Montanhas no Congo - Fotografia da National Geographic |
O século XX deu-nos dois grandes
escritores de viagens: Bruce Chatwin e Paul Theroux. Sendo o primeiro, quase
uma lenda. Já neste século surgiram outros dois: Tim Butcher e Luís Sepúlveda. É
a Tim Butcher que se deve este escrito, narrativa incluída em “Rio de Sangue”
(Bertrand editora, 2009).
Em todas as épocas de África, o
Congo foi importante. Butcher ouvia dele falar desde criança. Conhecia a
história de Joseph Conrad e há muito que lera o seu romance “No Coração das Trevas”; conhecia ainda
as aventuras de grandes exploradores como Stanley, David Livingstone e Burton.
Passou três anos a preparar a sua
grande viagem no interior do Congo, com cerca de 2500Km. Um dia despediu-se da
esposa. Diz-nos: “Em 2004, reservei lugar num voo de Joanesburgo para o Congo,
redigi o meu primeiro testamento e dei a Jane um beijo de despedida”. Tão
simples quanto isto. Deu um beijo a Jane e arrancou em direcção daquele gigante
africano.
Já em plena selva, na companhia de Odimba e Benoit, dois pretos congoleses que se predispuseram a acompanhá-lo, utilizando motocicletas como meio de locomoção, têm um encontro inesperado. Enquanto desentupiam o cano de um dos carburadores (porque lhes tinham vendido gasolina suja em Kalemie), depararam com um “homem esfarrapado” que estava a observá-los, “inclinando-se pesadamente sobre uma velha bicicleta carregada com grandes recipientes de plástico”. Perguntou a Tim se tinha água. Este estendeu-lhe uma garrafa, e o homem erguendo “o rosto magro” marcado pela fome, sem tocar no gargalo com os lábios, derramou cuidadosamente a água na boca. Agradeceu e já se preparava para partir quando Tim lhe perguntou para onde se dirigia.
Já em plena selva, na companhia de Odimba e Benoit, dois pretos congoleses que se predispuseram a acompanhá-lo, utilizando motocicletas como meio de locomoção, têm um encontro inesperado. Enquanto desentupiam o cano de um dos carburadores (porque lhes tinham vendido gasolina suja em Kalemie), depararam com um “homem esfarrapado” que estava a observá-los, “inclinando-se pesadamente sobre uma velha bicicleta carregada com grandes recipientes de plástico”. Perguntou a Tim se tinha água. Este estendeu-lhe uma garrafa, e o homem erguendo “o rosto magro” marcado pela fome, sem tocar no gargalo com os lábios, derramou cuidadosamente a água na boca. Agradeceu e já se preparava para partir quando Tim lhe perguntou para onde se dirigia.
- Vou para Kalemie. Sou vendedor
de óleo de palma. Chamo-me Muke Nguy – disse.
Para Kalemie teria de andar 100 Km , mas já tinha
percorrido 200 Km
em 16 dias. Era inacreditável, teria de percorrer, com o regresso, 600Km pela
floresta cerrada, debaixo de um calor equatorial, sem comida nem água. A
bicicleta não tinha pedais e tão carregada ia que não podia servir para o
transportar.
Em cima, população em fuga da guerra. Em baixo, acampamento de refugiados |
Disse a Tim que bebia quando o
trilho atravessava um curso de água e à noite comia o que encontrava na selva.
Levava uma esteira para se deitar e se adoecesse não tinha medicamentos. Também
lhe explicou como remendava os furos dos pneus, esboçando um sorriso naquele
rosto esquelético.
Sobre o negócio disse:
Sobre o negócio disse:
Okapi |
Tim estava estupefacto. Tanto
esforço por trinta dólares e uma refeição de peixe!
E não é para menos. As
dificuldades de alguns, comparadas com isto são apenas pequenas contrariedades.
Post-scriptum
Tim Butcher diz-nos ainda que viu
muitos congoleses como Muke Nguy. Um deles levava trinta papagaios e iria
percorrer, a pé, mais de 1000Km (até Zanzibar) para os vender aos turistas.
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