Artigo de Helena Matos no
Observador (18/4/2021)
O PS serviu-se de Sócrates.
Agora quer desembaraçar-se dele. O problema não é Sócrates mas sim a forma como
o PS governa: tomando conta disto tudo.
Eu lembro-me desses dias
em que a mentira passou a inverdade.
Eu lembro-me de em 2007,
algumas semanas após a publicação pela imprensa das notícias sobre as
irregularidades da licenciatura de José Sócrates, o actual ministro dos
Negócios Estrangeiros e então ministro dos Assuntos Parlamentares, Santos
Silva, denunciar o que classificava como “jornalismo de sarjeta”. Foi José
Sócrates quem o obrigou?
Eu lembro-me de quando
aqueles que questionavam os procedimentos do primeiro-ministro José Sócrates
eram automaticamente tratados pelo PS
como reaccionários, antipatriotas, bota-abaixistas e tremendistas. Em 2021 o PS
continua a praticar esses exercício.
Eu lembro-me de em 2007 o
então ministro da Administração Interna, António Costa, e o secretário de
Estado, José Magalhães, terem iniciado um blogue na própria página do
ministério da Administração Interna para responderem aos comentadores que
estavam a quebrar o unanimismo sobre a infalibilidade governamental. Foi José Sócrates
quem os forçou a isso?
Eu lembro-me de o PS não
se ter indignado com a suspensão de um funcionário da Direcção Regional de
Educação do Norte por este ter feito um comentário jocoso sobre a licenciatura
do primeiro-ministro. Estaria o PS com medo de Sócrates para não reagir?
Eu lembro-me de em 2007
terem passado quase dois meses para que os jornais quebrassem a cerca sanitária
dessa época: aquela que mantinha restrita à blogosfera a informação sobre o
processo académico de Sócrates. O PS ainda se lembra do que os seus históricos
disseram sobre essas notícias?
Eu lembro-me de António
Costa, enquanto ministro da Administração Interna do governo de Sócrates,
defender a criação de um Conselho Superior de Investigação Criminal a ser
presidido pelo primeiro-ministro,José Sócrates. O modo de funcionamento desse
conselho colocaria numa posição subalterna o Procurador-Geral da República. O
PS esqueceu-se deste episódio?
Eu lembro-me dos
argumentos criados pelos socialistas para justificarem aqueles telefonemas de
assessores do governo furibundos a quem assinava artigos críticos para com o
Governo. Vão agora dizer que Sócrates os hipnotizava para produzirem esses argumentários?
Eu lembro-me de em 2007,
após as notícias sobre a licenciatura de José Sócrates, Arons de Carvalho, no
semanário Expresso, concluir que “a violação das regras deontológicas não pode continuar
impune” e Vital Moreira falar em “décadas de impunidade deontológica”. O PS já
esqueceu?
Eu lembro-me de o PS não
mostrar o mínimo interesse pelas denúncias de corrupção que surgiam desde 1997
sobre o licenciamento da Estação de Resíduos Sólidos Urbanos da Cova da Beira
assinado por José Sócrates, então secretário de Estado do Ambiente. Já era José
Sócrates quem os impedia de perguntar?
Eu lembro-me de o
director da PJ, Santos Cabral, ter sido afastado e enxovalhado em 2006 pelo
ministro da Justiça, Alberto Costa, e pelo primeiro-ministro, José
Sócrates. O PS não teve um pequeno
sobressalto ao conhecer os contornos desse afastamento e as referências de Santos Cabral à
intervenção do executivo na PJ? (Ah já me esquecia esse era o tempo em que o PS
vivia indignado com o classificava como abuso das escutas telefónicas por parte
da PJ!)
Eu lembro-me do mutismo
com que o PS reagiu em 2009 quando se soube que tinha sido ilegalmente
destruído o processo da adjudicação e concessão da Estação de Resíduos Sólidos
Urbanos da Cova da Beira. Vai o PS dizer que foi enganado?
Eu lembro-me de o
ex-inspector da PJ que denunciou o caso Freeport ser condenado a oito meses de
prisão e ao pagamento de uma multa. O PS estou certa que também se lembra.
Eu lembro-me de a
Procuradoria Geral da República arquivar o inquérito à licenciatura de José
Sócrates, embora não conseguisse explicar como um certificado com data de 1996
podia estar redigido num impresso só possível de existir depois de 1998. O PS
já esqueceu o que disseram várias das suas mais destacadas figuras na altura?
Foi Sócrates quem lhes pôs as palavras na boca?
Eu lembro-me de, no último dia de Junho de 2008, Dias Loureiro e António Vitorino terem apresentado a biografia de Sócrates, escrita pela jornalista Eduarda Maio. “O menino de ouro do PS”, título do livro, reproduz a expressão por que Sócrates era tratado por muitos socialistas, indiferentes a tudo o que já se sabia sobre José Sócrates desde o final dos anos 90. O PS continua a querer que acreditemos que havia um governo que nada sabia daquilo que José Sócrates fazia?
Eu lembro-me de o PS, na campanha eleitoral de 2009, apresentar como uma mentira nascida de motivações
ocultas tudo o que questionasse José Sócrates. O PS ainda se lembra disto ou sofre
de amnésia?
Eu lembro-me de a PT ser
usada para entrar no capital da TVI de modo a alterar-se a linha editorial
daquela estação e torná-la mais amigável para o Governo. E lembro-me de o PS
achar isso normal.
Eu lembro-me de a
administração da TVI dar ordens para ser cancelado o Jornal Nacional de Sexta,
apresentado por Manuela Moura Guedes. E lembro-me muito bem de ouvir e ler
socialistas e compagnons a declararem o seu apoio a este afastamento.
Eu lembro-me de em 2010
apenas o Correio da Manhã ter avisado os seus leitores de que o
primeiro-ministro impusera como condição não ser confrontado com o caso
Freeport no âmbito das entrevistas que ia dar a propósito da iniciativa
“Governo Presente”. O PS sempre solidário com José Sócrates passou a usar
depreciativamente a expressão “jornalismo à Correio da Manhã“.
Eu lembro-me de ouvir os
socialistas classificarem como aleivosias as notícias sobre as casas cujos
projectos Sócrates terá assinado, embora os donos das mesmas casas não o
confirmassem. O PS pretenderá agora que foi José Sócrates quem os convenceu a
fazer tal figura?
Eu lembro-me de José Sócrates, na qualidade de primeiro-ministro (demissionário) ter contactado formalmente a troika, composta pelo FMI, BCE e Comissão Europeia, a 6 de Abril de 2011, a solicitar um empréstimo no valor de 78 mil milhões de euros. E lembro-me como pouco depois o PS começou a criticar não só a troika como o programa que negociara com ela e que o governo seguinte teve de aplicar.
Eu lembro-me de ver os
socialistas acotovelando-se em torno de Sócrates em cada sessão de anúncio de
mais um plano revolucionário para o país: o MIT, os PIN, TGV, os Magalhães, as
Novas Oportunidades, o choque tecnológico… O PS também não esqueceu porque continua
a apostar no anúncio do anúncio e na inauguração do inaugurado, sem perguntar
sobre o como nem o porquê.
… Há coisas que não se
esquecem. E uma delas é a forma como o PS toma conta do Estado. José
Sócrates é um produto dessa forma de
exercício do poder.
PS. Por sinal também em
lembro dos incêndios de 2017 e da discussão sobre as fragilidades do SIRESP (Sistema Integrado das Redes de
Emergência e Segurança de Portugal) . Daí que tenha dificuldade em acreditar
que em Abril estejamos com uma crise no SIRESP:
o general que o liderava demitiu-se;
o Governo pré-anuncia um novo modelo para a rede de comunicações de
emergência. O BE pede a nacionalização do SIRESP. O CEO da Altice, empresa que assegura o
funcionamento do SIRESP, alertou que o funcionamento do SIRESP pode estar em
causa a partir de Julho, notando que, a pouco mais de dois meses do fim do
contrato, ainda não houve qualquer contacto por parte do Governo…. Já
esqueceram Pedrogão?
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