domingo, 18 de agosto de 2013

Os Elementos de Euclides

Escola de Atenas (pormenor de Euclides) - Rafael
 
Quando o sábio grego escreveu os Elementos[1], estaria longe de imaginar que, 23 séculos depois, fosse a obra mais editada a seguir à Bíblia. E o livro mais influente na história universal das matemáticas.
Inspirou génios como Arquimedes, Euler, Newton, Gauss e levou Bertrand Russel a afirmar que a sua leitura (que fez aos 11 anos) tinha sido um dos acontecimentos da sua vida, tão deslumbrante como o primeiro amor.
O conteúdo de Elementos[2], não surge apenas da mente genial de Euclides. Esta obra monumental é uma recompilação que o matemático grego fez de todo o saber matemático até à sua época. Dela constam conteúdos da geometria plana e espacial, da aritmética e da álgebra. Foi a via de transmissão do saber matemático, tanto na época clássica  como na  medieval, fosse sobre a influência cristã ou muçulmana.

Elementos é composto por treze livros, dedicados a diferentes aspectos matemáticos. Do livro I ao IV trata-se da geometria plana (figuras como o triângulo ou o circulo), também chamada geometria euclidiana. Nos livros V e VI aborda-se a teoria e as aplicações geométricas das proporções; do VI ao IX trata-se da teoria dos números (aritmética); no X (considerado pelos especialistas o mais completo), trata-se dos números comensuráveis e incomensuráveis (os que podem ser representados por uma distância); finalmente, do livro XI ao XIII, abarca-se a geometria espacial.
É a Euclides que se deve a forma clássica da proposição matemática: um enunciado deduz-se logicamente dos princípios aceites como válidos.
Euclides construiu os seus teoremas a partir de dez axiomas: a soma de cinco postulados e cinco noções comuns (conhecimentos elementares). Nos primeiros atendia unicamente a particularidades da geometria; quanto aos segundos atendia ao estudo das grandezas em geral.
 
Postulados básicos
 

 
Noções comuns
 
1 – Dois objectos iguais a um terceiro são iguais entre si
2 – Se a quantidades iguais se somam quantidades iguais, as somas são iguais
3 – Se a quantidades iguais se tiram quantidades iguais, as diferenças são iguais
4 – Dois objectos que coincidem são iguais
5 – O todo é maior que qualquer das suas partes
 


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Legenda - Este é um dos diagramas mais antigos e mais completos dos Elementos de Euclides. É um fragmento de um papiro encontrado entre as pilhas notáveis do entulho de Oxyrhynchus (perto da cidade actual de Behnesa, aproximadamente a 170 km do Cairo e 20 km a oeste do Nilo) em 1896-97 pela expedição célebre de B. P. Grenfell e A. S. Hunt. Presentemente, este fragmento de papiro encontra-se no Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade da Pensilvânia.
 
O mais antigo manuscrito em grego
conservado (ano 888)
O método e a clarividência transformaram Elementos num clássico entre os clássicos. O seu modelo foi até utilizado por outros pensadores de áreas diferentes das matemáticas. Thomas Hobbes, por exemplo, no século XVII aplicou-o na sua filosofia politica; assim como Espinoza o utilizou na sua Ética.
Contudo, o original perdeu-se no tempo. Hoje, Elementos é uma obra reconstruída a partir de textos que dela derivam. Sobretudo textos árabes (cópias de textos alexandrinos do século I), de Papus de Alexandria e de Teão de Alexandria[3], quase sete séculos de elaborado o original.
 

Quanto a Euclides, pouco se sabe. E os escassos dados que possuímos provêm de Papus, matemático da Escola de Alexandria na primeira metade do século IV d.C. e dos comentários sobre os Elementos de Proclo, filósofo grego do século V. Sabe-se, portanto, através destes dois sábios que Euclides terá nascido em 325 a.C., se formou na escola de Atenas, fundada por Platão, e que se transferiu mais tarde para Alexandria durante o reinado de Ptolomeu I, o primeiro soberano grego do Egipto.

 

Antiga biblioteca de Alexandria - Reconstrução
É a Ptolomeu que se deve a criação da lendária Biblioteca de Alexandria, vasto complexo arquitectónico que se converteria no foco de atracção dos maiores sábios da época: Arquimedes de Siracusa (matemático que deu uma aproximação muito precisa do número Pi e inventou o famoso parafuso a que se deu o seu nome), Apolónio de Pergamo (geómetra que baptizou figuras como a elipse, a parábola e a hipérbole), entre outros. Aí os pensadores podiam consagrar o seu tempo à investigação e ao ensino. O rei patrocinava as despesas. Foi, sem dúvida, o precedente das modernas universidades.
 


Escola de Atenas  - Rafael
Foi aí que Euclides terminou Elementos, publicando-a. Hoje especula-se que tenha tido, a seu cargo, uma equipa de colaboradores.
Era uma biblioteca extraordinária. Nesse tempo já havia outras bibliotecas portentosas, mas apenas reuniam conhecimento das suas culturas específicas. Com A de Alexandria surge, pela primeira vez, a ideia de conhecimento universal. De interculturalismo, com o objectivo de juntar toda a cultura do mundo conhecido, num único sitio. Pretendia-se, dessa forma, reunir à sua volta as melhores mentes do mundo, fosse qual fosse a sua área de cultura: poesia, matemática, astronomia, etc. è nesta biblioteca que, pela primeira vez se faz a tradução do Velho Testamento, do hebreu para grego. Foi uma explosão de conhecimento que, tantos anos depois, ainda inspira as pessoas (Ismail Serageldin).
 
Actual biblioteca de Alexandria
 
Nota: No jornal Público (10 de Agosto, pp.22 e 23) foi publicada uma entrevista com Ismail Serageldin, director da actual biblioteca de Alexandria. Recomenda-se. A dado passo diz-nos: “ Antes da revolução, havia manifestações, por vezes com violência, entre os estudantes e a policia [na universidade, junto à biblioteca]. Em todos estes protestos, nem uma pedra foi atirada à biblioteca. E, durante a revolução, os manifestantes deram as mãos para rodear e defender a biblioteca. Depois da revolução, nem uma pedra foi atirada. A biblioteca tem paredes de vidro, não tem muros nem portões. Os miúdos perceberam a mensagem”.
Armando Palavras



[1] Mas Euclides escreveu outras obras, algumas já perdidas: Uma colecção de teoremas geométricos; Da divisão das figuras, um estudo matemático de música, Fenómenos, uma descrição do firmamento, e Óptica, uma aproximação à luz e à visão.
[2] Euclidis Opera Omnia (1883-85), do filólogo Johan Ludvig Heiberg, é cosiderada a edição mais fiel à obra original.
[3] Segundo os especialistas é deste escrito que surgiram todas as cópias até ao século XIX.


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