ANTÓNIO MAGALHÃES |
Tenho uma paixão tão
grande pela leitura e os seus efeitos secundários, que por mais voltas que dê
ao dicionário continuo a não encontrar as palavras certas que possam definir
esse sentimento, explicando assim ou deixando transparecer na sua totalidade, a
verdadeira dimensão dessa paixão.
Das duas três, caro
António, ou és pouco conhecedor das palavras e dos seus sinónimos, ou o
vocabulário é parco dessas mesmas palavras que possam traduzir sentimentos,
especialmente quando eles são profundos, intensos, grandes.
Se a primeira hipótese
tem o seu quê de verdade, a segunda não é menos descartável.
E não menos idêntica é a
minha paixão pela escrita, com a diferença de que, se na primeira não há limites
em que se possa expressar essa paixão, na segunda há óbvias limitações, que em
prol da honestidade para com aqueles que são realmente escritores e poetas, me
impedem de me auto intitular com essas designações de poeta ou escritor.
Por isso, sou um “Galley
Detail Technician” da indústria aeroespacial, que adora a leitura e que gosta
de escrever, umas vezes em prosa, outras em poesia. Às vezes perguntam-me, -
“escreves sobre o quê? E se a minha boa disposição está em dias de visita
respondo-lhes em palavras que sim, que há sempre tanta coisa para escrever, que
tenho sempre tanto para dizer e nunca digo nem metade, e que mesmo assim, a
metade que digo, que escrevo, nem são assim tantos aqueles que a lê. Mas se a
boa disposição não aparece porque se passeia lá pelas ruas da amargura,
respondo-lhes com silêncio, que por vezes diz mais do que as duas metades, a
metade que não se lê e a metade que se lê.
Gosto de escrever sobre
as incongruências da vida, mesmo sem o ser de maneira aberta e declarada para
que não seja de todo evidente por ser fácil, mas como quem anda atrevidamente a
roçar com algum desplante a maneira subtil e sábia que têm os verdadeiros
escritores e poetas.
E dessa maneira, gosto de
escrever sobre temas que são tão atuais como o dia a dia em que sempre vão
acontecendo. Temas como a toxicodependência, a violência doméstica, a
corrupção, a desumanidade, o bullying entre muitas outras coisas. Mas também
escrevo sobre sentimentalismos, sobre saudade, afeto, amor, carinho.
Escrevo sobre tanta coisa
porque há sempre tanto que dizer, mas não escrevo sobre política. Mau grado a
importância que tem sobre as nossas vidas e o nosso bem ou mau estar porque um
país é governado por políticos e as políticas que defendem e põe em prática,
continuo a achar que escrever sobre política não me merece esse tempo que eu
considero como uma grande perda. Ao bom estilo do grande Herman José…”eu também
acho que é uma grande merda…”
Em tempos que me parecem
longínquos, lembro-me de ter escrito algo que se parecia com política. E digo
que se parecia porque, nessa altura, em que eu era irreverente por vezes,
destemido quase sempre, ousado e desafiador, ou seja, era bastante novo,
escrevi um texto para o Notícias de Felgueiras, propriedade do bem conhecido na
terra como senhor Nuno da Tipografia, um artigo que era uma metáfora à situação política que se vivia nessa
altura, substituindo as pessoas por patos e por consequência, onde não faltavam
as promessas de um pato que era “o presidente de todos os patos” da Patolândia.
Nessa época estávamos
ainda longe de Facebook, Twitter, Jornal digital e outras meios de comunicação
e por isso, os meus artigos eu escrevia-os à mão e passava pela tipografia do
senhor Nuno para lá deixar o texto.
No dia em que levei este
particular texto, o senhor Nuno não se encontrava na tipografia. Entreguei-o à
pessoa que lá se encontrava. No dia seguinte quando cheguei a casa tinha um
recado da parte do senhor Nuno. Tinha telefonado lá para casa para falar
comigo, mas fosse qual fosse o assunto, só falava mesmo comigo, dissera a minha
mãe. O recado completava-se com a urgência de eu passar pela tipografia logo
que pudesse. Curioso, nesse mesmo dia fui à tipografia, que ficava a menos de
dez minutos andantes da minha casa.
- Ó Magalhães…, é que tu
estás a chamar pato ao Presidente da República…
Dissera o senhor Nuno com
ar preocupado e ao mesmo tempo sério, quando eu lá cheguei.
Andávamos ainda nessa
altura a aprender a viver uma democracia que tinha pouco mais de uma década,
era ainda muito verde, e a saber como nos libertarmos dos fantasmas do fascismo
e do seu regime opressor, quase como quem não sabe muito bem o que fazer com a
grande conquista que os bravos capitães de Abril, e todos os implicados na
revolução, haviam oferecido ao país, devolvendo ao povo direitos e liberdades
que eram até aí apenas sonhos intangíveis. – Ó pá, eu não sei se deva publicar
isto…é que tu estás a chamar pato ao Presidente da República…
E eu, nunca será demais
lembrar, muito mais novo do que ele, mais destemido, portanto mais
irresponsável, também uma das benesses que a revolução nos proporcionara, a
dizer com uma descontração que era o oposto ao seu ar grave e preocupado, “– e
depois…?
Depois o senhor Nuno a
publicar o artigo e eu a continuar livre como um passarinho e a desfrutar da
liberdade que outros me proporcionaram com o seu sofrimento e a sua luta
incansável e corajosa.
E se é certo que política
é tema que dá muito para escrever, também não é menos certo de que os temas vão
sendo sempre os mesmos, os protagonistas desses temas também, e o que varia é
apenas, o lado em que cada um deles está no campo de batalha. Em 1986 escrevi
um artigo em metáfora em que o então Presidente da República (Dr. Mário Soares)
era o Presidente de todos os patos da Palolândia, e o senhor Nuno da
Tipografia, não sei se preocupado com a minha preciosa liberdade aos 21 anos de
idade, ou se preocupado com a reputação do Notícias de Felgueiras do qual era
proprietário, a dizer, “ – Ó Magalhães… é que tu estás a chamar pato ao
Presidente da Republica e eu, “ – está bem senhor Nuno deixe lá isso. O artigo
está assinado com o meu nome e eu assumo o que escrevo” e nem sequer lhe disse
que se preocupações houvesse na metáfora não seria porque eu chamava pato ao
Presidente da República, mas sim porque chamava patos aos que o elegeram para
desempenhar esse cargo.
Esse artigo foi o mais
perto que eu estive em relação a escrever sobre política e para mim foi como o
tempero que se põe em certas comidas, q. b.
De resto, já o disse aqui
neste texto, tema não faltaria, mas como o tema é sempre o mesmo, os patos
também, e os patos que nos governam é vira o disco e toca o mesmo, para quê
escrever sobre política se o melhor que dela ainda posso tirar é a espécie de
charada conjunta de abraços, beijos e sorrisos com que se presenteiam, uma vez
que seja, de 4 em 4 anos, os mais desfavorecidos, os mais esquecidos, os mais
vulneráveis, os mais injustiçados e todo o resto da patada que há de pôr na
Assembleia da República outro bando de patos que hão de governar este país da
Patolândia.
Não quero dizer com isto
que no dia 6 de Outubro deixemos que sejam outros a decidir por nós. Sejam
quais forem as nossas tendências políticas votar é um dever cívico e toda a
gente deve participar nas eleições para que não deixe que seja um outro pato a
escolher os patos que nos hão de governar.
De qualquer das
maneiras…reitero…gosto muito de escrever…, mas não escrevo sobre política.
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