segunda-feira, 29 de abril de 2019

As Trevas e outros contos – Leonid Andréev



A pedido do editor Franco Maria Ricci, Jorge Luís Borges dirigiu uma colecção de obras fantásticas que à maneira borgiana, se intitulou “A Biblioteca de babel” e foi um modelo de arte tipográfica e de requinte bibliográfico. Foram publicados uns trinta volumes de obras especialmente selecionadas e prefaciadas por este enorme escritor, natural da Argentina, com ascendência transmontana.
A Editorial Presença, começou a reeditar esta colecção em 2007, com as capas de origem. Em 2014 estavam já reeditados os “Contos Argentinos”. E a partir daí perdemos-lhe o rasto.
Em 2010, foram reeditados “Contos Russos”, onde selecionou três escritores russos: Dostoiévski, Andréev e Tolstói.
De cada um escolheu um conto. De Leonid Andréev, escolheu Lázaro. E diz-nos no prefácio:
“Pode ser considerada arbitrária a vizinhança, neste volume, de Andréev e de Dostoiévski. Deveria no entanto observar-se que os dois coincidem no ímpeto patético e na desconsolada visão de um mundo hostil. É habitual falar-se da polémica entre realismo e simbolismo. Esquece-se que estas escolas assumiram traços e significados diversos nos diferentes países e em cada caso. Leonid Andréev (1871-1919), foi, à sua maneira eslava, um devoto eminente de ambas as paróquias.
Ao realismo correspondem Savva e Anfissa; ao simbolismo, A Vida do Homem, Anátema, O Oceano e As Máscaras Negras. Escolhemos para este livro a história intitulada Lázaro. Em 1855, o escritor inglês Robert Browning tratara o mesmo tema numa curiosa e longa poesia. O Lázaro de Browning volta a descobrir, como uma criança apavorada, as coisas pequenas e evidentes deste mundo; o de Andréev, depois de passar pela morte, sente que aqui na terra tudo é inconsistente e que o aniquilamento é o fim. Desolado e aterrorizado, foge da companhia dos homens; no seu olhar atroz, que para os outros é insuportável, parece estar escrito o fim.
Esta história admirável, que pode, como se fosse um facto pessoal, modificar a nossa concepção do mundo, reflecte no seu espelho o doloroso destino de Andréev. Conheceu a pobreza de muito perto e foi perseguido pela vontade de se suicidar. O sucesso literário obtido por Os Sete Enforcados e por Abismo foi obscurecido pelas perseguições políticas que sofreu. Partidário da Revolução e incompreendido pelos companheiros, fugiu para a Finlândia, sob a ameaça de ser assassinado. Ali morreu pobre, como Lázaro, o seu protagonista, o seu duplo, desprovido de qualquer esperança”.
A editora Antígona publicou, em Dezembro de 2018, um colectânea de contos de Leonid Andréev, com tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra, onde não consta o conto escolhido por Borges para o seu volume da “Biblioteca de Babel”. Mas constam outros de igual qualidade.
Na sua sumula diz-se:
As Trevas e Outros Contos é uma viagem pelo universo de Leonid Andréev, onde, em cada recanto, espreitam os temas de eleição do autor e as suas obsessões. Neste punhado de textos intensos, alternam o quotidiano num hospício, onde se esbate a fronteira entre a sanidade e a loucura («Os Fantasmas», 1904), a crónica da morte anunciada do mandante de um massacre («O Governador», 1905), a releitura da traição de «Judas Iscariotes» (1907) e um retrato cru da sexualidade numa sociedade hipócrita («No Nevoeiro», 1902), que lhe valeu numerosas acusações de imoralidade – e elogios de Tchékhov. «As Trevas» (1907), conto que abre a colectânea e tido por um dos favoritos do autor, aproxima-nos do dilema de um bombista ingénuo e idealista, que, ao refugiar-se num prostíbulo antes do derradeiro atentado, se divide entre o fanatismo e um amor abnegado (Antígona).
Apoiante da Primeira Revolução Russa de 1905 e da Revolução democrática de Fevereiro de 1917, Leonid Andréev não aceitou a revolução bolchevique, considerando-a um golpe que instalou uma ditadura sanguinária. O terror bolchevique era encarado pelo escritor como um mal absoluto. Exilou-se na Finlândia perseguido pelos bolcheviques, onde morreu só e na miséria a 12 de Setembro de 1919.
A sua obra foi censurada pelas autoridades soviéticas até finais dos anos 50 do século passado.

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