segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Da Nossa Biblioteca - “O Leopardo” de Giuseppe Tomasi di Lampedusa


Donnafugata - Sicilia

Giuseppe Tomasi Di Lampedusa foi duque de Palma e príncipe de Lampedusa. Nasceu em Palermo no ano de 1896, falecendo em Roma, no ano de 1957. “O Leopardo”, a sua obra-prima, foi publicada um ano e meio após a sua morte, tendo sido rejeitada por numerosos editores. Tornou-se imediatamente uma das maiores obras literárias do século XX.

O Leopardo, um dos clássicos do romance italiano do século XX, foi imortalizado no cinema por Luchino Visconti. Nele participaram estrelas como Burt Lancaster, Alain Delon e a bela Claudia Cardinale.




Muito rica na complexa moldagem das personagens, como o padre Pirrone, ou Dom Ciccio Tumeo, companheiro de caça do príncipe de Salina, a narrativa analisa com grande rigor os ambientes, o tempo histórico e os próprios comportamentos humanos, de uma forma simultaneamente lírica e crítica.
O centro da acção tem como cenário a ilha de Sicília, na época da reunificação italiana, na altura constituída por um aglomerado de pequenos principados ou mini-repúblicas. Ou seja, uma península dividida em cidades-estado, disputando o poder entre si e disputadas por potências imperiais vizinhas. Protagonizada pelo revolucionário Garibaldi e os “descamisados”, que pretendem instaurar uma nova ordem social (expulsando os Bourbons, substituindo-os por Vítor Emanuel da casa de Sabóia) onde estão subjacentes os valores da revolução Francesa: igualdade, liberdade e fraternidade.
E desta forma, os revolucionários são apoiados por uma classe em franca ascensão: uma burguesia endinheirada que lucra com o endividamento galopante de uma nobreza cada vez mais passiva. Classe que dará origem, no futuro breve, à máfia siciliana, como Lampedusa o pretende mostrar numa clara alusão aos vários assassinatos como o do avô de Angélica.
Lampedusa, nesta narrativa, inspira-se no modelo teórico do sociólogo aristocrata contemporâneo à Revolução, o marquês Vilfredo Paretto. A teoria dos resíduos; dos arquétipos ou modelos sociais de conduta dominante. Mais conhecida como a “circulação das elites”. E com ela explora dois tipos sociais: os leões e leopardos (a nobreza) e as hienas e os chacais (a burguesia em ascensão) cuja astúcia desprovida de escrúpulos, aliada a uma fortíssima motivação para vencer, fazem da burguesia em ascensão uma classe para a qual os fins justificam os meios na sua rota de elevação em direcção ao topo da escala social. Surgem assim, agiotas, banqueiros, especuladores e grandes industriais que enriquecem misteriosamente de um momento para o outro.
Don Fabrizio, príncipe de Salina, junto do seu fiel companheiro de caça, o cão Bendicò, enfrenta esses novos ventos com a força e uma inteligência que lhe permitem afirmar tranquilamente: "É preciso que alguma coisa mude, para que tudo fique na mesma."[1] Conduzindo, deste modo, a sua família através desses tempestuosos tempos, mantendo o essencial da sua forma de vida. E renegando o lugar de senador que lhe é oferecido pela nova ordem através do cavaleiro Aimone Chevalley de Monterzuolo, no seu feudo de Donnafugata, na Sicília, utilizando como argumento outro aspecto profundamente explorado no romance: a correlação entre o clima e a cultura sicilianos que condicionam o comportamento e até a forma de pensar dos habitantes da ilha. Um clima marcado por um Verão inclemente, longo, que dura metade do ano; por ventos impiedosos que fustigam o solo árido das regiões montanhosas em redor do Etna.
A própria história da ilha, marcada por sucessivas invasões, desenvolve um sentimento colectivo de indiferença por quem se encontra no poder. Sobretudo, quando o órgão central de decisão, se encontra geograficamente distante da ilha.
Fabrizio Salina é um homem sensual, propenso a grandes paixões, cujo temperamento esbarra com a castradora religiosidade da sua aristocrática esposa, Stella, a princesa di Salina que, por essa razão, por vezes abandona para se atirar “numa aventura galante de baixo nível”; nos braços de Mariannina, em Palermo.
Do rico conjunto de personagens, destacam-se Tancredi, o príncipe di Falconeri, sobrinho do Príncipe (Dom Fabrizio), cuja inteligência se associa ao sentido de oportunidade, adaptando-se aos tempos de mudança, casando com a filha de um novo-rico, promovido a barão (Dom Calogero), salvando-o da ruína. Com este casamento vantajoso, realiza ainda o desejo de possuir a bela e voluptuosa Angélica, também ela peça central da narrativa, por ser de origem humilde, acabando por ser uma lufada de ar fresco dentro de uma aristocracia debilitada por sucessivos casamentos consanguíneos, maus hábitos alimentares, ausência de vida ao ar livre e falta de exercício físico.
Angélica é uma jovem inteligente, activa, que se torna culta e interventiva no que diz respeito a causas sociais. É a única personagem feminina que consegue conservar a beleza e o encanto até à velhice, preservando, até depois da morte de Tancredi, a vivacidade da juventude.
Pelo contrário, as irmãs Salina, filhas de Fabrizio e Stella, são excessivamente rígidas, tornando-se demasiado tímidas e recatadas para inspirarem verdadeira paixão. A sua frieza e aparente indiferença acabam sempre por afastar os seus pretendentes. Como sucedeu com o conde Cavriaghi, amigo de Tancredi, repelido pela frieza de Conccetta.
Armando Palavras




[1] Esta frase que aparece no filme, se não nos falha a memória, e é repetida em sinopses e sínteses, não aparece no livro, pelo menos nas duas edições que conhecemos. No livro a frase é atribuída a Tancredi, seu sobrinho e príncipe de Falconeri [“Se quisermos que tudo fique como está, é preciso que mude tudo” (25)]. Dom Fabrizio vai depois repensá-la em vários momentos, algumas vezes sob formas diferentes (26, 29, 31, 32, 36, por exemplo).

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