domingo, 6 de outubro de 2019

Gosto de escrever, mas não escrevo sobre política


ANTÓNIO   MAGALHÃES

Tenho uma paixão tão grande pela leitura e os seus efeitos secundários, que por mais voltas que dê ao dicionário continuo a não encontrar as palavras certas que possam definir esse sentimento, explicando assim ou deixando transparecer na sua totalidade, a verdadeira dimensão dessa paixão.
Das duas três, caro António, ou és pouco conhecedor das palavras e dos seus sinónimos, ou o vocabulário é parco dessas mesmas palavras que possam traduzir sentimentos, especialmente quando eles são profundos, intensos, grandes.
Se a primeira hipótese tem o seu quê de verdade, a segunda não é menos descartável.
E não menos idêntica é a minha paixão pela escrita, com a diferença de que, se na primeira não há limites em que se possa expressar essa paixão, na segunda há óbvias limitações, que em prol da honestidade para com aqueles que são realmente escritores e poetas, me impedem de me auto intitular com essas designações de poeta ou escritor.
Por isso, sou um “Galley Detail Technician” da indústria aeroespacial, que adora a leitura e que gosta de escrever, umas vezes em prosa, outras em poesia. Às vezes perguntam-me, - “escreves sobre o quê? E se a minha boa disposição está em dias de visita respondo-lhes em palavras que sim, que há sempre tanta coisa para escrever, que tenho sempre tanto para dizer e nunca digo nem metade, e que mesmo assim, a metade que digo, que escrevo, nem são assim tantos aqueles que a lê. Mas se a boa disposição não aparece porque se passeia lá pelas ruas da amargura, respondo-lhes com silêncio, que por vezes diz mais do que as duas metades, a metade que não se lê e a metade que se lê.
Gosto de escrever sobre as incongruências da vida, mesmo sem o ser de maneira aberta e declarada para que não seja de todo evidente por ser fácil, mas como quem anda atrevidamente a roçar com algum desplante a maneira subtil e sábia que têm os verdadeiros escritores e poetas.
E dessa maneira, gosto de escrever sobre temas que são tão atuais como o dia a dia em que sempre vão acontecendo. Temas como a toxicodependência, a violência doméstica, a corrupção, a desumanidade, o bullying entre muitas outras coisas. Mas também escrevo sobre sentimentalismos, sobre saudade, afeto, amor, carinho.
Escrevo sobre tanta coisa porque há sempre tanto que dizer, mas não escrevo sobre política. Mau grado a importância que tem sobre as nossas vidas e o nosso bem ou mau estar porque um país é governado por políticos e as políticas que defendem e põe em prática, continuo a achar que escrever sobre política não me merece esse tempo que eu considero como uma grande perda. Ao bom estilo do grande Herman José…”eu também acho que é uma grande merda…”
Em tempos que me parecem longínquos, lembro-me de ter escrito algo que se parecia com política. E digo que se parecia porque, nessa altura, em que eu era irreverente por vezes, destemido quase sempre, ousado e desafiador, ou seja, era bastante novo, escrevi um texto para o Notícias de Felgueiras, propriedade do bem conhecido na terra como senhor Nuno da Tipografia, um artigo que era uma metáfora  à situação política que se vivia nessa altura, substituindo as pessoas por patos e por consequência, onde não faltavam as promessas de um pato que era “o presidente de todos os patos” da Patolândia.
Nessa época estávamos ainda longe de Facebook, Twitter, Jornal digital e outras meios de comunicação e por isso, os meus artigos eu escrevia-os à mão e passava pela tipografia do senhor Nuno para lá deixar o texto.
No dia em que levei este particular texto, o senhor Nuno não se encontrava na tipografia. Entreguei-o à pessoa que lá se encontrava. No dia seguinte quando cheguei a casa tinha um recado da parte do senhor Nuno. Tinha telefonado lá para casa para falar comigo, mas fosse qual fosse o assunto, só falava mesmo comigo, dissera a minha mãe. O recado completava-se com a urgência de eu passar pela tipografia logo que pudesse. Curioso, nesse mesmo dia fui à tipografia, que ficava a menos de dez minutos andantes da minha casa.
- Ó Magalhães…, é que tu estás a chamar pato ao Presidente da República…
Dissera o senhor Nuno com ar preocupado e ao mesmo tempo sério, quando eu lá cheguei.
Andávamos ainda nessa altura a aprender a viver uma democracia que tinha pouco mais de uma década, era ainda muito verde, e a saber como nos libertarmos dos fantasmas do fascismo e do seu regime opressor, quase como quem não sabe muito bem o que fazer com a grande conquista que os bravos capitães de Abril, e todos os implicados na revolução, haviam oferecido ao país, devolvendo ao povo direitos e liberdades que eram até aí apenas sonhos intangíveis. – Ó pá, eu não sei se deva publicar isto…é que tu estás a chamar pato ao Presidente da República…
E eu, nunca será demais lembrar, muito mais novo do que ele, mais destemido, portanto mais irresponsável, também uma das benesses que a revolução nos proporcionara, a dizer com uma descontração que era o oposto ao seu ar grave e preocupado, “– e depois…?
Depois o senhor Nuno a publicar o artigo e eu a continuar livre como um passarinho e a desfrutar da liberdade que outros me proporcionaram com o seu sofrimento e a sua luta incansável e corajosa.
E se é certo que política é tema que dá muito para escrever, também não é menos certo de que os temas vão sendo sempre os mesmos, os protagonistas desses temas também, e o que varia é apenas, o lado em que cada um deles está no campo de batalha. Em 1986 escrevi um artigo em metáfora em que o então Presidente da República (Dr. Mário Soares) era o Presidente de todos os patos da Palolândia, e o senhor Nuno da Tipografia, não sei se preocupado com a minha preciosa liberdade aos 21 anos de idade, ou se preocupado com a reputação do Notícias de Felgueiras do qual era proprietário, a dizer, “ – Ó Magalhães… é que tu estás a chamar pato ao Presidente da Republica e eu, “ – está bem senhor Nuno deixe lá isso. O artigo está assinado com o meu nome e eu assumo o que escrevo” e nem sequer lhe disse que se preocupações houvesse na metáfora não seria porque eu chamava pato ao Presidente da República, mas sim porque chamava patos aos que o elegeram para desempenhar esse cargo.
Esse artigo foi o mais perto que eu estive em relação a escrever sobre política e para mim foi como o tempero que se põe em certas comidas, q. b.
De resto, já o disse aqui neste texto, tema não faltaria, mas como o tema é sempre o mesmo, os patos também, e os patos que nos governam é vira o disco e toca o mesmo, para quê escrever sobre política se o melhor que dela ainda posso tirar é a espécie de charada conjunta de abraços, beijos e sorrisos com que se presenteiam, uma vez que seja, de 4 em 4 anos, os mais desfavorecidos, os mais esquecidos, os mais vulneráveis, os mais injustiçados e todo o resto da patada que há de pôr na Assembleia da República outro bando de patos que hão de governar este país da Patolândia.
Não quero dizer com isto que no dia 6 de Outubro deixemos que sejam outros a decidir por nós. Sejam quais forem as nossas tendências políticas votar é um dever cívico e toda a gente deve participar nas eleições para que não deixe que seja um outro pato a escolher os patos que nos hão de governar.
De qualquer das maneiras…reitero…gosto muito de escrever…, mas não escrevo sobre política. 

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