ASSUME AS TOURADAS COMO ESPETÁCULO ILÍCITO E IMPÕE
LIMITES À SUA EMISSÃO TELEVISIVA
Nota
justificativa
Que
os animais sencientes, e especificamente os animais domésticos, são portadores
da capacidade de sentir, demonstrar e comunicar, entre si e connosco, afecto,
dor, prazer ou compaixão, é hoje em dia, felizmente, comummente aceite na nossa
sociedade prevendo o nosso ordenamento jurídico que os mesmos são detentores de
um conjunto de direitos específicos e merecedores dos respectivos mecanismos
normativos de protecção.
A
Lei nº92/95 de 12-09 (na redação da Lei nº19/2002 de 21-07) proíbe
expressamente “todas as violências
injustificadas contra animais (..)
infligir a morte, o sofrimento cruel e
prolongado ou graves lesões a um animal” (artº 1º, nº1).
Contudo,
esta mesma lei, excepciona (de forma contraditória) expressamente as touradas
ou corridas de toiros desta proibição.
Aliás,
da mesma forma, à luz dos princípios consagrados na Declaração Universal dos
Direitos dos Animais proclamada em 15 de Outubro de 1978 pela Unesco – “Todo
o animal tem o direito de ser respeitado” (artº 2º); “Nenhum
animal será submetido a maus tratos nem a actos cruéis” (artº 3º); “Quando um animal é criado para a alimentação
humana, deve ser nutrido, instalado e transportado, assim como sacrificado sem
que desses actos resulte para ele motivo de ansiedade ou de dor” (artº 9º);
“a) Nenhum animal deve ser explorado para
entretenimento do homem. b) As exibições de animais e os espectáculos que se
sirvam de animais, são incompatíveis com a dignidade do animal” (artº 10º);
“As cenas de violência nas quais os
animais são vítimas, devem ser proibidas no cinema e na televisão, salvo se
essas cenas têm como fim mostrar os atentados contra os direitos do animal”
(artº 13º) - as touradas, coerentemente, não poderiam subsistir.
Esta
não é uma questão fácil. O debelar de certas tradições enraizadas junto
dalgumas populações no nosso país, se não for assumida pelos próprios, se não
ocorrer como natural evolução social e de mentalidades, que leve a rejeitar
espontaneamente essas práticas e a substituí-las por outras, sempre será vista como
violenta intrusão no seu espaço identitário.
O
extremar de posições nesta matéria pode levar uns a vencer sobre os outros, mas
nunca levará ao convencimento dos vencidos…
São
conhecidos os argumentos de quem defende as corridas de toiros: desde a
tradição popular, passando pela economia e postos de trabalho, ou pela manutenção
da subespécie da fauna, terminando no próprio ambiente(!) simplesmente por a
criação do gado bravo ser feita em regime extensivo e em montado… Já vimos
vender automóveis, defender empreendimentos turísticos, campos de golfe ou
espelhos de água de barragens nos últimos rios selvagens do país invocando
igualmente as suas pseudo vantagens ambientais! Este argumento não é, todavia,
seriamente defensável!
Com
efeito, nas fundações da ecologia política reside a defesa intransigente do
planeta, dos ecossistemas e do equilíbrio ambiental, dos quais depende toda a
vida na Terra, e também a salvaguarda de toda a vida selvagem e da riquíssima
biodiversidade que herdámos e queremos legar às futuras gerações. A par dessa
defesa, vem inevitavelmente a defesa dos animais que especificamente partilham
o nosso espaço e quotidiano, mormente os domésticos, de companhia, de trabalho,
ou aqueles dos quais o ser humano retira alimento, que são merecedores de uma
atenção diferenciada pois essa maior proximidade traz consigo problemas
específicos e simultaneamente uma responsabilidade própria que tem que ser
plenamente assumida.
È
nossa convicção que a sociedade deverá caminhar no sentido do abandono de
práticas que não são compatíveis com o estatuto de protecção que cada vez mais
por todo o mundo se reconhece, justamente, aos animais, reconhecendo
simultaneamente que com a superior capacidade intelectual do Homem, donde lhe
vem o imenso e perigoso poder que hoje detém, vem necessariamente um
inalienável dever e uma esmagadora responsabilidade de respeitar igualmente os
outros animais, os não humanos, pois só assim, em última instância respeita a
sua própria humanidade.
Infelizmente
a mudança de mentalidades é, por vezes, demasiado lenta no reconhecimento e
atribuição de importância a esta matéria que, contudo, não deve ser menorizada
e simplesmente adiada com o pretexto de não constituir uma “prioridade” no
presente momento de reconhecida crise ambiental, social e económica.
Nesta
matéria, não podemos deixar de lembrar o papel que a educação formal (no espaço
escola) e informal pode e deve desempenhar na formação das gerações futuras
promovendo o contacto directo com os animais, o conhecimento, compreensão e
respeito pelos animais.
A
televisão, quer se queira ou não queira, para o bem e para o mal, desempenha um
papel crucial na transmissão de valores e na educação informal mormente dos
mais jovens. Consciente disso mesmo, a lei da Televisão prevê já um conjunto de
restrições (limites à liberdade de programação) que segue de perto, e bem, a
nossa “moral” constitucional.
As
corridas de touros, ainda que como “espetáculo cultural” como é por muitos
assumido, não podem deixar de ser reconhecidas como comportando uma dose nítida
de violência, agressão, sofrimento e ferimentos sangrentos infligidos a animais
e até “risco permanente de morte para o toureiro”, como é assumido pelos
próprios defensores da tourada no parecer que a Prótoiro fez chegar ao
Parlamento durante o processo da Petição nº2/XII/1ª.
Ora
a exibição livre dessa violência, em transmissões televisivas, deve, no mínimo,
conhecer limites não só com vista a defender os telespectadores com maior
sensibilidade ou “facilmente impressionáveis” mas também e principalmente com
vista a proteger as crianças e jovens de uma exibição que não educa para o
reconhecimento e integral respeito pelos animais, e, assim, influi “de modo negativo na formação da
personalidade de crianças e adolescentes” – artº 27º, nº4 da Lei da
Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido.
Por
outro lado, o PEV propõe que se altere o princípio geral definido na lei em
relação às touradas, deixando assim de ser entendido como um espetáculo
“lícito” para passar a ser definido como um espetáculo “ilícito”.
O
PEV entende que a posição extremada pelo fim das touradas não teria acolhimento
ainda no nosso Parlamento, onde o presente projeto vai ser votado. Optámos,
assim, neste momento por estabelecer algumas alterações à lei que assumam as
touradas como elas devem ser classificadas (o princípio da sua ilicitude, mesmo
que excecionado, bem como o princípio da sua violência), na medida em que, pelo
menos estes princípios, têm condições para ser por todos acolhidos e retratam
as touradas como verdadeiramente elas são. Constituem passos que podem e devem
ter o acolhimento do nosso Parlamento e que devem também contribuir para uma
educação da sociedade para as características deste espetáculo em concreto.
Nesse
sentido, os deputados do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista “Os Verdes”,
como defenderam no debate da referida Petição, apresentam à Assembleia da
República o seguinte Projecto de Lei:
Artigo 1º
A
presente Lei introduz alterações ao artigo 3º da Lei nº 92/95, de 12 de
Setembro, alterada pela Lei nº19/2002, de 31 de Julho, ao artigo 27º da Lei nº
27/2007, de 30 de Julho, alterada pela Lei nº 8/2011, de 11 de Abril e ao
artigo 4º do Decreto-Lei nº 396/82, de 21 de Setembro, alterado pelo
Decreto-Lei nº 116/83, de 24 de Fevereiro e pelo Decreto-Lei nº 456/85, de 29
de Outubro
Artigo 2º
O
artigo 3º da Lei nº 92/95, de 12 de Setembro, alterada pela Lei nº19/2002, de
31 de Julho, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 3º
Outras autorizações
- (…)
- É ilícita a realização de
touradas.
- Excecionalmente pode ser
autorizada a realização de touradas, sendo indispensável prévia
autorização do espetáculo nos termos gerais estabelecidos nos regulamentos
próprios.
- (anterior nº 3)
- (anterior nº 4)
- (anterior nº 5)
- (anterior nº 6)»
Artigo 3º
O
artigo 27º da Lei nº 27/2007, de 30 de Julho, alterada pela Lei nº 8/2011, de 11
de Abril passa a ter a seguinte redação
«Artigo
27º
Limites
à liberdade de programação
- (…)
- (…)
- Não é permitida a emissão televisiva de
programas suscetíveis de prejudicar manifesta, séria e gravemente a livre
formação da personalidade de crianças e adolescentes, designadamente os
que contenham pornografia, no serviço de programas de acesso não
condicionado ou violência gratuita, fundamentalmente sobre pessoas ou
animais não humanos.
- (…)
- (…)
- (…)
- (…)
- (…)
- (…)
- (…)
- (…)
Artigo 4º
O
artigo 4º do Decreto-Lei nº 396/82, de 21 de Setembro, alterado pelo
Decreto-Lei nº 116/83, de 24 de Fevereiro e pelo Decreto-Lei nº 456/85, de 29
de Outubro passa a ter a seguinte redação:
«Artigo
4º
- (…)
a)
(…
b)
Para
maiores de 18 anos os espetáculos tauromáquicos
- (…)
- (…)
- (…)
- (…)
- (…)
Assembleia
da República, Palácio de S. Bento, 29 de Junho de 2012.
Os Deputados
(Heloísa Apolónia) (José Luís Ferreira)
De "Jornal do Norte" para "Tempo Caminhado"
De "Jornal do Norte" para "Tempo Caminhado"
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