Carlos D'Abreu |
E mais adiante, acrescenta que (e volto a citar) “A memória do lugar, preenchida pelos rostos, pelas coisas, pelos usos e costumes, é como uma configuração mental instituidora, uma referência ou marca de pertença que se repercute para sempre no horizonte do quotidiano de toda a gente”.
E permitam-me, excepcionalmente, outros excertos, sem qualquer interferência da minha parte.
“Já nem os montes nos protegem do esvaziamento da riqueza humana e económica. Estamos à mercê das unhas insolentes e prepotentes do centralismo político. (…) Lisboa perdeu a consciência de um espaço nacional, não lhe interessam as fronteiras nem as regiões fronteiriças que estão vazias de votos”.
E mais adiante: “Como quem deixa correr o pensamento ocioso, o que me toca, quando me lembro transmontano é, antes de mais nada, o amor da liberdade que se articula com a modéstia dos recursos da terra. Depois, a solidariedade de quem foi aprendendo a gerir a pobreza e a aspereza do meio. Finalmente, uma certa presunção de herói que está presente na consciência de todos os resistentes que sobrevivem e que mantêm o privilégio de viver livres e de verem o mundo de longe”.
Como temos de continuar a nossa jornada, apenas direi que esta leitura telúrica de apenas 5 páginas e meia, é a síntese mais lúcida de análise geográfica regional que conheço!
Em “Personalidades Transmontanas”, Abílio Gomes evoca “Barahona Fernandes – de Vinhais para o Mundo”. Inocêncio Pereira, os “Missionários, navegadores, poetas, militares e historiadores” freixenistas.
Nas “Viagens”, Bento da Cruz descreve uma ida a Freixo de Espada à Cinta, intitulando-a “Viagem ao Nordeste Transmontano”.
E viajando “Entre efémero e eterno. Romagem ao cristal da manhã”, ao encontro da sua Vilafrol, João de Sá, Filósofo que recentemente deixou o grupo dos vivos, aquele que me habituou durante anos, a procurar na caixa do correio o quinzenário Terra Quente, para com a sua crónica de página inteira, me deleitar no serão.
“Viajar na minha terra é algo mais do que a descoberta de mim próprio, esse caudal tumultuoso de pensamentos, volições e sentimentos enfeixados, por vezes em conflito, sem a bênção de uma foz que os apazigúe. Daí que tenha prescindido de traçados e projectos. É uma viagem sem arquitectura, comandada pelas subtilezas do espírito, pelo que nele há de imprevisível (…)”.
“Por Esse Douro Acima”, com textos de António Barreto e Ilda Pinto Ribeiro, o sociólogo sintetiza a natureza feita pelo homem e a poetisa refere os 250 anos da criação da Região Demarcada do Douro.
Na secção reservada à “Poesia”, Ernesto Rodrigues apresenta-se com “Três Poemas”, enquanto que Fernando Castro Branco nos leva à Serra de Montesinho a partir d’”O parto das pedras”:
Do útero das pedras nem só o tempo nasce.
Súbito, olhos agudos trespassam a brisa,
Irrompem do nada, e fixam no horizonte
O perfil dos montes, o rumor dos fenos. (…)
Ilda Pinto Ribeiro volta ao Rio com o “Canto do Douro”, o jornalista Rogério Rodrigues que se revela como poeta no pseudónimo de Pedro Castelhano, e Sílvio Teixeira com o poema-postal “Páscoa”.
Nas “Narrativas”, a colaboração do Historiador António Borges Coelho com “O homem do chapéu amarelo”. António Passos Coelho fala-nos de Francisco do Carmo, um “azarado miúdo entregue à lei da natureza” que começou por ter a nomeada de “Filho da desgraça” por ser filho de “pai natural” e depois crismado de ”O pai do trabalho”, porque a orfandade o obrigava a oferecer os seus braços aos vizinhos que o alimentavam e remendavam. Afinal a história de tantos infelizes em tempo de miséria.
Bernardino Henriques, com quem temos o prazer de compartilhar esta mesa, oferece-nos dois bonitos textos: “Abraço meio fraterno” e “Tejo”, nome de rio e de cão. De facto os nossos antigos tinham o hábito de chamar os canídeos por nomes de rios. Para os proteger da raiva, já que esta doença os faz repelir a água, diziam.
Fernando Castro Branco regressa nesta modalidade com, “A ausência do estalajadeiro”. Fernando Chiote Tavares e a “Fotografia”, afinal uma história de amor e desamor.
J. Rentes de Carvalho, o autor de “Ernestina”, transmontano repartido entre os Estevais (de Mogadouro) e a Holanda, a emprestar a sua prosa de profissional a esta colectânea, com a história de um homem simples que sofria com as saudades do seu amigo “Faísca”.
Jorge Tudela, com “Adeus, terra, adeus, pátria…”, dá a voz a Victor, transmontano que como tantos outros, assenta arraiais na Grande Lisboa.
Manuel Cardoso, o médico veterinário macedense, que aqui confirma os seus dotes de novelista, com “Os trasgos do senhor engenheiro”, aquele que projectava uma barragem e nada sabia desses seres que habitam as águas e podem vingar-se com a invasão.
No capítulo “Monografias”, apenas o meu texto, “Das coisas da Loisa – uma aldeia empoleirada no Doiro”. Aquela Lousa que em dia aziago “pôs a guarda a lavrar” e lhe deu má fama.
Na área do “Mercado de Trabalho”, também uma só participação, a de Márcia Trigo, com o trabalho de investigação titulado “Imperativo do mercado global de trabalho, da competitividade e da inovação empresarial”.
Nos “Costumes e tradições”, as intervenções de Alexandre Perafita que trata a “Tradição Entrudo em Trás-os-Montes”, e a de António Pinelo Tiza que nos fala da “Festa da cabra e do canhoto”, em Cidões.
“Por terras de Ribacôa” dá voz à competente Arqueóloga Alexandra Lima, que nos divulga a criação de uma nova territorialidade, através da publicação do mapa inspirador “Do Côa a Siega Verde, a arte da luz” em que eu, levemente, também participei. Intitulou este seu texto, “Entre o Côa e o Douro Internacional”.
No item “Por terras de Foz Côa”, outro Arqueólogo, A. Martinho Baptista, este especializado em arte rupestre, através do texto “Eu projecto, tu projectas… O Parque Arqueológico e o Museu do Côa”, no qual põe os seus conhecimentos desses dossiês ao nosso dispor.
Das “Terras Barrosãs”, quem melhor que António Lourenço Fontes e Barroso da Fonte, poderia dizer? “Uma região com identidade transmontana” e “Casa de Bragança – 600 anos ao serviço de Portugal”, são os títulos com que nos obsequiaram.
E chega a vez das nossas “Terras de Miranda”, onde três mirandeses dissertam sobre a História, a Lei da lhéngua mirandesa e várias histórias, nesse idioma vernáculo com o qual todos nos identificamos apesar de poucos o dominarem. Será que o facto de o terem baptizado de “mirandês” não dificulta a sua assunção por parte de todos os transmontanos? Afinal ela encerra em si uma cultura à qual todos nós pertencemos, incluindo os do território para lá da fronteira política, por se tratar, nada mais nada menos, que do llionés.
Está bom de ver que falamos dos irmãos Amadeu e Carlos Ferreira e de Júlio Meirinhos, lídimos representantes desses falantes, apesar de outros haver.
Bem gostaria de me demorar nestes fólios, mas a noite avança.
Em “Reminiscência”, Donzília Martins com “O relógio da saudade” e outras histórias, e, Virgílio Gomes, com “Saudades”.
A “Arte” entregue ao Mestre Nadir Afonso com, “O trabalho artístico mediante a meditação perseverante”, onde afirma: “existem na natureza, dois tipos de atributos: as qualidades e as quantidades. As quantidades sempre existiram à superfície do planeta; são atributos universais, intrínsecas das formas, ao passo que as qualidades surgem com o aparecimento do homem e suas funções e formam propriedades regionais dependentes das diferentes raças”.
Segue-se-lhe Eugénio Cavalheiro com, “A representação pictórica da Visitação do séc. XV ao séc. XVII, alguns exemplos”.
Da “Música” se encarregaram José Neves através d’”O paradigma da nossa identidade cultural”, Paulo Preto, da “Música nas terras de Miranda do Douro. Galandum Galundaina” e, o portuguesinho mais bonito do Brasiu, no dizer de um apresentador televisivo daquele país nosso irmão, Roberto Leal, com “A música na minha vida… “.
Na “Museologia”, Nelson Campos, com “O museu como espaço de investigação e instrumento de comunicação – reflexões a partir do caso do Museu do Ferro & da Região de Moncorvo”, o qual ajudei a criar.
Urros - Bragança |
Sobre a “Ciência”, se encarregou a veterinária Maria dos Anjos Pires, com “CSI UTAD: investigando causas de morte” e, Paula Seixas Arnaldo, através d‘”Os mistérios da Borboleta Azul”.
A “Gastronomia”, foi deixada ao cuidado de José António Silva que tratou a “Confraria dos Vinhos Transmontanos” e, Jorge Lage, a defender a utilização da castanha na panificação e pastelaria, com o seu “Marron Glacé a castanha divinizada”,
Na área da “Crítica Social”, os responsáveis pela publicação deste livro, imbuídos do espírito democrático, deram voz a Manuel António Pires Brás, alguém muito descontente com (alguns excessos d)a Revolução de Abril, cujos sentimentos plasmou nas suas “Histórias Nordestinas”.
Sílvio Teixeira, servindo-se da poesia, desanca, nos “Políticos contemporâneos”, pela descrença que imprimem no âmago dos eleitores.
E, depois, o quinhão merecido por “Lagoaça”.
Subordinados a este tema, ou sob a epígrafe de “Testemunhos”, seguem-se 22 textos (ou outra forma de expressão, como a leitura paleográfica da carta de foro, a musical, o desenho, a fotografia). Um cento de páginas lhe são dedicadas, com toda a justiça!
Mas não pensemos que só terão interesse para os lagoaceiros, pois aí encontraremos textos de ilustres Antónios, como Pires Cabral (que evoca Augusto Moreno), Almeida Santos (que conta como se tornou filho adoptivo de Lagoaça), Pimenta de Castro, Júlio Andrade (ambos à volta com os “marranos”), Armando Palavras (que aborda os “Aspectos de religiosidade periférica nos séculos XVII e XVIII”), Hirondino Isaías, um longo e bonito registo da carrazedense Otília Lage, entre vários outros colaboradores e colaborações dos/das quais já não poderei dar notícia.
A não ser de Adelaide Neto, que encerra o livro, dando-nos conta que um dia foi à Festa da Senhora das Graças, “bebeu auga da fonte” e, ficou devota da santa, da terra e dum lagoaceiro, por sinal o patrocinador desta Obra.
Não olvidando que ela (a Obra) contém nas últimas páginas, sínteses biobibliográficas dos autores intervenientes. E até o nome dos presidentes de Câmara Municipal do território envolvido no projecto.
Alguns bem pouco merecedores, diga-se em abono da verdade, como é o caso do da Torre de Moncorvo, que dela publicamente desdenhou.
BEM-HAJAM por me terem aturado!
Centro Cultural Municipal Adriano Moreira | Biblioteca Municipal, programa “Artes e Livros”, org. Câmara Municipal de Bragança e Academia de Letras de Trás-os-Montes, Bragança, 06.VI.2012, 21h30.
Carlos d’Abreu
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