30 out 2020
Com a Covid 19 e as
necessidades de confinamento, quem decide aproveitou para dar mais um passo nas
discriminações contra os cristãos.
«Proudhon tinha razão
escrevendo: Deus é o mal. Laplace tanto ou mais tinha razão ainda, escrevendo
também: a hipótese de Deus é inútil. Mas, acima de todos, a apóstrofe exacta,
indispensável, urgente de realizar, vibrou-a Bakunine: “Deus! Mas é preciso
suprimi-lo.”»
O autor destas palavras foi
um dos chamados “vultos republicanos”, de seu nome Fernão Botto Machado. Quem
folheie o Almanaque Republicano e dê com ele, de jaquetão e bigodes retorcidos,
mais depressa dirá estar perante um galã da Vizinha do Lado, de André Brun, que
de um ferrabrás do ateísmo. Mas engana-se.
Para a maçonaria francesa do
Grande Oriente, a versão dominante e triunfante em Portugal, a Igreja era o
inimigo a abater, devendo os maçons, amantes da Razão, da Ciência e do
Progresso, seguir o conselho do irmão Voltaire, iniciado na loja das Nove Irmãs
de Paris, e “Écrasez l’Infâme”. Além das questões teológicas de fundo, não
seria, pois, de estranhar que sucessivos papas e encíclicas condenassem a
Maçonaria e proibissem aos católicos qualquer filiação maçónica.
A primeira vez que os maçons
tiveram verdadeiro poder temporal foi com a Revolução Francesa. Então, milhares
de sacerdotes e religiosos foram mortos. E como os camponeses vendeanos,
católicos, monárquicos e fiéis à pequena nobreza local, estragavam o cenário
revolucionário (saindo da categoria de “sábio povo em armas pela Liberdade,
Igualdade e Fraternidade” e entrando directamente na de “deplorável povo
ignaro”), a “Razão, a Ciência e o Progresso” ditaram o genocídio.
Em França, este
anticlericalismo activo marcou, depois, a modalidade revolucionária da Comuna
de Paris, que fuzilou vinte e quatro eclesiásticos, entre eles o Arcebispo de
Paris, Monsenhor Darboy. E políticos da época, como Jules Ferry e Léon
Gambetta, não deixaram de perseguir as ordens religiosas, de prender padres e,
sobretudo, de lançar as mais absurdas calúnias sobre a Igreja.
Em Portugal, em 1910, os
activistas mais zelosos entre os correligionários de Botto Machado, não podendo
matar Deus – invisível mesmo ao olho vivo da Loja –, liquidaram dois padres
Lazaristas, o Padre Bernardino Barros Gomes, ilustre cientista botânico, e o
Padre Alfredo Fragues, confessor da Rainha, morto à coronhada e a tiro.
Seguiram-se a expulsão dos
Jesuítas (após científicas medições cranianas indiciadoras de anomalias anatómicas
que sinalizavam inequívocas tendências criminais) e uma série de medidas
laicizantes, como o fim dos feriados religiosos. O Natal, mais difícil de
abolir, foi esvaziado e reformulado como “Festa da Família Portuguesa”.
E como era também necessário
higienizar a História, o Primeiro de Janeiro passou a Dia da Fraternidade
Universal e o 31 de Janeiro a Dia dos Precursores e Mártires da República. O
Primeiro de Dezembro escapou como feriado, mas deixou de ser Dia da Restauração
para passar a ser, mais correctamente, o Dia da Autonomia da Pátria Portuguesa.
Deu-se também o habitual saneamento da toponímia e multiplicaram-se os nomes de
ruas e praças 5 de Outubro e República, como, décadas depois, as 25 de Abril.
As esquerdas (liberais
maçonizantes, anarco-progressistas e comunistas) promoveram, em todas as
revoluções do século XX, uma encarniçada perseguição à Igreja e aos cristãos,
prendendo, torturando e matando padres, religiosos e leigos – na Revolução
Bolchevique, na Revolução Mexicana, nos regimes comunistas implantados na
Europa Oriental, na China, no Vietname e em Espanha, na Guerra Civil, onde os
frente-populistas mataram mais de sete mil bispos, padres, religiosos e
freiras, e milhares de católicos, apenas por o serem. Mais que Diocleciano, que
não fora meigo com os seguidores de Cristo. Tal como os primeiros séculos da
Era Cristã até Constantino, o século XX foi também um século de mártires.
Mas porque se tornaram
impossíveis as revoluções bolcheviques – com o ataque armado e a ocupação das
centrais telefónicas, das estações de comboios, dos Palácios de Inverno –, e
porque Lenine e a sua teoria da revolução foram sendo, no ocidente
euroamericano, substituídos por Gramsci e pelas revoluções culturais, a guerra
à Igreja, às Igrejas cristãs e a toda a transcendência monoteísta (cristã,
judaica ou islâmica) foi mudando de forma.
Hoje já não se trata de
expulsar ordens religiosas, de matar padres, de queimar igrejas, como fizeram
os democráticos de Afonso Costa em 1910 ou os frente-populistas madrilenos na
Primavera de 1936. Trata-se de descristianizar a sociedade mansamente, em
suaves prestações, de modo politicamente correcto, indolor, através de leis
passadas com ar inocente e distraído, como grandes conquistas da liberdade e do
progresso ou já nem isso.
O que se está a fazer entre
nós é uma progressiva e estratégica descaracterização da sociedade para cumprir
agendas radicais internacionais, através de leis pretensamente libertadoras,
passadas “à candonga”, que vêm, não só descristianizando mas desnaturalizando o
país: leis inspiradas nas mais delirantes quimeras que oferecem a possibilidade
(financiada pelo Estado) de mudar o corpo e moldá-lo, com hormonas, mutilações
e enxertos, ao género apetecido; leis que transformam o casamento, mesmo o
casamento civil, num contrato entre dois seres, quaisquer que sejam, agora dois
homens ou duas mulheres, qualquer dia, quem sabe que mais; leis contrárias à
geração de vida numa sociedade que já está há muito com taxas negativas de
reprodução; leis que são negociadas e passadas sem qualquer respeito pelo
debate público, como a da Eutanásia, aprovada ignorando o parecer negativo da
Ordem dos Médicos, da Ordem dos Enfermeiros, da Ordem dos Advogados, do
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, da Associação Portuguesa
dos Cuidados Paliativos e um abaixo-assinado de cerca de cem mil cidadãos.
Leis que uma esquerda dita
moderada, que aceita os pressupostos do capitalismo europeu, vai levianamente
negociando por conveniência momentânea com os esquerdistas do marxismo cultural,
perante a sonolência geral e acomodada dos que assistem tranquila e
resignadamente a estas mudanças – talvez sem se aperceberem que são estas as
mudanças que verdadeiramente importam.
Com a Covid 19 e as
necessidades de confinamento, quem decide aproveitou para dar mais um passo nas
discriminações contra os cristãos. Controles para a Páscoa, mas não para o 25
de Abril; para o 13 de Maio em Fátima, mas não para o 1º de Maio na Alameda; 27
mil pessoas com luz verde para acorrerem à Fórmula 1 em Portimão, mas proibição
de deslocações para que os cristãos – e os não cristãos – possam visitar e
honrar os seus mortos nos cemitérios no Dia de Fiéis Defuntos. Muitos não
puderam sequer acompanhar os seus familiares e amigos mortos recentemente e os
cemitérios são ao ar livre, com acessos que poderiam ser controlados com
facilidade para evitar aglomerações, mas pouco importa.
Como todos os regimes que,
no passado, quiseram regular e imprimir a sua marca nas coisas da Vida e da
Morte, ainda que contra a liberdade, o sentimento e as convicções do “povo
ignaro”, o poder político resolveu agora esvaziar uma celebração cristã, o Dia
dos Fiéis Defuntos, e impedir uma prática enraizada, dando-nos magnanimamente
em troca uma bandeira a meia-haste e um asséptico e socialmente distante “Dia
de Luto Nacional por Todos os Falecidos, em Especial as Vítimas da Pandemia da
Doença Covid-19”.
Mas o povo e a Igreja, por mais adormecidos que aparentemente estejam, têm acabado sempre por acordar. E por resistir.
Sem comentários:
Enviar um comentário