quarta-feira, 14 de maio de 2014

Açores - Um pedaço de Portugal suspenso no alto-mar-III

COSTA PEREIRA
Portugal, minha terra.
Chegando à  Praça Velha entramos na sala de visitas desta inconfundível cidade que, desde 7 de Dezembro de 1983, é parte integrante do Património Cultural e Natural da UNESCO. Demarcada, em quadriculado, por um harmonioso alinhamento de antigas construções, incluindo os Paços do Concelho, para habitações e comércio, no máximo de só um segundo andar, a acolhedora praça distingue-se pelo facto de ser a mais central da urbe e ali se situar, no dizer do estudioso Jácome de Bruges Bettencourt, o "mais belo palácio municipal da Região", inaugurado em 1866 e edificado no mesmo sítio onde, pelo menos desde 1610 até então, existiram a primitiva Casa da Câmara e a Cadeia de Angra, dando assim mais relevo a um local citadino que sempre foi o centro de decisão administrativa e jurídica do povo angrense.
Em plano descendente, ali vêm entroncar, no sentido nascente/poente, a Ladeira de São Francisco, Rua do Galo e Rua da Sé; e no ascendente, em sentido sul/norte, a Rua Direita e a Rua do Santo Espírito, as mais antigas e movimentadas artérias da primeira povoação do arquipélago dos Açores a ser elevada a cidade, em 1534, por alvará de D. João III; e que, também, por decreto de 12 de Janeiro de 1837, mercê do apoio que deu às causas liberais, ao receber o título de "mui nobre, leal e sempre constante cidade de Angra do Heroísmo", passou a designar-se por Angra "do Heroísmo".
Para visitar o sítio que deu origem ao nome de todo este importante núcleo urbano, vamos seguir pela Rua Direita até ao Páteo da Alfândega, junto do qual fica a baía de Angra, essa baía ("angra") que se veio a celebrizar como topónimo, embora ao tempo das Descobertas não passasse dum simples pântano perdido na área envolvente da fortaleza de São Sebastião e do castelo de São João Baptista do Monte Brasil, e alimentado pela ribeira de curso permanente que, depois desviada, descia dos lados do já inexistente castelo de São Luís, actual "Outeiro da Memória", fazendo o mesmo percurso deste nosso passeio. E uma vez neste local, como não permitir que a nossa sensibilidade se deixe demorar na contemplação de um passado histórico que sabemos teve por palco e cenário esta baía? Pois não obstante as caravelas portuguesas e os galeões espanhóis se terem dispensado de virem aqui, como outrora, para se reabastecerem, repararem dos estragos, protegerem dos piratas e procurarem cuidados de saúde para o seu pessoal enfermo, a memória desse passado continua viva e documentada no património construído e na bucólica paisagem que o rodeia.
Ao lado da fortaleza de São Sebastião, lá se mantém o cais do Porto das Pipas à espera de carga e descarga das embarcações que deixaram de aportar ali; do lado do castelo de São João Baptista, os vestígios do estaleiro naval doutos tempos são ainda evidentes; nas muralhas das fortalezas referidas, podemos imaginar da segurança que então existia dentro e à volta delas, e na igreja da Misericórdia (séc. XVIII), situada onde foi instalado o primeiro hospital dos Açores, a 15 de Março de 1492, só no séc. XIX. se deixou de prestar assistência aos doentes, porque entretanto o hospital foi transferido para o convento das Irmãs Concepcionistas.
Deixemos a baía, com a sua Marina e várias obras de reabilitação do velho porto, em curso, para de regresso ao centro urbano avançarmos até ao topo norte da Rua Direita, onde no início da Rua do Marquês nos espera, para ser admirada, a Casa do Capitão do Donatário que estrategicamente "cerca de 1474, João Vaz Corte-Real, mandou construir" na base do morro do primitivo castelo de São Luís, também, nessa data, mandado construir por este que, depois do cosmógrafo e cartógrafo, ao serviço do Infante Dom Henrique, Jácome de Bruges, foi o primeiro Capitão do Donatário, em Angra. E a seguir porque não dar a volta pela Rua do Rego e Alto das Covas até encontrar perto a Rua de São Gonçalo? Vale a pena, porque temos ali  o Convento de São Gonçalo que, fundado em 1545, "é o mais antigo da cidade, o primeiro destinado a freiras - clarissas - o maior conjunto conventual de Angra e um dos maiores dos Açores". Dele se nos oferece ainda destacar: os claustros, cerca e graneis; igreja e coros de estilo joanino; o interior barroco e conventual onde sobressai "o cadeiral do coro alto com figuras fantásticas; o conjunto de painéis de azulejo português (séc. XVIII); o Cristo crucificado em cruz de prata (séc. XVII, escola espanhola, possivelmente sul americana); e rico revestimento em talha, telas e tecto pintado (séc. XVIII)". Não sendo dos mais sumptuosos da cidade, pelo que significam e representam na história local, estes dois edifícios merecem, da nossa parte, serem os seleccionados para constarem na descrição que vamos continuar sobre valores patrimoniais e culturais de Angra do Heroísmo.

Costa Pereira

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