A pedido do editor Franco
Maria Ricci, Jorge Luís Borges dirigiu uma colecção de obras fantásticas que à
maneira borgiana, se intitulou “A Biblioteca de babel” e foi um modelo de arte
tipográfica e de requinte bibliográfico. Foram publicados uns trinta volumes de
obras especialmente selecionadas e prefaciadas por este enorme escritor,
natural da Argentina, com ascendência transmontana.
A Editorial Presença,
começou a reeditar esta colecção em 2007, com as capas de origem. Em 2014 estavam
já reeditados os “Contos Argentinos”. E a partir daí perdemos-lhe o rasto.
Em 2010, foram reeditados
“Contos Russos”, onde selecionou três escritores russos: Dostoiévski, Andréev e
Tolstói.
De cada um escolheu um
conto. De Leonid Andréev, escolheu Lázaro. E diz-nos no prefácio:
“Pode ser considerada arbitrária a vizinhança, neste
volume, de Andréev e de Dostoiévski. Deveria no entanto observar-se que os dois
coincidem no ímpeto patético e na desconsolada visão de um mundo hostil. É
habitual falar-se da polémica entre realismo e simbolismo. Esquece-se que estas
escolas assumiram traços e significados diversos nos diferentes países e em
cada caso. Leonid Andréev (1871-1919), foi, à sua maneira eslava, um devoto
eminente de ambas as paróquias.
Ao realismo correspondem Savva e Anfissa; ao simbolismo,
A Vida do Homem, Anátema, O Oceano e As Máscaras Negras. Escolhemos para este
livro a história intitulada Lázaro. Em 1855, o escritor inglês Robert Browning
tratara o mesmo tema numa curiosa e longa poesia. O Lázaro de Browning volta a
descobrir, como uma criança apavorada, as coisas pequenas e evidentes deste
mundo; o de Andréev, depois de passar pela morte, sente que aqui na terra tudo
é inconsistente e que o aniquilamento é o fim. Desolado e aterrorizado, foge da
companhia dos homens; no seu olhar atroz, que para os outros é insuportável,
parece estar escrito o fim.
Esta história admirável, que pode, como se fosse
um facto pessoal, modificar a nossa concepção do mundo, reflecte no seu espelho
o doloroso destino de Andréev. Conheceu a pobreza de muito perto e foi
perseguido pela vontade de se suicidar. O sucesso literário obtido por Os Sete
Enforcados e por Abismo foi obscurecido pelas perseguições políticas que
sofreu. Partidário da Revolução e incompreendido pelos companheiros, fugiu para
a Finlândia, sob a ameaça de ser assassinado. Ali morreu pobre, como Lázaro, o
seu protagonista, o seu duplo, desprovido de qualquer esperança”.
A editora Antígona publicou,
em Dezembro de 2018, um colectânea de contos de Leonid Andréev, com tradução de Nina Guerra e Filipe
Guerra, onde não consta o conto escolhido por Borges para o seu volume da “Biblioteca
de Babel”. Mas constam outros de igual qualidade.
Na sua
sumula diz-se:
As Trevas e Outros Contos é
uma viagem pelo universo de Leonid Andréev, onde, em cada recanto, espreitam os
temas de eleição do autor e as suas obsessões. Neste punhado de textos
intensos, alternam o quotidiano num hospício, onde se esbate a fronteira entre
a sanidade e a loucura («Os Fantasmas», 1904), a crónica da morte anunciada do
mandante de um massacre («O Governador», 1905), a releitura da traição de «Judas
Iscariotes» (1907) e um retrato cru da sexualidade numa sociedade hipócrita
(«No Nevoeiro», 1902), que lhe valeu numerosas acusações de imoralidade – e
elogios de Tchékhov. «As Trevas» (1907), conto que abre a colectânea e tido por
um dos favoritos do autor, aproxima-nos do dilema de um bombista ingénuo e
idealista, que, ao refugiar-se num prostíbulo antes do derradeiro atentado, se
divide entre o fanatismo e um amor abnegado (Antígona).
Apoiante da Primeira Revolução
Russa de 1905 e da Revolução democrática de Fevereiro de 1917, Leonid Andréev
não aceitou a revolução bolchevique, considerando-a um golpe que instalou uma
ditadura sanguinária. O terror bolchevique era encarado pelo escritor como um
mal absoluto. Exilou-se na Finlândia perseguido pelos bolcheviques, onde morreu
só e na miséria a 12 de Setembro de 1919.
A sua obra foi censurada
pelas autoridades soviéticas até finais dos anos 50 do século passado.
Sem comentários:
Enviar um comentário