma expressão alegre e de esperança. O que os Apóstolos terão tido foi uma visão, enquanto Jesus orava. Visão que os fortalecia mais na Verdade e na nova Doutrina. Curioso é verificar que o monte de que se tem falado, o Monte Tabor (de 600 metros) não é certo, poderá ser o Hebron, com altitudes entre os 600 e os 1.000 metros, ou outro. Certo é que Jesus regressava duma viagem evangélica às cidades de Sídon e Tiro da antiga Fenícia e passara pela Cesareia (de Filipe), no Norte.

4- Parabéns a Pires Cabral pelos 40 anos de vida literária – O ilustre escritor trasmontano, A. M. Pires Cabral, teve a 3 de Abril uma merecida homenagem, sob o título «Nos 40 Anos de Algures a Nordeste: Uma Jornada sobre Pires Cabral», e organizada pelas Letras da UTAD que, também, comemora 40 anos. No auditório da biblioteca da UTAD, a celebração abriu com a estreia do documentário «A. M. Pires Cabral na primeira pessoa» (de Leonel de Brito) e seguiram-se comunicações sobre a sua vida e obra: «Os dois rostos de um escritor» (J. Bigotte Chorão), «Um artista dos sete ofícios» (Ernesto Rodrigues), «A condição poética em Pires Cabral» (J. C. Seabra Pereira) e com Pedro Mexia, Vítor Nogueira e Isabel Alves uma mesa-redonda sobre a poesia de Pires Cabral. Ao fim da tarde, foi feita uma visita à exposição «A. M. Pires Cabral: 40 anos de vida literária», na Biblioteca Municipal (Vila Real), seguida de leitura de textos seus por alunos da UTAD. É autor de vasta obra de vários géneros – poesia, romance, conto, texto dramático, crónica, ensaio e monografia. Foi distinguido e premiado pelo Círculo de Leitores (1983 - romance Sancirilo), Casa de Mateus - Prémio D. Dinis (2006 - Douro: Pizzicato e Chula e Que Comboio é este), DST - Grande Prémio de Literatura (2008 - O Cónego), Prémio Pen Clube de Poesia (2009 – Arado) e APE/Câmara Municipal de V. N. de Famalicão - Grande Prémio de Conto «Camilo Castelo Branco» (2010 - O Porco de Erimanto). A livraria Traga-Mundos, em Vila Real, disponibiliza a sua obra.

5- Jorge Golias na História do 25 de Abril – Foi com grande prazer e orgulho que há anos sugeri a vinda a Mirandela, do Tenente-Coronel Eng. Jorge Golias, para uma comunicação sobre o 25 de Abril. Achava que esta figura incontornável do Movimento das Forças Armadas e dos Capitães de Abril não podia ser esquecida na sua terra. Bastou-me ter uma conversa ou outra para me aperceber da sua imensa cultura. Posso dizer com certeza, que este ilustre Capitão de Abril, é dos mirandeleses mais cultos. Nos tempos leves que correm é, também, no seu modo de ser e estar, dos mais simples. Sobre os 40 anos do 25 de Abril, está a publicar, no Notícias de Mirandela artigos, sob o título «25 de Abril – 40 anos depois» e que fazem História, já que Jorge Golias é autor e, também, foi actor, pelo que aconselho atenta leitura. Pelos 40 anos do 25 de Abril foram, publicados 8 volumes, distribuídos pelo jornal «Correio da Manhã», da colecção «Os Anos de Abril», com importante galeria de autores e actores, incluindo o nosso ilustre mirandelense, com textos seus no volume 8 sobre a ex-Guiné Portuguesa. Todos os que escrevem citam Jorge Golias pelo papel na génese do MFA e a sua actuação na Guiné no período de transição de poderes. Com nome na História, foi sempre chamado a participar nas datas redondas dos 10, 20, 30 e agora 40 anos. A sua modéstia e estatura moral e cívica, levaram-no a abdicar dos direitos de autor e oferecê-los à Associação 25 de Abril. Mais ninguém teve este gesto. Parabéns, Jorge!

Jorge Lage – jorgelage@portugalmail.com
 – 02ABR2014

Provérbios ou ditos:

         Alta ou baixa, em Abril vem a Páscoa.
         Abril frio traz pão e vinho.
         Burro velho não toma andadura e se a toma pouco dura.


Responso a Santa Bárbara contra as trovoadas

Santa Bárbara bendita
se vestiu e se calçou
suas santas mãos lavou
Jesus Cristo encontrou
e o Senhor perguntou:
- onde vais Bárbara?
- Senhor, eu ao Céu vou.
-Vai, Barbarinha, vai
manda esta trovoada
para onde não haja pão nem vinho,
nem bafo de menino pequenino.
Onde só haja uma serpente
sem nada que lhe dar
senão aguinha da fonte
e areias do mar.

Pelo poder de Deus
e da Virgem Maria,
um Padre Nosso e
uma ave Maria.
 (Barroso da Fonte in «55 Orações Marianas» - 2013, de Manuela Morais)
Nota: Numa má hora da tormenta podia ir toda a colheita.  Para os lados das Lamas tem deixado um rasto de morte.

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