quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Muke Nguy, o vendedor de óleo de palma - uma história de Tim Butcher

Montanhas no Congo - Fotografia da National Geographic

O século XX deu-nos dois grandes escritores de viagens: Bruce Chatwin e Paul Theroux. Sendo o primeiro, quase uma lenda. Já neste século surgiram outros dois: Tim Butcher e Luís Sepúlveda. É a Tim Butcher que se deve este escrito, narrativa incluída em “Rio de Sangue” (Bertrand editora, 2009).

Em todas as épocas de África, o Congo foi importante. Butcher ouvia dele falar desde criança. Conhecia a história de Joseph Conrad e há muito que lera o seu romance “No Coração das Trevas”; conhecia ainda as aventuras de grandes exploradores como Stanley,  David Livingstone e Burton.


Passou três anos a preparar a sua grande viagem no interior do Congo, com cerca de 2500Km. Um dia despediu-se da esposa. Diz-nos: “Em 2004, reservei lugar num voo de Joanesburgo para o Congo, redigi o meu primeiro testamento e dei a Jane um beijo de despedida”. Tão simples quanto isto. Deu um beijo a Jane e arrancou em direcção daquele gigante africano.


Já em plena selva, na companhia de Odimba e Benoit, dois pretos congoleses que se predispuseram a acompanhá-lo, utilizando motocicletas como meio de locomoção, têm um encontro inesperado. Enquanto desentupiam o cano de um dos carburadores (porque lhes tinham vendido gasolina suja em Kalemie), depararam com um “homem esfarrapado” que estava a observá-los, “inclinando-se pesadamente sobre uma velha bicicleta carregada com grandes recipientes de plástico”. Perguntou a Tim se tinha água. Este estendeu-lhe uma garrafa, e o homem erguendo “o rosto magro” marcado pela fome, sem tocar no gargalo com os lábios, derramou cuidadosamente a água na boca. Agradeceu e já se preparava para partir quando Tim lhe perguntou para onde se dirigia.
- Vou para Kalemie. Sou vendedor de óleo de palma. Chamo-me Muke Nguy – disse.


Em cima, população em fuga da guerra.
 Em baixo, acampamento de refugiados
Para Kalemie teria de andar 100 Km, mas já tinha percorrido 200 Km em 16 dias. Era inacreditável, teria de percorrer, com o regresso, 600Km pela floresta cerrada, debaixo de um calor equatorial, sem comida nem água. A bicicleta não tinha pedais e tão carregada ia que não podia servir para o transportar.
Disse a Tim que bebia quando o trilho atravessava um curso de água e à noite comia o que encontrava na selva. Levava uma esteira para se deitar e se adoecesse não tinha medicamentos. Também lhe explicou como remendava os furos dos pneus, esboçando um sorriso naquele rosto esquelético.

Sobre o negócio disse:
Okapi
- Levo comigo oitenta, talvez cem litros de óleo. Talvez consiga um lucro de dez ou quinze dólares quando chegar a Kelemie. Uma vez lá, gasto o meu dinheiro em coisas que não tenho em casa, como sal ou peixe do lago. Quando volto, revejo a minha família após alguns meses de ausência e vendo parte do sal com novo lucro de dez ou quinze dólares.
Tim estava estupefacto. Tanto esforço por trinta dólares e uma refeição de peixe!
E não é para menos. As dificuldades de alguns, comparadas com isto são apenas pequenas contrariedades.
 
Armando Palavras

Post-scriptum

Tim Butcher diz-nos ainda que viu muitos congoleses como Muke Nguy. Um deles levava trinta papagaios e iria percorrer, a pé, mais de 1000Km (até Zanzibar) para os vender aos turistas.



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