Dom José de Bragança (Arquivo do Millenium BCP),
in: MONTEIRO, Nuno Gonçalo; COSTA, Fernando Dores,
D. João Carlos de Bragança 2º Duque
de Lafões, Ed. INAPA, 2006, p. 33.
|
As vigilâncias ou visitações na diocese de Braga eram problemáticas. Por um lado, porque era extensa, por outro, as vias de comunicação não eram as melhores. Disso se queixava o arcebispo Dom José ao Rei[1]. Ora era a esta diocese que pertencia a também extensa província transmontana, constituída por inúmeras povoações. Daí as dificuldades de, com regularidade, ser visitada pelo próprio arcebispo. Para as colmatar, eram então as três comarcas transmontanas, sob a jurisdição de Braga, visitadas regularmente por três visitadores. Uma dessas visitações era mesmo controlada pelo Cabido. Eram ainda escolhidos dez eclesiásticos e seis Vigários Gerais, para directamente inspeccionarem as actividades dos párocos, tanto no aspecto espiritual como no aspecto temporal[2]. Nestas visitações, sobressaíam as acções directamente relacionadas com os templos religiosos. Com a sua edificação ou com a sua restauração e manutenção[3].
A edificação de igrejas ou de outro qualquer edifício de culto exigia a autorização especial do bispo, a quem, futuramente, pagariam sensoria. Entre 1682 e 1694, algumas igrejas de Penaguião pagavam ao bispo do Porto, uma certa quantia em cera e censos: Sedielos – 673 reis; Fontes – 476 reis; Medrões- 310 reis; Santo André de Melim – 280 reis; Cever – 250 reis; São Miguel de Lobrigos – 300 reis; São João de Lobrigos – 370 reis; Loureiro – 380 reis; Fontelas – 370 reis; Oliveira – 56 reis; Régua – 560 reis[4].
Amarante |
Para além das igrejas, os visitadores tinham ainda o cuidado de exercer vigilância sobre as capelas ou ermidas.
O visitador era, geralmente, acompanhado pelo pároco confirmado, pelo rendeiro, e por outras pessoas da freguesia, normalmente os eleitos da irmandade ou confraria, que assinavam como testemunhas os capítulos da visitação. Na sua longa deslocação, por vezes de vários meses, era acompanhado por criados. À falta de testemunhas locais, assinavam os criados[5].
Vila Real |
O visitador, como emissário do bispo, tinha plenos poderes para julgar todas as irregularidades[6]. Algumas vezes exerceram coação através de multas, por não ter sido cumprido o exposto em visitações anteriores
Porém, estas visitações, como já se disse, de tempos a tempos, eram realizadas pelo próprio bispo da Diocese[7]. Neste caso, como estas igrejas pertenciam ao arcebispado de Braga, o próprio Arcebispo se deslocava, por vezes, pelo seu extenso território. Assim aconteceu entre 1746-1750 aquando da visita do Arcebispo de Braga, Dom José de Bragança, à região transmontana. Traduzida num acontecimento político-religioso, a todos os níveis, como veremos.
Murça |
Estas deslocações dos Arcebispos são registadas em documento anterior[8]. Nele se mencionam as visitações dos vários arcebispos à província transmontana: o venerável Dom Frei Bartolomeu, São Geraldo, Dom Rodrigues de Moura, Dom Gaspar e Dom José.
Por motivos bem distintos dos apontados pelo seu biógrafo, segundo o documento em análise, o Arcebispo de Braga, Dom José de Bragança, entre 1746 e 1750, visitou o seu arcebispado como era costume de tempos a tempos, devido à extensão do mesmo[9]. E essa extensão é bem notória no tempo que a mesma levou: quatro anos.
Chaves |
O arcebispo acatou a ordem a que fazemos eco em nota deste capítulo. Enviada a mando do rei seu irmão, Dom João V, em carta da lavra de Alexandre de Gusmão. As causas, contudo, como mostra o documento, para além de outras, acrescenta-se, teriam origem na “ambição e maldade” do seu Estribeiro João Lobo e dos seus Ministros. Há, por assim dizer, nesta carta, a intenção de desresponsabilizar o arcebispo, ou pelo menos, de o não melindrar[10].
Pelas razões apontadas no documento, o Arcebispo de Braga saiu de Braga a 10 de Dezembro de 1746 acompanhado pela mais alta nobreza da cidade. O cortejo pomposo, digno de um príncipe da igreja, começou a jornada de domínio tão vasto, transferindo a corte episcopal para Guimarães. Aí esteve dois anos, onde, além de comprar algumas casas, mandou que se fizessem várias obras. Daí, seguiu para Vila Real, passando por Amarante, no ano de 1748.
Dom José de Bragança foi um Arcebispo esclarecido e pragmático, preocupado, não apenas com o estado de degradação dos templos, mas também com a gestão das finanças da Igreja. No seu apostolado foram edificadas obras emblemáticas como o seu palácio no centro da cidade de Braga, mas também grandes santuários e até pequenas capelas. Foi ele, nesta visita à província, que mandou restaurar uma pequena capela, cujo padroeiro era Santiago, no campo do Tabolado em Vila Real[11]. O documento em estudo é claro. Em Guimarães “… vizitou as Igrejas, e procedeo a devassa. No Terreiro da Mizericordia comprou cazas, as quaes mandou ampliar, e concertar”, restaurando-as para nelas morar. Em Vila Real, “…o mesmo Senhor era muito Operário”. Mandou desfazer uma estrada que ia do convento das religiosas até ao couto de Lordelo. O cronista relata o quão notável foi esta decisão. Mandou ainda, enquanto esteve na cidade, aumentar o recolhimento de Nossa Senhora das Dores. Em Murça, enquanto esteve na vila, um número enorme de oficiais de todos os ofícios laboraram nas obras do convento das freiras, e visitou pessoalmente as igrejas situadas em redor de duas léguas. E em Chaves reformou os muros das Capuchas, fazendo-lhe um grandioso claustro. Mandou ainda fazer o aljube da vila e visitou as igrejas num perímetro de três léguas.
Armando Palavras
in: PALAVRAS, Armando, Os tectos durienses: a iconografia religiosa setecentista nas pinturas dos templos da região demarcada (Tese de Doutoramento em História - Área cientifica: História da Arte, com orientação do Professor Doutor Luís Manuel Aguiar de Morais Teixeira e co-orientação da Professora Doutora Isabel Mayer Godinho Mendonça), Universidade Lusíada de Lisboa, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, 2011.
[1] Tese de Doutoramento, (Dispersos - 5)
[2]Tese de Doutoramento, (Dispersos - 6)
[3] Mas não só. Incluíam preocupações ao nível das alfaias religiosas e dos paramentos. Eram preocupações antigas como o demonstram outras visitações como as realizadas em Palmela e Panoias (Ordem de Santiago) no século XVI (Cf. Documentos para a História da Arte em Portugal –II, ( Orientação, LINO, Raul, SILVEIRA, Luís, MARQUES, A.H. de Oliveira) A.N.T.T, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1972.
[4] Tese de Doutoramento, (Dispersos - 4). Nas igrejas do bispado de Lamego, os visitadores eram obrigados a mandar reformar e reedificar, com a brevidade possível, as igrejas que estivessem em estado de degradação adiantado, com os seus próprios frutos. Competia-lhes responsabilizar a quem pertencessem os frutos, fossem Abades Beneficiados, Mosteiros, Colégios ou comunidades, pelas obras necessárias. Se estas fossem de pedraria ou carpintaria, era aos visitadores que competia colocar escritos nas portas das igrejas onde houvesse oficiais de carpinteiros ou pedreiros para que se fizessem lanços (Constituições Sinodais Liv. IV, tit., cap. 2 § 2).
Deste modo, à Universidade competia, nas igrejas do seu padroado, seguindo as recomendações das Constituições Sinodais do bispado de Lamego, conservar a capela-mor, reedificá-la se necessário, e metade do arco cruzeiro, com os frutos da Matriz. E nesta conservação, para além de obras de pedraria nas paredes, ou de carpintaria no tecto, incluíam-se os ornamentos, retábulos e imagens. A outra metade do arco cruzeiro e o corpo do templo eram da obrigação dos fregueses, normalmente agrupados em irmandades e confrarias (Cap. VI, VII, VIII). Mas nem sempre foi assim. Em casos específicos como na igreja de Segões (Cf. Cap. VI), os moradores juntaram uma colecta para realizarem as obras que, de direito, pertenciam à Universidade: as da capela-mor e as da sacristia. O mesmo aconteceu em Sebadelhe, em São João Baptista do Castedo em 1715, em Santa Águeda de Carlão em 1717 e 1734 e em São Tiago de Vila Chã em 1723 (C.f, Cap.VI).
[5] Tese de Doutoramento, (Visitações -1).
[6] As visitas pastorais estavam sujeitas a regulamentos que impunham certas prescrições e determinados pontos de sindicância para evitarem os abusos que as podiam desacreditar e para lhes conferir a dignidade e seriedade de que deviam revestir-se. A tal propósito, cf. SOARES, António Franquelim Neiva, A Arquidiocese de Braga no século XVIII (texto policopiado, diss. Doutoramento), VolI, Braga, 1993, cap. II. O autor faz referência aos ministros que as deviam executar, ao séquito que devia acompanhar o visitador, aos dias em que esta se devia realizar, aos lugares que deviam ser visitados. Elabora ainda uma resenha histórica sobre esses regimentos.
[7]Tese de Doutoramento, (Dispersos - 16).
[8] Tese de Doutoramento, (Cap. II).
[9] As razões que se apontam para esta súbita saída de Dom José prendem-se com o tacto político do arcebispo. Afirma-se que Dom José teria entrado em choque com o cabido bracarense. Recusou-se, por exemplo a assistir ao concerto em sua honra, passando a exigir, de imediato, contas das rendas da Mitra aos cónegos que, durante 13 anos tinham controlado o governo da Sé, após a morte, em 1728, do anterior arcebispo Dom Rodrigo de Moura Teles, mandando prender, na Semana Santa, 17 dos 19 cónegos do Cabido da Sé. Estes, movimentando influências em Lisboa, fizeram cair o arcebispo em desgraça, embora sendo irmão do rei. E de Lisboa surgiu então, a ordem para o arcebispo abandonar a cidade, numa distância de três léguas, com o pretexto de visitar várias terras da diocese. O ultimato era drástico, pois tinha oito dias para acatar a ordem, como nos diz o seu biógrafo Monsenhor José Augusto Ferreira (1932). Mas devia fazê-lo de maneira que a sua ausência não parecesse uma repreensão (Fastos episcopaes da igreja primacial de Braga, Vol III, p. 308). Dom José, contudo, embora acatando a ordem, apenas a cumpriu passados dois meses.
[10] Sublinhe-se que, como refere Eduardo Pires de Oliveira (2003), havia chegado a Braga em 23 de Julho de 1741, a mando de seu irmão, o rei Dom João V. Precisamente para impor um pouco de ordem nas contas do Cabido, na medida em que, apesar de ser proprietário de cerca de 64% das casas da cidade e de um enorme número de outros bens, as indicações eram de não ter dinheiro nenhum (Os Alvores do Rococó em Guimarães, Ed. APPACDM Distrital de Braga, p. 17).
[11] PEREIRA, Ana Maria de Sousa, A capela de Santiago do Campo do Tabolado, em Vila Real, nos meados do século XVIII, Revista Estudos Transmontanos e Durienses, nº 11, 2004, ADVR, Vila Real, pp.219-228
Sem comentários:
Enviar um comentário