terça-feira, 5 de novembro de 2019

Dentes humanos com garantia de pneu


BARROSO da FONTE

Não sou especialista em coisa nenhuma. E talvez por isso achei piada ao que se passou com um meu amigo dos tempos da tropa.
Tal como eu, está mais perto dos 81 do que dos 80 anos de vida, e precisou de tratar um dente quando tinha 79 de idade. Como beneficiário da ADSE, recorreu a uma clínica urbana que tem acordo com esse sistema público para o qual descontou durante mais de 40 anos de vida ativa.
Acontece que ele foi dos tais burros de carga que não fugiu à tropa durante a guerra do Ultramar, nem era filho de gente ilustre que o isentasse; e outro remédio não teve que ser mobilizado para a zona de Nuambuangongo (na pior zona do norte de Angola) entre 1965/67.
Ele, como outros milhares, muitas vezes bebeu água em charcos ou pequenos fios de água, onde bebiam animais selvagens, répteis, aves e todo o bicho careto. Os dentes de qualquer ser vivo perdem qualidade, quando a água é imprópria para ser bebida, principalmente por humanos.
Os políticos dessa altura, mesmo quando já existia a ADSE, não legislaram para tratamentos especiais a favor desses grupos de jovens obrigados a ir à guerra e que, um dia, seriam velhos. Terminada a guerra, os mandões da democracia, que se fartam de apregoar que temos o melhor serviço nacional de saúde, como a maior parte deles não foi à guerra e - para eles - os votos dos marginais e quejandos têm mais valor do que a decência e o respeito por essa geração martirizada, estão-se marimbando.
Um antigo combatente que, aos 80 anos de idade, ainda só perdeu dois dentes, num calvário do que fica descrito, deveria ter um prémio. Mas não. Nem é o caso. Ele recorreu a essa clínica e pagou a parte que pertence ao beneficiário da ADSE. Foi para casa e, passados dois anos, voltou à mesma clínica para rever o mesmo dente e também outros, como é próprio da sua idade. Passado um mês, o meu Amigo foi notificado para voltar à clínica a fim de regularizar a situação: pagar mais 27,92 €, porque já tinha passado a garantia prevista na lei. O remédio foi pagar e não bufar.
Depois de uma campanha eleitoral, onde o elogio da saúde pública feriu os tímpanos, mesmo dos surdos e de tantas promessas a favor dos mais débeis, esse Amigo disse-me que a democracia pratica a lei do pneu. Do pneu, da panela, do cilindro ou do penico. Os dentes têm a garantia dos bens domésticos, das ferramentas dos trolhas ou das pílulas do dia seguinte.
E se isto estava assim no tempo da geringonça, como será nestes próximos quatro anos, com a esquerda afrontada com o poder e com os machos disfarçados com saias de uso permanente a subir e a descer as escadas do Parlamento?

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