Christine Lagarde |
Nestes últimos dias, as noticias
sobre o rumo a seguir para combater a crise, deixaram qualquer um estupefacto
(pelo menos os mais distraídos).
Segundo os modelos usados até
aqui, por cada euro de austeridade, a economia poderia cair 0,5 euros. Revistos
estes modelos, o FMI concluiu que por cada euro de austeridade, a economia pode
cair entre 0,9 e 1,7 euros. É uma diferença abismal quando o universo abarca
milhares de milhões, ou biliões.
Este erro fácil de caricaturar
(do tipo, estamos tramados com quem dirige os nossos destinos), deve-se tão só
ao facto desta crise ser muito diferente das outras, embora as causas tenham
sido as mesmas. Hoje os países pertencem a uma moeda única, muito forte. Nas
crises passadas tinham moeda própria.
Alguns dias depois de ter
divulgado este estudo, onde admite ter calculado mal o impacto da austeridade
na economia, o FMI, na passada Quinta Feira (11), concluiu que será preciso
travar as medidas que afundaram vários países na recessão (nos quais se inclui
Portugal).
Christine Lagarde mais preocupada
com o impacto do que com os cortes, disse mesmo que é preferível demorar um
pouco mais de tempo. Aliás, é da presidente do FMI a proposta de mais dois anos
para a consolidação orçamental. E disse mais. Que o Banco Central Europeu (BCE) tem de arrancar o quanto antes com o
seu novo programa de compra de divida (Recomenda-se a leitura do livro de
Paul Krugman, Acabem com esta crise, já!).
Contudo, a Comissão Europeia
(CE), além de não reconhecer responsabilidades, atira-as para os Governos. Como
o faz o principal credor, a Alemanha, seguindo a via oposta: a da austeridade.
Tanto a CE como o principal
credor têm parte da razão. Mas não toda. Têm razão quando dizem que os governos
foram responsáveis pela crise. E foram. Os que levaram os países à bancarrota,
não os que estão a tentar tirá-los do buraco[1]. Mas
também foram responsáveis alguns grupos financeiros. Principalmente os
especuladores.
Mas quando afirmam que as medidas
adoptadas pelos Governos lhes não são impostas pela UE, perdem a totalidade da
razão. Porque o problema não está nas medidas, está nas metas. Porque as metas
são a causa das medidas. E se as medidas lhes não são impostas, são-no as
metas. E aqui é que está o cerne da questão. Ou haverá alternativas para as
metas? Se as há que o digam.
Mas a UE tem outro tipo de
responsabilidades que se prendem com a questão ética[2]. Além
de cobrar juros usurários
(presumimos que só os juros já pagos dariam para pagar quase metade da
divida!), as medidas que impõe não causa danos aos governos. Estes entram e
saem. O problema é os danos que causam aos cidadãos. Para além de que foi a
própria União que contribuiu para que
os especuladores nestes últimos 30 anos crescessem, enquanto a maioria da
população empobreceu. Foi a União que
lhes criou as condições (como isenções fiscais, etc.). Coisa que não aconteceu
nos primeiros 30 anos do seu nascimento, onde os valores se sobrepuseram ao
dinheiro. Admite-se que 1% da população da União
possua a riqueza de vários milhões?
Nós somos os primeiros a defender
os ricos. Mas aqueles que criam riqueza, postos de trabalho. Esses, sim, fazem
falta à sociedade. Mas esta desigualdade cria um sistema completamente injusto
(indecoroso). Menos eficiente, mais instável e com mais desemprego. Esta
concentração de riqueza, apenas num pequeno número, condena a grande maioria a
um ciclo de pobreza intransponível. E é aqui que o Estado tem um papel
importantíssimo. Na redistribuição da riqueza, de forma a proporcionar a
igualdade de oportunidades a todos (ou pelo menos a uma maioria). Como sucedeu,
sob a influência da social-democracia, nos primeiros 30 anos do pós-guerra.
Actualmente, além de não proporcionar essa igualdade de oportunidades, asfixia
as verdadeiras elites e os mais talentosos, que se vêem relegados para os
mundos de George Orwell (1984 e O Triunfo dos Porcos).
Christine Lagarde tem carradas de
razão, diga o que disser o Sr. Wolfgang Schäuble (ministro das finanças alemão).
A Europa, já o dissemos neste espaço, e repetimo-lo, está a fazer a estes
países, o que o pastor-rei (o do mito do anel de Gyges) fez a outros: as
maiores malfeitorias sem ser punido[3]. E
lembrando-se do primeiro acto da segunda parte da peça de Goethe, Fausto, em que Mefistófeles promete ao
Imperador sanear a depauperada economia do Estado imprimindo moeda (o que
provocaria a inflação)[4],
prefere actuar como Shylock[5] da
comédia de Shakespeare, O Mercador de
Veneza, que concebe a ideia perversa de trocar dinheiro por carne humana.
Na verdade, estes povos, embora
não presenciando mísseis, aviões e tanques de guerra, já passam a fome da
guerra, porque como comentava alguém na colectânea Guerra e Guerreiros, organizada
por Ernst Junger (Berlim, 1930), da qual Walter Benjamin elabora uma notável
recensão, “Hoje, a guerra já não se faz, administra-se”. Começa a surgir, de
novo, uma assustadora visão da morte universal. Quem gere os nossos destinos
actuais que se cuide!
Armando Palavras
Post-scriptum
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O País, na próxima Segunda-feira, espera não presenciar mais nenhuma palhaçada do tipo "Se me perguntarem...". Não aprecia as deslealdades e os oportunismos. Uma coligação não é uma fusão, mas é uma união.
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[2] Que a memória não seja curta. Foi a UE que patrocinou
programas (de formação, etc.) que não servem para nada, onde uns poucos se
encheram (sem nunca serem regulados); os que os conheciam e se sabiam mecher
nos meandoros do poder.
Foi a EU que ofereceu dinheiro para programas de lazer, para destruírem
as forças produtivas como a pesca e a agricultura, e por aí fora… e agora não
reconhece responsabilidades? Quer queira, quer não creia, tem as suas
responsabilidades. Porque permitiu facilidades que levaram à corrupção,
arrastando-nos para a crise.
[3] Este mito serviu de alicerce para Platão construir
uma das suas obras: A República. E
encontra-se descrito no diálogo entre Sócrates e Glaucon, um dos irmãos de
Platão.
[4] Tão
detestada pelos alemães devido às memórias da grande inflação ocorrida no
inicio da década de 1920. Curiosamente, estão mais esquecidas as relativas às
politicas deflacionarias no inicio da década de 30, que abriu caminho aos
demagogos nazis e a Hitler.
[5] Que bem se distingue de António, o herói da peça,
para quem o empréstimo é um dever de amigo de que não pode servir-se para
enriquecer.
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