MÁRIO NOGUEIRA - Público |
A reação do primeiro-ministro pode ter parecido desproporcionada, mas não
foi, dado o objetivo perseguido. Impregnado do mais repugnante oportunismo
político, governo e PS optaram pela vitimização e, tentando virar os
portugueses contra os seus professores, procuram atingir o que não conseguem de
outra forma.
6 de Maio de
2019
A propósito da
contagem do tempo de serviço dos professores, têm-se ouvido os mais diversos
comentários e mentiras, vindos de gente com responsabilidade política e/ou
social, que a aproveita para promover uma desprezível campanha contra
profissionais que merecem ser tratados com consideração e respeito. Tornam-se,
até, indisfarçáveis, sentimentos de inveja e ódio, habituais em alguns casos e
surpreendentes em outros.
Tudo porque, no
Parlamento, houve entendimento entre partidos para recuperar os 9 anos, 4 meses e 2
dias de trabalho que os professores cumpriram. Só que o PS
autoexcluiu-se dessa convergência e não tolerou que outros se entendessem. Tudo
tem servido para o combate político, até a foto em que diversos deputados
redigiam um texto que refletisse as cinco propostas em discussão. Compreende-se
que, a quem não aparece na foto, impressione uma negociação séria e
transparente, tão acostumado que está à negociata em esconsos recantos, à farsa
e ao recurso à chantagem como “estratégia negocial”. E quanto a convergências,
só as que servem os seus, raramente claros, interesses.
Aquilo em que CDS,
PSD, PCP, BE e PEV convergiram foi natural, conhecidos que eram os seus pontos
de partida: os 2 anos, 9 meses e 18 dias a recuperar em 2019, mas apenas pagos
em 2020, são os mesmos que o Governo já havia reconhecido, só que sem
implicações orçamentais em 2019, ao contrário da solução imposta pelo Governo;
os restantes 6,5 anos são aqueles que o Governo estava obrigado a negociar por
força da norma constante no OE 2019 e, já antes, no de 2018. Violada a
norma, compete ao Parlamento clarificá-la, não deixando margem ao Governo para
interpretações criativas no futuro. Os partidos não se substituíram ao Governo,
pois deixaram para negociação a recuperação desses 6,5 anos, aclarando as
balizas.
A reação do primeiro-ministro pode ter parecido
desproporcionada, mas não foi, dado o objetivo perseguido. Impregnado do mais
repugnante oportunismo político, Governo e PS optaram pela vitimização e,
tentando virar os portugueses contra os seus professores, procuram atingir o
que não conseguem de outra forma: estancar a lenta quebra visível em sondagens
que apontam para uma vitória à “poucochinho”; tentar maioria absoluta nas
legislativas para retomarem uma governação que os professores nunca esquecerão,
pois esteve na origem das suas maiores manifestações de sempre.
Os argumentos de
governantes e alguns comentadores, uns por frete, outros por ódio declarado a
professores, são de baixo nível e destinados a manipular a opinião pública. O
Governo não está preocupado com o país, pois, se estivesse, não destruía, como
tem feito, o SNS e tinha um ministro para a Educação. O Governo quer é usar os
professores como exemplo para todos os que ousam contestá-lo e tudo vale nesse
sentido, até manipular. Vejamos:
– Os salários dos
professores são iguais aos de outros profissionais com igual qualificação. O
valor global é elevado porque os professores são mais de 120.000 (quase 20% dos
funcionários públicos), mas estranho seria se, por serem muitos, tivessem de
ganhar menos;
– Dos grandes grupos
profissionais da nossa administração pública, os docentes são o mais
qualificado, sendo mesmo um dos mais qualificados em todo o mundo;
– Os salários líquidos
dos professores (é com esse que sobrevivem, tantas vezes a centenas de quilómetros
de casa) situam-se entre os 1000 e os 1900 euros, sendo necessários 34 anos de
serviço, divididos em dez escalões, para ir de um ao outro; mas há professores,
colocados bem longe e com horários incompletos, que nem 500 euros ganham,
tendo-lhes até sido retirado o direito a prestações sociais para as quais
descontam;
– Um professor que
trabalhe há 17 anos (metade do tempo para atingir o topo) não está a meio da
carreira, mas no 1.º escalão. Ganha menos num mês do que comentadores ditos “de
referência” em escassa meia hora. Nela proferem afirmações que provocariam
grave avaria em qualquer polígrafo a que estivessem ligados;
– Nos escalões de topo
não estão os que o Governo afirma, mas quem nele se encontra, salvo raríssimas
exceções, tem 40 ou mais anos de serviço e 60 ou mais de idade; são docentes
que o Governo impede de se aposentar, ao mesmo tempo que desperdiça gerações de
jovens em que o país investiu;
– A progressão na
carreira docente não é automática; depende de tempo de serviço, avaliação, muitas
horas de formação contínua e, em alguns escalões, ainda de observação de aulas
e existência de vaga;
– O Parlamento não
discriminou qualquer grupo profissional, nem quebrou equidade entre profissões,
pois não fez nenhuma lei; os partidos limitaram-se a introduzir alterações num
diploma legal do Governo (DL 36/2019) que apenas se refere aos professores.
Portanto, se alguém se esqueceu de outros foi o Governo, que os deixou de fora
para, arrumados os docentes, estender, então, a farsa negocial aos demais;
– Se discriminados
existem, são os professores que exercem atividade no continente, não só em
relação à generalidade dos trabalhadores da administração pública, como em
relação aos seus colegas da Madeira e dos Açores; aqui, sim, houve quebra de
equidade entre profissionais do mesmo país e até na terra de César o PS votou a
favor da recuperação total; hipocrisia?
É inaceitável a
desvalorização, o desrespeito e o desprezo pelos professores que alguns tentam
passar ao país. Os professores dão o melhor de si nas escolas. Compensam o que
o ministério não quer dar, o que a escola não tem para dar e o que muitas
famílias não conseguem dar. Conseguiram, com esforço e profissionalismo,
baixar, como nunca, o insucesso escolar e manter padrões de qualidade nas respostas
que a escola dá. Apesar disso, são enxovalhados e insultados por gente que não
lhes chega aos calcanhares.
Os alunos portugueses
são, na OCDE, os que revelam maior consideração pelos seus professores, mas os
que menos querem seguir a profissão. Há cursos para a docência que já não têm
candidatos, indiciando que, em breve, Portugal voltará a recrutar gente sem
qualificação para a profissão. Se acontecer, o país pagará caro, com a quebra
de qualidade na formação das atuais e futuras gerações.
O respeito pelos
professores e a dignificação do seu estatuto profissional são indissociáveis da
escola e da educação. Reconhece-o a própria Comissão Internacional sobre
Educação para o século XXI que no seu relatório para a UNESCO, já em 1998,
assinalava: “O respeito pelos professores gera o respeito pela profissão que
exercem. (...) Com efeito, os estatutos dos professores e da educação estão de
tal modo interligados que o que quer que provoque mudanças num produzirá
mudanças na mesma direção no outro.”
O autor escreve
segundo o novo acordo ortográfico
Secretário-geral da Fenprof
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