sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Poetas da Orla do Rio (3) - ALFENO CYNTHIO, poeta de Rio de Mouro

Este texto foi uma homenagem prestada por Constantino Sério a Domingos Maximiano Torres, no 2º centenário da sua morte. O texto está conforme escrito pelo autor, em trabalho mais profundo que se encontra na biblioteca da Escola Secundária Leal da Câmara (Rio de Mouro) – Sintra. Apenas se modificaram pormenores na forma.

Alfeno Cynthio, ou Domingos Maximiano Torres, nasceu a 6 de Fevereiro de 1748, em Rio de Mouro (Sintra).

CONSTANTINO SÉRIO
Ptrofessor de português
do Ensino Secundário

Biografia

“Foram seus pais Julião Francisco Torres, guarda de numero da Casa da India, e Joaquina Agueda Maria.
Concluidos os estudos preparatorios passou a matricular-se na faculdade de Leis da Universidade de Coimbra, e ahi tomou o grau de Bacharel em 1770.
Concluida a formatura, e voltando para Lisboa, contrahiu estreita amisade com alguns poetas ilustres d’aquelle tempo, e particularmente com Francisco Manuel do Nascimento mantendo com este tracto mui intimo e amigável, até que a sorte os separou, pela forçada emigração de Filinto em 1778.
Tendo entretanto falecido seu pae, obteve e passou a occupar o logar que elle exercia na Casa da India, consumindo  no  cultivo  da  poesia  e no estudo das bellas-letras todo o tempo que lhe deixavam as obrigações do serviço publico.
Foi sócio da Academia de Humanidades, convertida depois em Academia das Bellas-Letras de Lisboa, e ahi collega de Bocage, Caldas Barbosa, Joaquim Severino, José Agostinho, e outros.
 Foi egualmente correspondente da Acad. Real das Sciencias de Lisboa, eleito em 1798, sendo já desde alguns annos antes, corrector ou revisor da officina typographica da mesma Academia.
Segundo o uso do tempo, havia tomado o nome poetico de Alfeno Cynthio, pelo qual ficou quasi tão conhecido como pelo seu proprio.
Era, por voz geral dos seus contemporaneos, homem timorato, inoffensivo, agradavel na conversação, e de tracto ingenuo e familiar.
 Em ideas e principios politicos partilhava os proclamados pela revolução franceza do 1789, cujas doutrinas se lhe affiguravam, e aos que como elle pensavam, a unica taboa de salvação possivel para obter a regeneração moral e social dos povos.
Sobrevindo a invasão dos francezes em Portugal em 1807, entendeu, e muitos com elle, que as cousas se encaminhavam ao fim dos seus desejos. Manifestou imprudentemente os seus sentimentos, perante individuos que d'ahi tiraram partido para o perseguir depois,  chamando--lhe jacobino ou afranceitado.
Levado de sua casa para as cadêas publicas, foi ao fim de algum tempo transferido para o presidio da Trafaria, - onde as afflicções e desgostos soffridos lhe abreviaram naturalmente a vida, falecendo no mesmo presídio”[1].              
A obra
Os seus “Versos” são o único livro digno do nome. Mais de 300 páginas. Contém 78 sonetos, 1 madrigal, 6 éclogas, 2 cantigas, 1 canção, 10 cançonetas, várias quintilhas. Dedica o 1º soneto A Febo, o deus da poesia. ou não se chame Alfeno Cynthio, (Cynthio era outro nome de Febo/Apolo porque era venerado no monte Cyntho, na ilha de Delos; nesse monte venerava-se igualmente Diana, por isso  chamada Cynthia).
Por outro lado, o poeta é da região de Sintra (Cynthia). O 2º dedica-o À gloriosa Assunção de Maria Santíssima S(enhora) N(ossa). Entre as dedicatórias de outros sonetos chama-nos a atenção o facto de dedicar 13 sonetos À Senhora D. M….. D…..C…..; outros 13 À Senhora S. M… J…
Apenas um grupo relativamente restrito identificava a pessoas pelas iniciais: recatava-se o nome e armava-se tabu…
Tais Senhoras eram as Mecenas. Anfitriãs de saraus literários que tinham lugar nos salões de seus palacetes, não se limitavam a receber bem: eram elas próprias criadoras de arte.
Foi um tempo extraordinário de manifestação da poesia no feminino.
As cançonetas eram frequentemente musicadas.
Profundo conhecedor das línguas e cultura clássicas, frequentava por mérito próprio os meios literários da época, granjeando simpatia e reconhecimento.
Uma nota da pág. 218 à 220 justifica o uso do adjectivo purpurea aplicado a alvura, com a autoridade dos grandes escritores latinos e gregos.
Considera que “purpureus, -a, -um” significa “couza brilhante, nitida, pura, formosa, e de cor viva, qualquer que seja.” Muito ‘alongado’ do sentido comum de tom avermelhado… E cita Virgílio, Tibulo, Homero, Horácio.
Não só poetas: também Cícero, Plínio….
Faz esta digressão não para alardear os seus conhecimentos, mas para “comprazer com os rogos de alguns amigos”.
O neoclassicismo, reagindo contra os excessos do Barroco, corta com tudo o que é inútil (inutilia truncat), foge da cidade e da mentira que a vida social impõe (fugere urbem), num regresso à Natureza, à simplicidade da vida campestre, pastoril e agrícola.
E canta-se a aurea mediocritas, fugindo às imposturas da vida social
E procura-se o locus amoenus, que Alfeno Cynthio vai buscar ao rio (de) Mouro.

 O “Mouro”
 Páginas 48 e 49 dos seus “Versos”, insere uma nota explicativa do nome “Mouro” que usa num dos versos.
Se certos poetas honraram o seu rio (o Tejo, o Vouga, o Doiro), Alfeno Cynthio honrou o seu Mouro ou Moir.
O idílio acontece nesse espaço povoado de ninfas e faunos. A própria água se cala para ouvir a voz apurada do poeta…
Para os desconhecedores, situa geograficamente a Ribeira. E refere a espaçosa ponte sob a qual passa e que serve a estrada que liga Lisboa a Sintra. Carlos  de Os Maias segue essa estrada, na sua deslocação a Sintra ao encontro de Maria Eduarda.
A estrada passava mesmo pelo meio da povoação de Rio de Mouro. De salientar que o Alfeno Cynthio é o editor dos seus Versos.
 O que outros disseram de Alfeno Cynthio
Bocage sobressaía entre os poetas da Academia. Demolidor quanto baste noutras alturas, agradece sensibilizado os cuidados com a sua saúde manifestados pelos seus bons amigos (mesmo José Agostinho de Macedo, com quem se incompatibilizara)…
Alfeno Cynthio é o primeiro a quem Bocage agradece. Qualifica-o de querido ou caro a Febo (Apolo), a Filinto (Elísio), ao Céu (Lísia) e à Fama. Reconhece-lhe profunda cultura clássica:  imerso (mergulhado) na cultura latina (Lácia Fonte) e cultura grega (Argiva).

 SONETO IV[2]

Caro a Febo, a Filinto, a Lísia, à Fama,
Na Lácia Fonte, e Argiva imerso Alfeno [15],
Pelas Deusas Irmãs fadado Ismeno [16],
Em que é Numen Razão, Verdade é flama: 

 Canoro Melibeu [17], por quem derrama
Inveja, e Glória o néctar, e o veneno;
Filósofo Cantor, meu doce Oleno [18],
Doce ao Sócio infeliz, que em ais te chama! 

 Elmiro [19], que de Sofia o grão Tesoiro
Revolves, possessor, com mão suprema;
E outros, que o Tejo honrais, o Vouga, o Doiro [20]; 

Dai-me que o Lethes sorvedor não tema:
Por vós comprado ao Tempo em versos de oiro,
Cisne talvez que sói à hora extrema.  

Almeida Garrett, in Bosquejo da História da Poesia e língua portuguesa diz:
“Muito honrosa menção deve a historia da língua e poesia portugueza a Domingos Maximiano Torres, cujas éclogas rivalizam com as de Quita e Gessner, cujas cançonetas são, depois das de Cláudio Manuel da Costa, as melhores que temos. Foi este muito intimo de Francisco Manuel, mas tenho por mui exagerados os elogios que d’elle recebeu”.
 E Camilo Castelo Branco, a cujo discurso não falta o vernáculo e o demolidor:
(…) D. João V usava os poetas como afrodisíacos; a uns fazia corregedores de bairros como a Sottomayor, a outros pregadores régios como a Frei Simão e Frei Pedro de Sã.
Nenhum dos devassos notáveis pediu esmola como o bacharel Domingos Maximiano Torres, que fazia versos sérios e doutrinais.”

[1] SILVA, Innocencio Francisco da, Diccionario Bobliographico Portuguez, 1885, Tomo segundo, pp. 191-193. Estes excertos seguem a ortografia original, como a transcreveu Constantino Sério. Todos os que se referem a Maximiano Torres se baseiam no texto deste Dicionário.
[2] [15] O Bacharel Domingos Maximiano Torres.
[16] João Vicente Pimentel Maldonado.
[17] Miguel António de Barros.
[18] Nuno Alvares Pereira Moniz.
[19] José Agostinho de Macedo.
[20] Hum dos que honram o Doiro é Bento Henriques Soares, amigo do chorado João Baptista Junior (Autor da nova Castro) amigo, como eu, daquele, cuja memória deve saudosamente viver em quanto o Engenho, e a Moral forem dotes de preço. O glorioso ao Vouga é Francisco Joaquim Bingre, que pelo sabor da Antiguidade, que há nas suas Poesias, e pelo estro que as levanta, merece esta nota.
[As notas são do próprio livro “Improvisos”, editado no ano da morte do autor (Bocage)]

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