Na passada Segunda Feira (19-9-XI), o programa Prós e Contras de Fátima Campos Ferreira, dedicou um programa à Terra e ao Mar. Nem de propósito, o Professor Adriano Moreira, havia colaborado na colectânea Trás-os-Montes e Alto Douro, Mosaico de Ciência e Cultura, com um texto intitulado Voltar à Terra e ao Mar, que nos foi enviado em Novembro de 2010, mas apenas publicado em Junho de 2011. A coincidência do tema leva-nos, hoje, a publicar esse texto.
E assim faremos (ainda nesta semana) com a colaboração do Professor António Barreto que, de forma semelhante, aborda o tema com um conjunto de cinco fotografias sobre o Douro.
Adriano Moreira |
Armando Mansilha, Douro Vinhateiro |
As páginas que escrevo, para a colectânea de autores transmontanos, situam-se numa data em que a crise financeira e económica mundial atinge todos os países, mas certamente com maior sacrifício dos mais pequenos em dimensão territorial, populacional, e recursos não renováveis.
Foi sempre uma necessidade portuguesa, a partir da independência, ter um apoio externo, que na fundação do Reino foi a Santa Sé, depois a aliança inglesa ao longo de séculos, e finalmente a União Europeia.
Embora esta União Europeia tenha sido uma opção sem outra escolha, o evidente é que mudou profundamente as circunstâncias do país, muitas delas positivas. A circulação entre as regiões tornou-se mais fluente, o acesso geral aos meios de comunicação mais fácil, a sociedade da informação e do conhecimento acentuou-se, o acesso ao ensino de todos os graus alargou-se, a modernização, começando pela europeização, é um facto.
Manuel Monteiro, O Douro, 1911 |
Mas também se verificaram factos extremamente preocupantes e negativos, a começar pelo enfraquecimento, em vias de extinção, do verdadeiro quarto império nacional que se traduziu na emigração que, com as suas remessas, ampararam as debilidades financeiras do Estado, embora convertendo frequentemente as mulheres em viúvas de homens vivos, mas também colunas de sustentação dos usos e costumes, da família, da gestão do pequeno património, dos valores que dão consistência à identidade.
Manuel Monteiro, O Douro, 1911 |
O relativismo que invadiu a União, e de modo geral todo o Ocidente, não deixou de reflectir-se em todos os países que aderiram ao projecto de unidade europeia, as circunstâncias financeiras, com expressão na moeda única, debilitaram as remessas, a brutal crise financeira e económica acentuou a emigração dos quadros, e não da mão-de-obra não qualificada, dando origem a uma sangria que não será superada em poucos anos. Talvez uma das maiores ameaças para o crescimento sustentado de um país seja ter o técnico, necessitar do técnico, mas não ter emprego para o técnico.
As circunstâncias apontaram à mão-de-obra não qualificada a emigração para a orla marítima e para as cidades, a agricultura viu abandonados os campos à medida que as aldeias se despovoaram, o vasto mar de soberania via desaparecer a frota, e a plataforma continental, onde se encontra uma riqueza promissora de grande vulto, não preocupa os programas políticos partidários. Octávio Lixa Felgueiras, O Barco Poveiro |
Vão ser longos os anos de sacrifícios a exigir à população que decidiu ficar, ou não pôde partir, tendo sido esquecido um velho conceito de governos prudentes e atentos, que era o de promover e defender um conceito estratégico de reserva alimentar. Não se trata de conseguir sustentar com recursos próprios todos os que vivem na terra portuguesa, mas trata-se de tirar da terra e do mar os recursos possíveis que tornem menos severa a dependência do estrangeiro, e menos dolorosas as carências que derivam de não se poder gastar mais do que aquilo que se tem.
Octávio Lixa Felgueiras, O Barco Poveiro |
O regresso à terra e ao mar são imperativos das agressões que as crises económicas trouxeram à estabilidade e aos sonhos da geração abrangida pela ilusão das sociedades europeias de crescimento sustentado, afluentes e consumistas, e também são imperativos do património imaterial que deu identidade às gentes de um Estado que se lançou a longe com as navegações, mas que, pela lei da reflexividade que o atinge, precisa de retomar os cuidados e actividades que asseguraram, ao longo dos séculos, a capacidade de a retaguarda ser preservada, defendida, e fortalecida, para que as promessas de futuro reganhem vigor, confiança, e viabilidade. Trás-os-Montes, que sempre pertenceu ao Reino, é uma reserva essencial.
ADRIANO MOREIRA
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