As campanhas
institucionais contra o racismo só estimulam o racismo: acicatam os ânimos e
acordam demónios adormecidos.
José António Saraiva - SOL
KALIDOU Koulibaly,
jogador de futebol de um clube italiano, o Nápoles, nascido em França e de
origem senegalesa, foi alvo de ataques racistas durante um jogo do seu clube
com o Inter de Milão. Os adeptos mais fanáticos (que em Itália se chamam
tiffosi) da equipa milanesa passaram o jogo a chamar nomes a Koulibaly e a
entoar cânticos depreciativos - e ele acabou por enervar-se, reagir e ser
expulso do campo.
Os desacatos haviam
começado muito antes.
Ainda fora do estádio,
um adepto do Inter tinha sido atropelado e morto por uma carrinha cheia de
apoiantes do Nápoles.
No fim de tudo, e em
consequência da atitude racista dos seus adeptos, o Inter de Milão foi punido
com dois jogos à porta fechada.
Assim vai o futebol em
Itália.
MAS A ITÁLIA não é um
caso isolado. Um pouco por todo o mundo, o futebol tem-se mostrado um terreno
particularmente propício à violência e à manifestação de comportamentos
primários. E isso, sendo objetivamente mau, tem um lado positivo: servir de
escape às emoções reprimidas e às frustrações acumuladas nas sociedades
contemporâneas.
Em todas as épocas da
história da humanidade houve guerras, confrontos entre grupos, entre povos,
entre nações; ora, no nosso tempo, essas expressões violentas são canalizadas
para o futebol. Os jogos de futebol são o equivalente às batalhas dos tempos
antigos. Com muito menos mortos e regras aceites por todos - o que é um enorme
progresso.
Não se estranham, por
isso, os insultos, os ataques aos jogadores adversários, mesmo as batalhas
campais entre claques. Tudo isto faz parte do mesmo fenómeno de catarse
coletiva. E, assim sendo, se calhar não é bom tentar anuná-la completamente -
pois a violência reprimida irá manifestar-se noutras áreas, mais imprevisíveis
e menos controláveis.
No futebol, pelo
menos, a violência está circunscrita e os seus intérpretes identificados.
QUANTO AO PROBLEMA do
racismo, tenho uma opinião radicalmente contrária à partilhada pela maioria. E
julgo que a estratégia que tem vindo a ser seguida na luta contra este fenómeno
está basicamente errada.
A FIFA e a UEFA têm
multiplicado os apelos e as campanhas nesse sentido - ‘No to racism’,
‘Respect’, etc. - sem grandes resultados. Parece que esses apelos e campanhas
ainda atiçam mais os ânimos. Aliás, toda a propaganda que se tem feito à volta
deste caso de Koulibaly - com emotivas mensagens de solidariedade ao jogador, e
de sentido repúdio pelos ataques da claque do Inter - só contribuiu para
agravar a questão, remexendo na ferida.
A melhor resposta veio
do próprio jogador: «Orgulho-me da cor da minha pele» - disse. Esta é a atitude
certa. Por que razão chamar «preto» a alguém há de ser tomado como um insulto?
Por que não hão de os pretos ter orgulho na cor da sua pele, nas suas raízes,
nos seus antepassados, mesmo nos seus países?
O PIOR DE TUDO são os
negros que têm vergonha de o ser. Michael Jackson, por exemplo, que fez
tratamentos para ficar mais branco, e fez operações para adelgaçar o nariz,
para reduzir a grossura dos lábios, etc. Figuras patéticas como estas é que
devem envergonhar os negros - pois renegam as suas origens, ofendendo o povo a
que pertencem.
Estes, sim, devem
envergonhar a sua raça.
Pelo contrário, se
todos os negros, e mulatos, e amarelos que jogam no futebol europeu tiverem a
mesma atitude de Koulibaly, se disserem «Sou negro (ou mulato ou asiático) com
muito orgulho», não haverá razão para os adversários insistirem nos insultos.
Em África também se
usa com frequência a palavra ‘branco’ para designar um europeu e ninguém se
ofende com isso.
TENHO PARA MIM que as
campanhas institucionais contra o racismo só estimulam o racismo. Acicatam os
ânimos, acordam demónios adormecidos. Chamam a atenção para gestos que não têm
importância nenhuma, atribuindo-lhes intenções escondidas.
Pelo contrário, a
assunção do tom de pele, a libertação dos complexos, o falar naturalmente em
‘branco’ ou ‘preto’ sem se ver nisso problema, o orgulho nas raízes, o amor
pela nação de origem desestimulam o racismo e tornam-no inútil.
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