sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A Diogneto – uma descoberta insólita


A Diogneto é, segundo I.M. Sailer, referido por H.I. Marrou, uma “pérola da apologética do século II”, diremos mesmo como H. Semisch, “uma jóia da antiguidade cristã”. Este pequeno texto, fragmento precioso da primitiva experiência cristã no diálogo da Igreja com a cultura circunstante, tem merecido a atenção por parte dos estudiosos do cristianismo antigo. Se uns acentuam o seu carácter apologético e polémico, outros preferem a sua intencionalidade protréptica, missionária e catequética. Um terceiro grupo, prefere sublinhar o seu valor pedagógico e cultural[1].
Na verdade, outros documentos cristãos antigos, não têm merecido a atenção deste pequeno texto, nem conservam a sua actualidade. A Diogneto é citado nos documentos do Vaticano II[2].
Esta sua recente popularidade contrasta, no entanto, com a sua omissão na Antiguidade. Nenhum escritor antigo o refere, sendo mesmo ignorado pelos informadores habituais, como Eusébio, Jerónimo ou Fócio.
A sua descoberta, porém, foi algo insólita. Vejamos como tudo se passou. Decorria o ano de 1436. Tomáz de Arezo, um jovem religioso italiano, foi estudar grego para Constantinopla. Uma certa sexta-feira, deslocou-se, como era seu costume, ao mercado para comprar peixe, a fim de preparar uma refeição segundo os preceitos cristãos. Qual não foi o seu espanto, quando, ao desembrulhar a mercadoria, se deparou com folhas escritas em grego. Com uma grossa tinta negra, e as iniciais em vermelho vivo. Desatou a correr ao mercado com o intuito de encontrar mais folhas daquelas que os mercadores utilizavam para embrulhar os produtos!
Conseguiu comprar 260 páginas a troco de pouco dinheiro. Estavam em estado razoável, dado as circunstâncias. Na verdade, o que acabava de encontrar era um incomparável legado da antiguidade cristã: um conjunto de 22 escritos de carácter apologético, de diferentes proveniências e períodos.
Eram textos de Justino, Cirilo e Atanásio de Alexandria. E, tesouro dos tesouros, o Ad Diognetum.
Até aos dias de hoje é interessante o seu percurso. Caiu nas mãos de um coleccionador de Manuscritos, o cardeal João Srojkovic de Ragusa. Dele passou para o espólio dos Dominicanos e Cartuxos de Basileia. Entretanto foi adquirido pelo humanista Jean Reuchlin de Pforzheim. Em 1560 entra na abadia de Marmontier. Em 1795 transita para a Biblioteca Municipal de Strasburgo, onde permanecerá até 24 de Agosto de 1870, altura em que foi consumido por um enorme incêndio provocado pelos canhões franco prussianos.
Felizmente já haviam sido feitas várias cópias. O resto da história pode ser consultada em A Diogneto, ed. Alcalá (2001)[3].

Armando Palavras


[1] Existem numerosos artigos sobre esta questão. Principalmente italianos. Citem-se, por exemplo, I. Alfonsi (1946), Andriessen (1946), D. Grasso (1982). Ou ainda A. DEHALLEUX, Les ministères dans la Didaché, in Irénikon 53 (1980), 5-29.
[2] Dei Verbum 4; Ad Gentes 15; Lúmen Gentium 15; Sacrosanctum Concilium 65.
[3] Versão do original grego por M. Luís Marques, com notas e estudo de Isidro P. Lamelas.

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