Virgilio Gomes |
Não é minha intenção alterar a linha de crónicas a que me habituei a escrever. Acontece que surgem fontes de inspiração que parece sugerirem uma mudança de assunto. Todas as crónicas vão até aos produtos alimentares e à alimentação. Naturalmente terei que explicar quem é OXÓSSI, ou o que ele representa. E ainda como me leva aos alimentos. Possivelmente ainda se lembram de uma crónica que escrevi sobre “Carnaval e Maracatus”. Pois aí começou…!
Devo começar por esclarecer que tenho o maior respeito pelas atitudes individuais e crenças, ou fé, de cada um. O que me move a escrever sobre assuntos relacionados com religiões tem a ver com ligações que esses assuntos tenham a ver com alimentos, e naturalmente assuntos associados a curiosidades pessoais. Também reconheço que não há religiões superiores ou inferiores. Não interfiro em questões de fé.
A Cultura africana sempre me despertou muitos interesses. Talvez porque sempre associada a sons e musicalidades que aprecio. O ritmo muito marcante de bombos e metais entram facilmente no ouvido e parece criar impulsos automáticos no organismo que nos levam a “abanar”. Esta sensação senti sempre em viagens a Marrocos. E lembro-me sempre de uns sons que sentia ao longe na Guiné-Bissau, mas nesse tempo não me aproximava. Eram rituais que parecia não me estarem acessíveis. Vim descobrir estes sons, primeiro na Bahia, depois no Ceará.
Para entender o final da estória, é importante conhecer como se desenvolveram as religiões do Brasil. Inicialmente a Igreja Católica e a Coroa Portuguesa estabeleceram acordos que obrigava os novos escravos, índios caboclos ou africanos, a serem batizados no prazo máximo de cinco anos. Como se tratava de mão-de-obra fundamental para o desenvolvimento económico do Brasil, era dada alguma tolerância, e consentimento, para a coexistência de rituais associados às religiões das suas origens. Ora, tratando-se de religiões associadas a situações de transe, de sacrifício animal e de culto dos espíritos, eram consideradas de magia negra, bruxaria, curandeirismo e de charlatanismo, superstição de gente ignorante, práticas diabólicas e formas atrasadas de cultura, situações que deram azáfama em Autos de Visitação do Santo Ofício da Inquisição. Mas o Brasil era muito grande, e com uma miscigenação cultural já muito adiantada. Surge-nos então um campo religioso muito rico e muito diversificado, e tolerado em certos capítulos. Por isso nos surgem sincretismos que associam Orixás a Santos da Igreja Católica.
O que é um Orixá? Segundo Luis da Câmara Cascudo: “Orixá – Divindades da religião iorunbana, intermediárias entre os devotos e a suprema divindade, inacessível às súplicas humanas. Simbolizam forças naturais, e é lógico que suas atribuições sejam confundidas no entusiasmo dos fiéis.” O Orixá sobre o qual vou escrever é OXÓSSI. Ainda do mesmo autor: “OXÓSSI – Orixá da caça e dos caçadores. De certo modo é a égide da mata, afastando seus misteriosos pavores.”
Oxóssi no Maracatu Rei de Paus,
Fortaleza 2011
|
No século XIX há escritores viajantes que se referem à variedade de rituais religiosos afro-brasileiros, associados a festas, danças e procissões. Como havia restrições a estas práticas, não há muitos registos escritos e a tradição transmitia-se de forma oral. E o “terreiros”, locais de culto e rituais, são autónomos. Estas religiões não têm um registo de orientação como a Bíblia ou o Corão. Cada responsável de “terreiro” é a autoridade máxima, tem poder absoluto, e é o líder da sua comunidade. Não há, portanto, uma hierarquia ou estrutura organizada para além daquele local. Segundo Raul Lody “…a comida ganha dimensão valorativa, sendo estendido o alimento ao corpo e também do espírito. Comer, nos terreiros, é estabelecer vínculos e processos de comunicação entre homens, deuses, antepassados e natureza… Comer equivale a viver, a manter, a ter, a preservar, a iniciar, a comunicar, a reforçar memórias individuais e coletivas.”
Voltemos a OXÓSSI. Na minha busca de informação e esclarecimento sobre ações ou termos, e com a curiosidade que me é habitual descobri que, pela minha data de nascimento, teria OXÓSSI como protetor. Aí a minha curiosidade aumentou! E registei algumas informações, longe de ser um estudo completo. Como já referi atrás, OXÓSSI, é orixá da mata, da qual obtém sustento para si e para a sua tribo. Por isso, e pela arte de caçar, na sua simbologia encontramos arco e flecha, e outros artefactos de caçador, e também um rabo de boi, símbolo de autoridade superior. A sua cor é o verde. Quanto aos animais votivos principais estão o galo e o carneiro. O prato confecionado predileto é o “achochô” que, segundo Roger Bastide, é uma preparação à base de milho. Nos sincretismos, já atrás citados, OXÓSSI é paralelo de São Jorge, na Bahia, possivelmente por este santo ser um caçador de dragões, e no Rio de Janeiro é associado a São Sebastião provavelmente por este ter cravejado no corpo, por martírio, várias flechas. Consta ainda que é associado a São Miguel, em Pernanbuco, por este santo ser um caçador de demónios.
Os produtos de oferenda alimentar são muitas vezes o “feijão fradinho”, o “milho” e o “coco”. Curiosamente encontrei um trabalho publicado por Deusa Costa Barcellos, intitulado “A Cozinha Alternativa dos Orixás”, que explica o que se deve ofertar a OXÓSSI de acordo com o pedido que se pretende. Não pensem agora, os não crentes, começar a brincar à culinária de terreiro. Estas oferendas são destinadas a quem tem fé, ou apenas como informação cultural. Assim OXÓSSI tem predileção por vegetais: “araçá, alecrim-do-campo, manjericão, saião, alface lisa, pitangueira, arnica e espinheira-santa.” Quanto a Verduras e Legumes, a sua escolhe será: “abóbora, moranga, chuchu, cenoura, vagem, batata-doce, batata-inglesa, inhame e ervilha.” Ainda da mesma autora encontrará receitas, com dedicação a OXÓSSI, para uma “Oferenda para prosperidade e união da família”, uma receita com amendoim, coco, açúcar, azeite, moedas correntes e favas. Já para uma “Oferenda para ter boa saúde e resolver problemas”, a receita tem como ingredientes bananas, maçã, uvas verdes, mamão, melão, milho e uma vela de sete dias. Para uma “Oferenda… pedindo abertura de caminhos e para manter a casa bem abastecida”: melancia, milho, bananas, mamão, uva verde, maçã e açúcar. Para uma “Oferenda para saúde física e financeira” o receita é constituída por: espinafres, cebola, azeite, farinha de trigo, leite de vaca e vinho branco. Uma especial “Oferenda para conseguir emprego”, necessita: espinafres, camarão, gengibre, milho, azeite e vinho branco. As receitas terminam com uma “Oferenda para vencer uma grande dificuldade” que obriga a: peito de galinha, ovos de codorna, óleo de dendê e uma flecha pequena de bambu.
Muito mais haveria para escrever. Espero que tenha contribuído para despertar curiosidades e para alguns olharem com mais respeito para estas questões de religião e cultura.
© Virgílio Nogueiro Gomes
atualizado em Domingo, 15 Janeiro 2012 12:26
Copyright © 2008 Virgílio Nogueiro Gomes - Todos os direitos reservados.
Desenvolvimento e manutenção: Jorge Borges
Sem comentários:
Enviar um comentário