sábado, 13 de outubro de 2012

FMI de Christine Lagarde reconhece erro na austeridade em demasia

Christine Lagarde


Nestes últimos dias, as noticias sobre o rumo a seguir para combater a crise, deixaram qualquer um estupefacto (pelo menos os mais distraídos).
Segundo os modelos usados até aqui, por cada euro de austeridade, a economia poderia cair 0,5 euros. Revistos estes modelos, o FMI concluiu que por cada euro de austeridade, a economia pode cair entre 0,9 e 1,7 euros. É uma diferença abismal quando o universo abarca milhares de milhões, ou biliões.
Este erro fácil de caricaturar (do tipo, estamos tramados com quem dirige os nossos destinos), deve-se tão só ao facto desta crise ser muito diferente das outras, embora as causas tenham sido as mesmas. Hoje os países pertencem a uma moeda única, muito forte. Nas crises passadas tinham moeda própria.
Alguns dias depois de ter divulgado este estudo, onde admite ter calculado mal o impacto da austeridade na economia, o FMI, na passada Quinta Feira (11), concluiu que será preciso travar as medidas que afundaram vários países na recessão (nos quais se inclui Portugal).
Christine Lagarde mais preocupada com o impacto do que com os cortes, disse mesmo que é preferível demorar um pouco mais de tempo. Aliás, é da presidente do FMI a proposta de mais dois anos para a consolidação orçamental. E disse mais. Que o Banco Central Europeu (BCE) tem de arrancar o quanto antes com o seu novo programa de compra de divida (Recomenda-se a leitura do livro de Paul Krugman, Acabem com esta crise, já!).
Contudo, a Comissão Europeia (CE), além de não reconhecer responsabilidades, atira-as para os Governos. Como o faz o principal credor, a Alemanha, seguindo a via oposta: a da austeridade.
Tanto a CE como o principal credor têm parte da razão. Mas não toda. Têm razão quando dizem que os governos foram responsáveis pela crise. E foram. Os que levaram os países à bancarrota, não os que estão a tentar tirá-los do buraco[1]. Mas também foram responsáveis alguns grupos financeiros. Principalmente os especuladores.
Mas quando afirmam que as medidas adoptadas pelos Governos lhes não são impostas pela UE, perdem a totalidade da razão. Porque o problema não está nas medidas, está nas metas. Porque as metas são a causa das medidas. E se as medidas lhes não são impostas, são-no as metas. E aqui é que está o cerne da questão. Ou haverá alternativas para as metas? Se as há que o digam.
Mas a UE tem outro tipo de responsabilidades que se prendem com a questão ética[2]. Além de cobrar juros usurários (presumimos que só os juros já pagos dariam para pagar quase metade da divida!), as medidas que impõe não causa danos aos governos. Estes entram e saem. O problema é os danos que causam aos cidadãos. Para além de que foi a própria União que contribuiu para que os especuladores nestes últimos 30 anos crescessem, enquanto a maioria da população empobreceu. Foi a União que lhes criou as condições (como isenções fiscais, etc.). Coisa que não aconteceu nos primeiros 30 anos do seu nascimento, onde os valores se sobrepuseram ao dinheiro. Admite-se que 1% da população da União possua a riqueza de vários milhões?
Nós somos os primeiros a defender os ricos. Mas aqueles que criam riqueza, postos de trabalho. Esses, sim, fazem falta à sociedade. Mas esta desigualdade cria um sistema completamente injusto (indecoroso). Menos eficiente, mais instável e com mais desemprego. Esta concentração de riqueza, apenas num pequeno número, condena a grande maioria a um ciclo de pobreza intransponível. E é aqui que o Estado tem um papel importantíssimo. Na redistribuição da riqueza, de forma a proporcionar a igualdade de oportunidades a todos (ou pelo menos a uma maioria). Como sucedeu, sob a influência da social-democracia, nos primeiros 30 anos do pós-guerra. Actualmente, além de não proporcionar essa igualdade de oportunidades, asfixia as verdadeiras elites e os mais talentosos, que se vêem relegados para os mundos de George Orwell (1984 e O Triunfo dos Porcos).
Christine Lagarde tem carradas de razão, diga o que disser o Sr. Wolfgang Schäuble (ministro das finanças alemão). A Europa, já o dissemos neste espaço, e repetimo-lo, está a fazer a estes países, o que o pastor-rei (o do mito do anel de Gyges) fez a outros: as maiores malfeitorias sem ser punido[3]. E lembrando-se do primeiro acto da segunda parte da peça de Goethe, Fausto, em que Mefistófeles promete ao Imperador sanear a depauperada economia do Estado imprimindo moeda (o que provocaria a inflação)[4], prefere actuar como Shylock[5] da comédia de Shakespeare, O Mercador de Veneza, que concebe a ideia perversa de trocar dinheiro por carne humana.
Na verdade, estes povos, embora não presenciando mísseis, aviões e tanques de guerra, já passam a fome da guerra, porque como comentava alguém na colectânea Guerra e Guerreiros, organizada por Ernst Junger (Berlim, 1930), da qual Walter Benjamin elabora uma notável recensão, “Hoje, a guerra já não se faz, administra-se”. Começa a surgir, de novo, uma assustadora visão da morte universal. Quem gere os nossos destinos actuais que se cuide!

Armando Palavras



Post-scriptum

O País, na próxima Segunda-feira, espera não presenciar mais nenhuma palhaçada do tipo "Se me perguntarem...". Não aprecia as deslealdades e os oportunismos. Uma coligação não é uma fusão, mas é uma união.





 

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[1] Aliás, no caso português já por três vezes que os socialistas nos puseram neste sarilho. Mas desta foi de vez. O presente desastre deve-se à era P.S. de 15 anos (com especial relevância para os últimos sete). Foi nela que nasceu e cresceu com proporções astronómicas.
[2] Que a memória não seja curta. Foi a UE que patrocinou programas (de formação, etc.) que não servem para nada, onde uns poucos se encheram (sem nunca serem regulados); os que os conheciam e se sabiam mecher nos meandoros do poder.
Foi a EU que ofereceu dinheiro para programas de lazer, para destruírem as forças produtivas como a pesca e a agricultura, e por aí fora… e agora não reconhece responsabilidades? Quer queira, quer não creia, tem as suas responsabilidades. Porque permitiu facilidades que levaram à corrupção, arrastando-nos para a crise.
[3] Este mito serviu de alicerce para Platão construir uma das suas obras: A República. E encontra-se descrito no diálogo entre Sócrates e Glaucon, um dos irmãos de Platão.
[4] Tão detestada pelos alemães devido às memórias da grande inflação ocorrida no inicio da década de 1920. Curiosamente, estão mais esquecidas as relativas às politicas deflacionarias no inicio da década de 30, que abriu caminho aos demagogos nazis e a Hitler.
[5] Que bem se distingue de António, o herói da peça, para quem o empréstimo é um dever de amigo de que não pode servir-se para enriquecer.

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