segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Manuela Criner - Crónicas de África - 2



Manuela Criner
EU E O MUNDO EM QUE VIVIA

A minha Mãe, às vezes contava-me estórias. Não me dava confiança para mais nada, fazer-lhe perguntas, por exemplo. A menina podia lá saber como nasciam as crianças ? Que disparate é esse ? Podia lá saber que os outros diziam palavrões? A Nelita cresceu pensando que o mundo era um paraíso, sem maldade, onde ninguém dizia mal de ninguém, que se afastava quando ela mandava, sem curiosidade de escutar qualquer conversa, sem amigas, brincando só ali em casa com as suas bonecas e só indo a casa de alguma menina vizinha, esporadicamente e por pouco tempo. Por isso lia, lia, primeiro estórias de quadradinhos, depois de fadas e de príncipes encantados e depois de todos, e nunca me cansava de ler. A Nelita que nunca ouviu discussões em casa. Tive uns Pais que se amavam e respeitavam. O mundo acabou por ser para mim uma decepção, porque não foi nada como eu o imaginava, como me fizeram imaginá-lo. Pensavam que eu não pensava e eu pensava que não tinha o direito de pensar.
Quando vim a primeira vez de férias, diz-me a minha Mãe, muito séria:- É esquisito, Nelita, mas tu nunca te abriste muito comigo !- Fiquei a olhar para ela e depois disse-lhe, naturalmente:-Pois não, Mãezita, nunca me deu confiança para isso! Quando aos dezanove anos lhe perguntei como nascia uma criança, respondeu-me que não eram coisas que uma rapariga da minha idade de saber... uma criança, precisasse de saber...e desinteressei-me. Sabe como aprendi ? Num livro de Medicina e aprendi tudo sem maldade. E era verdade. Não era conversas que me agradassem, fui assim habituada. E quando as ouvia e via que havia maldade, afastava-me. Se falava nas coisas, falava naturalmente, sem segundas intenções. E quando havia qualquer coisa mais séria, que queria saber "como deve ser", perguntava ao meu irmão. Se era médico e Professor, de vez em quando eu era aluna. e havia os meus amigos livros.
 

UMA PEQUENINA

Quando foi a debandada e eu fiquei mais algum tempo, ouvi um daqueles que repetia o que ouvia, não compreendendo o que dizia, feito um papagaio.
-"Falta-nos tudo, não temos nada, os portugueses levaram-nos tudo, nem sal temos !"
Já me estava a subir a mostarda ao nariz com tanto palavreado , sem tom nem som, e perguntei :- "Então os portugueses levaram-vos o mar? Têm todo o Oceano Índico ali à vossa frente !"-
- "Mas como? E a matéria prima? Vocês levaram-nos a matéria prima toda!"-

Isto foi-me dito a mim, ninguém me contou. Fazem rir ? Fazem chorar? Fazem dó, pelo menos.

 

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