sábado, 24 de outubro de 2020

As partidas do comerciante

 

"O Ti João, homem esperto para o negócio e sempre pronto a pregar as suas partidas e amicíssimo do Ti António, percebeu o estado em que este ultimamente permanecia e resolveu convidá-lo para jantar, pois sempre queria ver se o Ti António trocava o jantar pelas saudades do filho.

O Ti João contou à mulher, Ti Maria e disse-lhe para arranjar uma galinha.

Já sentados à mesa, ambos se preparavam para saborear tão delicioso pitéu.

Antes porém, o comerciante começou a jogar a sua cartada e diz para o Ti António:

-Oh Ti António, se apanhássemos aqui o seu Franklim, a comer um bocadinho desta galinha…

O Ti António mal ouviu pronunciar o nome do filho desatou a chorar, duma maneira que não mais parecia ter fim.

Entretanto, o Ti João ia comendo a galinha, consumando-se assim mais uma das muitas partidas que constantemente programava.

Com os olhos enxutos, o Ti António preparava-se para começar a comer. Mas de novo o comerciante voltou a atacar:

-Era tão bom rapaz o seu Franklim, Ti António! Acredite que era o moço por quem mais consideração tinha, aqui na região. Deus o tenha em bom lugar.

E de novo as lágrimas rolaram pelas faces abaixo, por longos momentos.

As cenas repetiram-se. O Ti João comia e o Ti António chorava.

Até que o Ti António compreendeu que o esperto do comerciante lhe tinha pregado uma partida. A galinha já estava quase no fim e ele sem provar um único bocadinho. Foi então, ainda a soluçar, que com voz trémula pediu ao Ti João:

-Ah! João, meu bom amigo, deixa-me ao menos a muela da pita!"


Excerto de texto do livro “Conversas de viagens”, já no prelo, de Elmiro de Jesus Barbeiro, aposentado como Director do Banco Comercial Português.

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