Manuela Criner |
EU E O MUNDO EM QUE VIVIA
A minha Mãe,
às vezes contava-me estórias. Não me dava confiança para mais nada, fazer-lhe
perguntas, por exemplo. A menina podia lá saber como nasciam as crianças ? Que
disparate é esse ? Podia lá saber que os outros diziam palavrões? A Nelita
cresceu pensando que o mundo era um paraíso, sem maldade, onde ninguém dizia
mal de ninguém, que se afastava quando ela mandava, sem curiosidade de escutar
qualquer conversa, sem amigas, brincando só ali em casa com as suas bonecas e
só indo a casa de alguma menina vizinha, esporadicamente e por pouco tempo. Por
isso lia, lia, primeiro estórias de quadradinhos, depois de fadas e de
príncipes encantados e depois de todos, e nunca me cansava de ler. A Nelita que
nunca ouviu discussões em
casa. Tive uns Pais que se amavam e respeitavam. O mundo
acabou por ser para mim uma decepção, porque não foi nada como eu o imaginava,
como me fizeram imaginá-lo. Pensavam que eu não pensava e eu pensava que não
tinha o direito de pensar.
Quando vim a
primeira vez de férias, diz-me a minha Mãe, muito séria:- É esquisito, Nelita,
mas tu nunca te abriste muito comigo !- Fiquei a olhar para ela e depois
disse-lhe, naturalmente:-Pois não, Mãezita, nunca me deu confiança para isso!
Quando aos dezanove anos lhe perguntei como nascia uma criança, respondeu-me
que não eram coisas que uma rapariga da minha idade de saber... uma criança,
precisasse de saber...e desinteressei-me. Sabe como aprendi ? Num livro de
Medicina e aprendi tudo sem maldade. E era verdade. Não era conversas que me
agradassem, fui assim habituada. E quando as ouvia e via que havia maldade,
afastava-me. Se falava nas coisas, falava naturalmente, sem segundas intenções.
E quando havia qualquer coisa mais séria, que queria saber "como deve ser",
perguntava ao meu irmão. Se era médico e Professor, de vez em quando eu era
aluna. e havia os meus amigos livros.
UMA PEQUENINA
Quando foi a
debandada e eu fiquei mais algum tempo, ouvi um daqueles que repetia o que
ouvia, não compreendendo o que dizia, feito um papagaio.
-"Falta-nos
tudo, não temos nada, os portugueses levaram-nos tudo, nem sal temos !"
Já me estava a
subir a mostarda ao nariz com tanto palavreado , sem tom nem som, e perguntei
:- "Então os portugueses levaram-vos o mar? Têm todo o Oceano Índico ali à
vossa frente !"-
- "Mas
como? E a matéria prima? Vocês levaram-nos a matéria prima toda!"-
Isto foi-me
dito a mim, ninguém me contou. Fazem rir ? Fazem chorar? Fazem dó, pelo menos.
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