terça-feira, 27 de setembro de 2011

Divagações - Á Flor da Alma e do Mar (Donzilia Martins)

No passado dia 25 de Setembro, foi apresentado, por Barroso da Fonte, em Guimarães, o livro Divagações - Á Flor da Alma e do Mar, de Donzilia Martins, escritora natural de Murça (Trás-os-Montes).
Aqui deixamos expressa a apresentação da própria autora, no primeiro evento de promoção cultural da obra.

                                                            
Apresentação[1]

Olá!
Quem sou? A palavra. Um pouco de tudo com a alma dentro. Uma espécie de crónica/diário em homenagem a este mar da Póvoa, a esta luz.
Serei ainda a voz do mar de vastas águas?
O sonho do menino? A vontade do Divino?
Talvez só mar, o poder do infinito, a flor da areia com passarinhos debicando sonhos, maresia e coisas saídas do coração.
Sou essa concha de tudo e nada concebido no mar da Póvoa de Varzim no verão de 2007, sonhado, desde a 1ª vez que ela viu o mar, estendeu a mão e beijou a praia.
Sou feito de moléculas de areia, praia, mar, céu, águas azuis, sal e tiras de algas verdes
debruadas com amor. Quando junto os ingredientes, expludo vida.
Trago as mãos cheias de vento e tenho o condão de por vezes incomodar.
Na fronte, um ramo de oliveira em grinalda de paz.
Prenhe de sentimentos, rasgo caminhos, ergo pontes para fazer ligação às margens, vivo de sonhos, muitos sonhos a apertar mãos em laços.
Vivi este tempo todo (muito, para quem sonha nascer), dentro duma pasta, em cima de uma secretária, à espera de ver o mar e a terra donde vim.

Donzilia Martins

De vez em quando entreabriam o meu invólucro sagrado e a claridade da manhã enchia-me de esperança, e, quase floria! Apetecia-me fugir do escuro apertado das folhas, pintá-las de branco e desfraldá-las à maresia do mar e ao cheiro da terra molhada.
E o mimo?! O carinho com que fui amaciado entre os dedos?!
E o olhar?! Aquele olhar doce e terno estendido nas palavras a respirar luz?!
As minhas personagens têm vida própria. Posso fazer chorar e rir, mas o que eu quero é fazer pensar. Sou feito de pedacinhos semeados ao acaso de quem passa, de quem vive e chora, de quem ama o sol a areia e o mar. O mar da Póvoa! A elite das praias dos ricos transmontanos da minha infância de que tanto ouvia falar. Hoje é minha. Posso tocá-la a cada hora. No meu corpo fervem ainda pedaços de alma, de carinhos, trazidos das montanhas, apertados na mão, e que ela abriu quando tocou a água.
A ligar-me aos homens tenho um fio condutor que, de tanto amor, nem vos sei falar.

A personagem, criança, é retrato, que pode ser de todas as crianças doridas espalhadas pelo mundo, que desejava fossem felizes e crescessem até apanharem estrelas.
Ler nos olhos do Pedro a alma de todas as crianças do mundo, vasculhar os medos e segredos, abrir-lhe sorrisos, insuflar-lhe esperança, cantar-lhe poesia em sonhos de embalar, era quanto queria para ser feliz.

Barroso da Fonte

Por vezes nas deambulações que fiz pareço esquecer, a criança que vive em cada página e no coração da mulher que me gerou. Mas não. Ela vive nas entrelinhas, nos espaços em branco no ar que se respira, no céu azul, no areal dourado desta Póvoa maravilhosa cheia de luz, no mar à noite com estrada de luar, na maresia, no perfume do vento, no pólen da flor da areia, no poente escarlate pousado na sua janela, na página por escrever, no cântico do mar, em todas as palavras.
O meu maior desejo é florescer, para poder sentar-me no colo do Pedro a contar histórias de meninos felizes.
Gostaria que o leitor visualizasse as minhas páginas sempre com o mar ao fundo e as coisas correndo no espaço e no tempo.
O Pedro já cresceu, mas continua doce, puro, verdadeiro, leal, amigo, passarinho saltitante pela areia, gaivota atrás do barco, céu espelhando o mar, a voz da avó, o menino solto a correr pela dunas baixas, a florir, a semear delícias no olhar.
O meu abraço impalpável, feito anjo a esvoaçar, corre pelo mundo do sonho num ósculo sagrado a minimizar a dor das crianças que sofrem, as pequenas e as maiores, que vivem de solidão. Queria entrar no coração dos meninos dos Sete aos setenta e sete, para fazer todos felizes.
Quem dera que esta gota de oceano fosse uma lágrima de sol a adoçar o lago do mar de que são feitos os olhos dos “Pedros”, pequenos e grandes, que não foram meninos.
Para isso, só preciso nascer, alcançar o sonho e voar.

Donzília Martins - Abril 2011


[1] Posfácio
Não me sentiria bem comigo própria se não dirigisse uma palavra de agradecimento a todos os que entraram comigo neste pedaço de mar da linda cidade da Póvoa de Varzim.
Escritos com ternura, com a alma aberta tal qual sou, são um retrato fiel dos passos, dos sonhos vividos “À flor da Areia na Espuma das Horas”. Aliás era este o seu 1º título.
Coincidência ou não, foi na Póvoa que vi o mar pela 1ª vez em 1960, integrada num passeio do Colégio M. de S. José de Vila Real, onde estudava.
A freira, Irmã Nélia, professora de francês, que era natural de Vila do Conde, sabendo que eu nunca tinha visto o mar chamou-me para a frente “com o mar à vista”.
Fui a 1ª a saltar para o chão, correr de mão aberta que espalmei na água salgada, metendo toda aquela vastidão no olhar, na boca e na alma. Desde então, jamais saiu.
Anos mais tarde, já professora, vim com a prima Estelita, mãe do famoso escritor João Paulo Borges Coelho, passar férias. Foi então que o encanto se materializou no desejo de um dia poder cada manhã, olhar este caramanchão florido de águas azuis e verdes. O sonho realizou-se.
Hoje posso beber todo o mar, escutar-lhe a voz, acrescentar estrelas às que à noite vagueiam nas ondas, estender uma estrada de luar e admirar nas noites tenebrosas o belo horrível das línguas de fogo a esquartejar o mar.
Depois cresceu o sonho de querer repartir com os outros, esta magia das palavras, estes pedaços de amor. Gostaria de decifrar os códigos, interpretar as coisas que acontecem, estender as imagens nos sons das palavras que não sei dizer.
Porém, isto que vos dou, é o que tenho para vos dar. Pode não ser importante para vós, mas é importante para mim. E, como gosto de partilhar o que me dá prazer, aqui o tendes todo vosso, carregado de afectos. Esta luta de querer dizer, faz parte do meu crescimento. Todo o homem precisa de criar histórias para ser feliz.
Criei uma forte relação de amizade, alegria e bem-estar com esta linda cidade. Merecia pois a minha vénia.
É por isso que quero repartir com ela e convosco os meus sonhos de Verão.

Obrigada.

A autora: Donzilia Martins

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