27/07/1920 15/12/1977
ANIVERSÁRIO
DO PERECIMENTO DO MEU PAI
Mário Adão Magalhães |
O meu pai,
homem de Fé
em toda a sua
vida
só faltara
uma vez à missa.
Veja-se a
ironia - à hora de sair
os sapatos em
que era mestre
magoavam-lhe
os pés.
Homem de Fé,
tenho aí como
não podia deixar de ter
a sua Bíblia
que lia avidamente,
tinha Fé que
naquele Domingo
não lhe
apetecendo levantar
para ir à
"missa das sete"
a minha mãe
estranhou, o pai continuava com Fé de se levantar
para a
"missa das nove".
A mãe
estranhando o facto, começou
a ficar
preocupada e a lembrar-lhe que
chegava a
hora da "missa das onze".
Às tantas o
meu pai diz:
- Oh! Hoje
não vou à missa.
Tudo se
desabou.
- Queres que
te chame um médico?!
Indagou a
minha mãe.
- Oh! Não.
Deixa estar.
Continuou com
a sua Fé.
- Terça feira
tenho consulta
marcada com o
doutor Dias Cunha...
- Está bem.
Mas não vais esperar até lá.
Falava a alma
da minha mãe apoquentada
pela
estranheza dos factos.
Domingo à
tarde, começam a chegar
os irmãos,
seus filhos,
e foram à
procura
do doutor
Dias Cunha. Nunca desistira do Dias Cunha
que durante
dezenas de anos
não detectou
o seu problema.
Os meus
irmãos não o encontraram.
Encontraram o
doutor Mendonça
quem, por sua
vez, havia tido uns negócios
com os meus
avós, e o pai
começava a
contar histórias que terão ocorrido
nesses
terrenos - quintas, sei lá.
O médico de
pronto diz que o caso era grave.
Assim mesmo.
Que não adiantavam as conjecturas
do pai.
E diz que
"tem que ir já para o Hospital de Guimarães".
Foi o
guinchar por todo o lado dos meus irmãos,
mesmo aqueles
que haviam ido à Guerra.
Nunca da
família alguém tinha ido a um hospital.
O seus nove
filhos nasceram todos em casa.
- E vai de
ambulância. Caustica ainda mais o médico.
- Então
senhor doutor, nós temos aí os carros,
levámo-lo
amparadinho.
- Não. Vai de
ambulância e já.
Assim foi.
Em casa não
sei ainda hoje dizer o que se passou
Sei lá.
Vários
acontecimentos, eu ainda lembro. Assisti.
Vários outros
ouvi ao longo da vida lamentar.
Ao fim de
três dias lá veio a notícia.
E o
diagnóstico.
Uma úlcera
péptica no estômago.
Uma
enfermeira contara: coitadinho. Pediu tanto para falar com os filhos.
E
especialmente o Manuel...
Depois
levaram-no para um buraco fundo e frio.
Eu tinha doze
anos. Nem fui ver o buraco. Fiquei em casa
a ver o
cortejo fúnebre pela janela.
Mas tive a
infeliz experiência de ver mais vezes.
Mário Adão
Magalhães
2013/12/15
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