segunda-feira, 13 de junho de 2011

Revisitando Adolfo Correia da Rocha

Adolfo Correia da Rocha passou à posteridade com o pseudónimo literário Miguel Torga. Nasceu a 12 de Agosto de 1907, em São Martinho de Anta (Vila Real – Trás-os-Montes) e faleceu em 17 de Janeiro de 1995. Formado em Medicina pela Universidade de Coimbra, colaborou e dirigiu várias revistas. Recebeu inúmeros prémios literários, inclusive Prémios Internacionais. A sua obra encontra-se traduzida em diversas línguas, chegando mesmo a ser proposto para Prémio Nobel. Aquele que é considerado um dos mais importantes autores portugueses contemporâneos, foi, durante muitos anos, o editor dos seus próprios livros!
A Torga voltamos de vez em quando. Hoje revisitamos o texto que enviou em Dezembro de 1996 aquando da fundação da CPLP e dois poemas enormes: Segredo e Aos Poetas (que se utilizou na borda da capa da colectânea Trás-os-Montes: Mosaico de Ciência e Cultura; uma forma de homenagear um dos nossos maiores).
Rematamos com o poema Poetas do Professor Doutor João de Castro Nunes (Arganil, 2005). Antigo Mestre de Coimbra.

Texto de Miguel Torga enviado aquando da fundação da CPLP.

"Impossibilitado de participar pessoalmente nessa feliz iniciativa de fundação da Comunidades dos Países de Língua Portuguesa, venho, desta maneira saudar calorosamente os seus ilustres e activos obreiros, e afirmar mais uma vez o que sempre pensei e disse em letra redonda, que é na língua comum que temos todos, filhos de Europa, da África e da América, o maior património histórico e cultural, e garantia eterna da nossa identidade.
Língua nascida numa Pátria exígua territorialmente, mas que ela alargou aos cinco continentes, graças ao seu dom expressivo e proteico, que lusitanizou, brasilizou e africanizou terras e almas. Grácil e subtil logo no berço, em breves cantigas de amor ou de maldizer, ao cabo de oitocentos anos, não só conserva o viço inicial, como floresce dia a dia em sambas, modinhas, mornas e obras literárias de largo fôlego. Não há ritmo de verso de que não seja capaz, arroubo épico para que não tenha alento, andamento narrativo a que não saiba dar balanço.

Fizeram e fazem esse milagre povo anónimo reinol, os marinheiros aventureiros, os bandeirantes, os tropeiros sertanejos, os escravos das senzalas, e génios e talentos que vão de Camões e Gil Vicente a Machado de Assis e Euclides da Cunha, José Craveirinha e Luandino Vieira.
Exaltar e promover esse património sagrado é mais um dever imperativo de povos que o destino quis que fossem de irmãos miscigenados e é como membro orgulhoso da nossa família multirracial, e é como garimpeiro nos aluviões do idioma materno, que faço votos para que todos sejamos seus firmes defensores e dignos merecedores da glória de o servir".

Miguel Torga, 14 de Dezembro de 1996


Segredo


Aldeia transmontana

Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo tem lá dentro um passarinho

Novo.
Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo
E ter depois um amigo
Que faça o pino

A voar...
Miguel Torga, Diário VIII


NUNES, João de Castro, Miguel Torga, Arganil,
 2005

Poetas

Só Deus os faz, só Deus e a Natureza,
só Deus faz os poetas, essa raça
de Orfeus discriminados pela graça
de terem um lugar à sua mesa!

Submissos ou rebeldes, desde o berço
trazem consigo o estigma dos eleitos,
cabendo-lhes, a todos os respeitos,
questionar o Homem no universo.

Essa missão, permitam-me dizê-lo,
não é questão de estudo nem capelo
pela Universidade conferido.

Os lentes, de saber reconhecido,
fazem juristas, médicos, estetas,
o que jamais fizeram … foi Poetas!

João de Castro Nunes
(Arganil, 2005)
Nota: Sobre Miguel Torga, consultar o ensaio de Bernardino Henriques

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