quinta-feira, 14 de junho de 2012

Bragança, no auditório Adriano Moreira - Comunicação de Carlos D'Abreu (1)





Carlos Abreu
Trás-os-Montes e Alto Douro: Mosaico de Ciência e Cultura (colectânea de autores oriundos de Trás-os-Montes), coord. Armando Palavras, Lagoaça (Freixo de Espada à Cinta), Comissão de Festas de Nossa Senhora das Graças (presidente - António Neto), 2011.

Boas noites!

Saúdo todos os presentes, agradecendo a vossa vinda, assim como agradeço à Câmara Municipal de Bragança e à Academia de Letras de Trás-os-Montes, o terem incluído a apresentação desta obra no programa cultural “Artes e Livros”.

Saibam que não obstante o esforço a que me vi obrigado por razões de agenda, não posso deixar de informar que, para mim, é sempre um prazer vir a Bragança, capital distrital de um território a que pertenço, não só por nascimento mas por com ele me sentir identificado, ao ponto de há muito o ter elegido como objecto do meu estudo. Razões pelas quais, não fui capaz de recusar o pedido do nosso conterrâneo Armando Palavras, para que aceitasse esta missão, apesar de estar certo que entre os outros autores, muitos há com dons de oratória e capacidade de síntese, muito mais apurados do que os meus.
Colaborar na divulgação de uma colectânea de textos de autores de Trás-os-Montes e Alto Douro -território geográfico e cultural que continua a ter para nós uma forte carga simbólica, mal-grado a “manta de retalhos” administrativos a que hoje nos sujeitam-, constitui um dever para qualquer transmontano-duriense, mesmo que nela (colectânea) não tenha directamente participado.
E tanto mais que esta é uma obra sui generis! Por diversas razões.
Em primeiro lugar, porque foi idealizada e concebida numa aldeia (aparentemente) igual a tantas outras e nas quais não estamos acostumados a assistir a acontecimentos culturais, muito menos a realizações deste vulto.
A aldeia em causa leva o nome de Lagoaça e remonta aos primórdios da Nacionalidade, a quem el-rei Dinis reconheceu importância estratégica no seu esforço de consolidação do Reino, atribuindo esse seu vilar em terra de Miranda, a 14 povoadores, através de carta de foro emitida a 26 de Abril de 1286 (da era cristã). E esta obra nasce precisamente para comemorar os 725 anos dessa efeméride (foi publicada em 2011).
Vemos assim, que falamos de uma Freguesia com pergaminhos. Pertenceu pois à Terra de Miranda, autonomizou-se, com os “forais novos” foi incluída no Concelho de Bemposta, depois no de Mogadouro e agora encontra-se vinculada aos freixenistas. Talvez esta dificuldade em a “encaixar” administrativamente revele as suas peculiaridades.
Mas esta publicação, que certamente se deverá ao esforço de muitos -e não me refiro aos autores, pois nós não fizemos mais que a nossa obrigação-, nasceu da vontade do empresário António Neto ao ser nomeado mordomo / presidente da Festa da Senhora das Graças, coadjuvado pelos também lagoaceiros Armando Palavras (que coordenou) e Carlos Novais que, na qualidade de presidente da Junta de Freguesia, apoiou.
Está aqui um exemplo de que, quando o Homem quer, a Obra nasce!
Em segundo lugar, porque ela reúne um notável conjunto de textos de mais de setenta autores. Creio que são 71, considerando que detectei dois deles a intervir com pseudónimo, mas que merecem a distinção, se tivermos em conta que um é o referido coordenador e o outro, o pertués Amadeu Ferreira desdobrado no mirandês-poeta Fracisco Niebro.
Pela primeira vez -que eu tenha conhecimento, porque isto de ter certezas esvai-se com a idade-, se produziu tal “mosaico” em Trás-os-Montes e Alto Douro.
“Mosaico de Ciência e Cultura”, como o seu subtítulo indica.
E um mosaico é o conjunto resultante da combinação de pequenas pedras de coloração variada, com os interstícios preenchidos por uma massa que as liga entre si. Isto numa definição arqueológica.
Chamando-lhe antes a Biblioteconomia, miscelânea, antologia, selecta ou colectânea.
É pois o que aqui nos juntou hoje, neste auditório, um livro composto por um conjunto de textos, de diversos autores, em prosa e também em verso, com vários documentos iconográficos de permeio.
Esta diversidade faz dele uma obra de referência, que pode ser lida segundo o gosto e interesse de cada um, bastando para tal socorrer-se o leitor da organização que o coordenador lhe imprimiu e expressou nas páginas 391 e seguinte.
A elaboração de uma recensão crítica (coerente) duma obra deste tipo -como me foi pedido-, representa um esforço que não esteve de todo ao meu alcance, considerando sobretudo a quantidade de textos nela insertos (e há casos de autores que enviaram duas colaborações). Assim, na impossibilidade de todos poder comentar, aproveitarei a organização temática que o seu coordenador lhe conferiu e referirei o nome de (quási) todos os autores e respectivo título do texto com que colaboraram, fazendo aqui e ali, algumas -necessariamente breves-, observações.
Mas antes de me introduzir mais profundamente no livro, deixai-me narrar brevemente o acto da sua apresentação ocorrido durante a festa grande de Lagoaça, em inícios de Setembro do ano passado, que me impressionou.
A ágora foi o palco. As frondosas tílias amenizavam a tarde. Uma mesa no topo. Cadeiras dispostas em filas reservadas aos autores. A praça apinhada de gente. Ao centro da mesa o vila-florense António Modesto Navarro, arguente principal, a quem coube a ingrata tarefa, não direi de o mostrar (ao livro) e comentar, porque o fez com mestria (não fosse ele mestre da escrita e da palavra), mas porque para isso foi obrigado a lê-lo e a interpretá-lo em tempo contado.
Uma multidão que se concentra na praça pública, por aí ter marcado encontro com um Livro. Que belo exemplo! Não faz lembrar a escola grega da Antiguidade, ou a escola Contemporânea de alguns meninos africanos? O interesse pelo Saber e a preocupação de o transmitir. Um assomo aos artigos 73.º e 78.º da Constituição da República Portuguesa: “Todos têm direito à educação e à cultura” e, “Todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural”.
Afoitemo-nos então numa viagem pelo interior destas quatro centenas de páginas, imaginando-a em barca pelo nosso Doiro abaixo, num Rio de águas arrebatadas, como as do passado, quando ainda podiam ter pressa de chegarem ao Mar e aí cumprirem o seu Destino. A embarcação correrá veloz e não permitirá dar conta de todas as miradas, como acima se disse.
Aqui, permitam-me um “à parte”.
Já que trouxe esta imagem das águas fluviais agora represadas, não poderei deixar de comentar que, sendo elas um dos nossos grandes recursos naturais, a sua exploração e consequente riqueza que daí resulta, não se tem repercutido na economia regional. Felizmente que alguns transmontano-durienses já começaram a levantar a voz contra esse roubo tamanho. Talvez a energia despendida para resistirmos à dureza do meio, nos torne fracos nas justas reivindicações.
Vamos então ao primeiro item, designado “País e o Mundo”, que tem precisamente como primeiro texto “Voltar à terra e ao mar”, de autoria do professor Adriano Moreira (patrono deste Centro Cultural).
Reflecte o seu autor sobre a actual conjuntura política, económica e social que agrava a sangria de gentes desta região, que nunca cessou. E cito, “Talvez uma das maiores ameaças para o crescimento sustentado de um país seja ter o técnico, necessitar do técnico, mas não ter emprego para o técnico”.
Fotografia de Paula Abreu
Vaticinando que (e volto a citar) “Vão ser longos os anos de sacrifícios a exigir à população que decidiu ficar, ou não pôde partir, tendo sido esquecido um velho conceito de governos prudentes e atentos, que era o de promover e defender um conceito estratégico de reserva alimentar”.
“O regresso à terra e ao mar [isto é, à agricultura e à pesca] são imperativos das agressões que as crises económicas trouxeram à estabilidade e aos sonhos da geração abrangida pela ilusão das sociedades europeias de crescimento”.
“Trás-os-Montes, que sempre pertenceu ao Reino, é uma reserva essencial”, recorda-nos o intelectual.
De seguida, o artigo de Loureiro dos Santos sobre “A guerra na era da informação”, não fosse ele general.
No item “Análise/reflexão”, a prosa de outro nome grande do nosso Distrito, aliás o seu maior bibliógrafo, legítimo continuador do nosso Abade de Baçal. Refiro-me naturalmente ao professor Hirondino da Paixão Fernandes, que agora ultima a sua grandiosa “Bibliografia do Distrito de Bragança” (10 volumes), mas nem com a sua revisão está mais liberto, por ser muita e rica a informação que ela contém e, exigente, rigoroso, quase perfeccionista, o seu Autor. O meu bem-haja. E depois de amanhã teremos aqui o 2.º volume, no âmbito deste mesmo programa de “Artes e Letras”.
“E não é que a luz se fez!... “. É este o título. Onde numa linguagem precisa, quási poética, com alguns saborosos regionalismos da sua Vila Arçâ -afinal comuns a várias outras “pedrinhas” deste “mosaico” distrital-, nos recorda o seu amigo e condiscípulo Fernando Subtil, através de uma carta que dele possui, introduzindo assim nesta colectânea mais um dos nossos, que de outro modo teria ficado de fora, por já não poder responder à chamada de Armando Palavras.
Através dessa carta ficamos a saber um pouco mais da sua personalidade. Era um (e cito), “sonhador irrequieto, combativo, frontal”.
Luís Dias de Carvalho, analisa a actualidade d’“A usura”.
A páginas 27 da miscelânea, o artigo “Transmontanismos”, um dos apenas 5 textos que não chegaram inéditos à colectânea, mas com os quais a obra sai valorizada, segundo o seu coordenador e com o qual concordamos plenamente, até porque foi publicado numa revista francesa. Pertence ao professor Telmo Verdelho.
“Transmontanismos” é uma verdadeira “teoria da transmontaneidade”. Neste texto cabemos todos, porque todos nele estamos retratados.
Inicia a sua reflexão afirmando que é (e cito) “Nativo de Trás-os-Montes, amante e sempre saudoso da terra, muitas vezes me questiono sobre a razão de ser e de parecer desta condição de origem, arrastada como uma espécie de sandice, pelos transmontanos que vagueiam pelo mundo”.

(continua)

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