Este texto foi uma
homenagem prestada por Constantino Sério a
Domingos Maximiano Torres, no 2º centenário da sua morte. O texto está conforme
escrito pelo autor, em trabalho mais profundo que se encontra na biblioteca da
Escola Secundária Leal da Câmara (Rio de Mouro) – Sintra. Apenas se modificaram
pormenores na forma.
Alfeno Cynthio, ou Domingos Maximiano Torres, nasceu a 6 de Fevereiro de 1748, em Rio de Mouro (Sintra).
CONSTANTINO SÉRIO Ptrofessor de português do Ensino Secundário |
Biografia
“Foram seus pais Julião Francisco Torres, guarda de
numero da Casa da India, e Joaquina Agueda Maria.
Concluidos
os estudos preparatorios passou a matricular-se na faculdade de Leis da
Universidade de Coimbra, e ahi tomou o grau de Bacharel em 1770.
Concluida a
formatura, e voltando para Lisboa, contrahiu estreita amisade com alguns poetas
ilustres d’aquelle tempo, e particularmente com Francisco Manuel do Nascimento
mantendo com este tracto mui intimo e amigável, até que a sorte os separou,
pela forçada emigração de Filinto em 1778.
Tendo
entretanto falecido seu pae, obteve e passou a occupar o logar que elle exercia
na Casa da India, consumindo no cultivo
da poesia e no estudo das bellas-letras todo o tempo
que lhe deixavam as obrigações do serviço publico.
Foi sócio
da Academia de Humanidades, convertida depois em Academia das Bellas-Letras de
Lisboa, e ahi collega de Bocage, Caldas Barbosa, Joaquim Severino, José
Agostinho, e outros.
Foi egualmente correspondente da Acad. Real
das Sciencias de Lisboa, eleito em 1798, sendo já desde alguns annos antes,
corrector ou revisor da officina typographica da mesma Academia.
Segundo o uso do tempo, havia tomado o nome
poetico de Alfeno
Cynthio, pelo qual ficou quasi tão conhecido
como pelo seu proprio.
Era, por voz
geral dos seus contemporaneos, homem timorato, inoffensivo, agradavel na
conversação, e de tracto ingenuo e familiar.
Em ideas e principios politicos partilhava os
proclamados pela revolução franceza do 1789, cujas doutrinas se lhe
affiguravam, e aos que como elle pensavam, a unica taboa de salvação possivel
para obter a regeneração moral e social dos povos.
Sobrevindo a invasão dos francezes em
Portugal em 1807, entendeu, e muitos com elle, que as cousas se encaminhavam ao
fim dos seus desejos. Manifestou imprudentemente os seus sentimentos, perante
individuos que d'ahi tiraram partido para o perseguir depois, chamando--lhe jacobino ou
afranceitado.
Levado de sua casa para as cadêas publicas,
foi ao fim de algum tempo transferido para o presidio da Trafaria, - onde as
afflicções e desgostos soffridos lhe abreviaram naturalmente a vida, falecendo
no mesmo presídio”[1].
A obra
Os seus
“Versos” são o único livro digno do nome. Mais de 300 páginas. Contém 78
sonetos, 1 madrigal, 6 éclogas, 2 cantigas, 1 canção, 10 cançonetas, várias
quintilhas. Dedica o 1º soneto A Febo, o deus da poesia. ou não se
chame Alfeno Cynthio, (Cynthio era
outro nome de Febo/Apolo porque era venerado no monte Cyntho, na ilha de Delos;
nesse monte venerava-se igualmente Diana, por isso chamada Cynthia).
Por outro lado, o poeta é da
região de Sintra (Cynthia). O 2º
dedica-o À gloriosa Assunção de Maria Santíssima S(enhora) N(ossa). Entre as
dedicatórias de outros sonetos chama-nos a atenção o facto de dedicar 13 sonetos À Senhora D. M….. D…..C…..; outros 13 À Senhora S. M… J…
Apenas um
grupo relativamente restrito identificava a pessoas pelas iniciais: recatava-se
o nome e armava-se tabu…
Tais
Senhoras eram as Mecenas. Anfitriãs de saraus literários que tinham lugar nos
salões de seus palacetes, não se limitavam a receber bem: eram elas próprias criadoras de arte.
Foi um
tempo extraordinário de manifestação da poesia no feminino.
As
cançonetas eram frequentemente musicadas.
Profundo conhecedor das línguas e
cultura clássicas, frequentava por mérito próprio os meios literários da época,
granjeando simpatia e reconhecimento.
Uma nota da pág. 218 à 220
justifica o uso do adjectivo purpurea
aplicado a alvura, com a autoridade
dos grandes escritores latinos e gregos.
Considera que “purpureus, -a, -um” significa “couza brilhante, nitida, pura, formosa, e de
cor viva, qualquer que seja.” Muito ‘alongado’ do sentido comum de tom
avermelhado… E cita Virgílio, Tibulo, Homero, Horácio.
Não só poetas: também Cícero,
Plínio….
Faz esta digressão não para
alardear os seus conhecimentos, mas para “comprazer
com os rogos de alguns amigos”.
O neoclassicismo, reagindo contra
os excessos do Barroco, corta com tudo o que é inútil (inutilia truncat), foge da cidade e da mentira que a vida social
impõe (fugere urbem), num regresso à
Natureza, à simplicidade da vida campestre, pastoril e agrícola.
E canta-se a aurea mediocritas, fugindo às imposturas da vida social
E procura-se o locus amoenus, que Alfeno Cynthio vai
buscar ao rio (de) Mouro.
Se certos poetas honraram o seu
rio (o Tejo, o Vouga, o Doiro), Alfeno
Cynthio honrou o seu Mouro ou Moir.
O idílio acontece nesse espaço
povoado de ninfas e faunos. A própria água se cala para ouvir a voz apurada do
poeta…
Para os desconhecedores, situa
geograficamente a Ribeira. E refere a espaçosa ponte sob a qual passa e que
serve a estrada que liga Lisboa a Sintra. Carlos de Os
Maias segue essa estrada, na sua deslocação a Sintra ao encontro de Maria
Eduarda.
A estrada passava mesmo pelo meio
da povoação de Rio de Mouro. De salientar que o Alfeno Cynthio é o editor dos
seus Versos.
Bocage sobressaía entre os poetas da Academia. Demolidor
quanto baste noutras alturas, agradece sensibilizado os cuidados com a sua
saúde manifestados pelos seus bons amigos
(mesmo José Agostinho de Macedo, com quem se incompatibilizara)…
Alfeno Cynthio é o primeiro a
quem Bocage agradece. Qualifica-o de querido ou caro a Febo (Apolo), a
Filinto (Elísio), ao Céu (Lísia)
e à
Fama. Reconhece-lhe profunda cultura clássica: imerso (mergulhado) na cultura
latina (Lácia Fonte) e cultura grega (Argiva).
Caro a Febo, a Filinto,
a Lísia, à Fama,
Na Lácia Fonte, e Argiva
imerso Alfeno [15],
Pelas Deusas Irmãs
fadado Ismeno [16],
Em que é Numen Razão,
Verdade é flama:
Inveja, e Glória o
néctar, e o veneno;
Filósofo Cantor, meu
doce Oleno [18],
Doce ao Sócio infeliz,
que em ais te chama!
Revolves, possessor, com
mão suprema;
E outros, que o Tejo
honrais, o Vouga, o Doiro [20];
Dai-me que o Lethes
sorvedor não tema:
Por vós comprado ao
Tempo em versos de oiro,
Cisne talvez que sói à
hora extrema.
Almeida Garrett, in Bosquejo da
História da Poesia e língua portuguesa diz:
“Muito honrosa
menção deve a historia da língua e poesia portugueza a Domingos Maximiano
Torres, cujas éclogas rivalizam com as de Quita e Gessner, cujas cançonetas
são, depois das de Cláudio Manuel da Costa, as melhores que temos. Foi este
muito intimo de Francisco Manuel, mas tenho por mui exagerados os elogios que
d’elle recebeu”.
(…) D. João V usava
os poetas como afrodisíacos; a uns fazia corregedores de bairros como a
Sottomayor, a outros pregadores régios como a Frei Simão e Frei Pedro de Sã.
Nenhum
dos devassos notáveis pediu esmola como o bacharel Domingos Maximiano Torres,
que fazia versos sérios e doutrinais.”
[1] SILVA, Innocencio Francisco da, Diccionario Bobliographico Portuguez, 1885, Tomo segundo, pp.
191-193. Estes excertos seguem a ortografia original, como a transcreveu
Constantino Sério. Todos os que se referem a Maximiano Torres se baseiam no
texto deste Dicionário.
[2] [15] O Bacharel Domingos
Maximiano Torres.
[16] João Vicente Pimentel Maldonado.
[17] Miguel António de Barros.
[18] Nuno Alvares Pereira Moniz.
[19] José Agostinho de Macedo.
[20] Hum dos que honram o Doiro é Bento
Henriques Soares, amigo do chorado João Baptista Junior (Autor da nova Castro)
amigo, como eu, daquele, cuja memória deve saudosamente viver em quanto o
Engenho, e a Moral forem dotes de preço. O glorioso ao Vouga é Francisco Joaquim
Bingre, que pelo sabor da Antiguidade, que há nas suas Poesias, e pelo estro
que as levanta, merece esta nota.
[As notas são do próprio livro “Improvisos”,
editado no ano da morte do autor (Bocage)]