Vara representa a incapacidade de uma ética republicana afastar
definitivamente de cargos públicos quem não se mostra à altura das suas
funções.
João Miguel Tavares – jornal Público
Armando Vara deu entrada no estabelecimento prisional
de Évora, um pequeno passo para o próprio e um grande passo para a aplicação da
justiça em Portugal. Vara foi condenado a cinco anos de prisão efectiva por
tráfico de influências, e, segundo o PÚBLICO apurou, ele é o único
português preso pela prática de tal crime em todo o território nacional. Uma
maneira de ver isto é dizer que Vara teve muito azar. Outra maneira é dizer que
levou demasiados anos a ter muita sorte.
Eu diria que a segunda maneira reflecte com maior
exactidão aquilo que se passou do que a primeira. A prisão de Vara foi apenas uma surpresa no
sentido em que não se esperava que um ex-político com a sua importância fosse
um dia parar atrás das grades por causa de um negócio de sucata. Mas qualquer
leitor de jornais sabia, desde quase sempre, aquilo que Armando Vara era: o típico
videirinho arrancado a uma pacata existência de bancário em Trás-os-Montes
graças ao seu talento para escalar nas estruturas do Partido Socialista. Um
talento que o levou desde o modesto balcão da agência da Caixa Geral de
Depósitos de Vinhais até ao conselho de administração da luxuosa sede lisboeta
da CGD, com uma licenciatura feita à pressa pelo caminho (Vara necessitava de
ser licenciado para ser administrador da CGD e concluiu o curso – na
Universidade Independente, pois claro – três dias antes de ser nomeado por José
Sócrates).
Faltam em
Portugal escritores que dediquem livros a personagens como Vara; argumentistas
que escrevam séries de televisão sobre gente como Vara; músicos que componham
canções dignas do seu género de percurso; criadores de todo o tipo capazes de
inscrever políticos do calibre de Armando Vara na memória colectiva, já que
eles representam um tipo de personagem muito típica da democracia portuguesa,
enquanto destacados especialistas na vampirização do património público e dos
recursos estatais a partir das estruturas partidárias. Mas Vara representa
ainda uma outra coisa: a incapacidade de uma ética republicana afastar
definitivamente de cargos públicos quem não se mostra à altura das suas
funções.
Recorde-se
que a primeira grande polémica em que Armando Vara esteve envolvido ocorreu há
quase 20 anos, com a famosa Fundação para a Prevenção e Segurança (FPS). Nos
saudosos tempos de Guterres, em que se abriam fundações a pontapé para esturrar
dinheiro fora do perímetro do Estado e alargar os jobs for the boys,
a FPS tinha a grande missão de pôr de pé cartazes de prevenção rodoviária. Para
isso, abocanhou logo dois milhões, uma quinta (de Santo António, na Pontinha) e
um forte (de São João da Cadaveira, no Estoril). Autores da façanha: o ministro
Armando Vara e o secretário de Estado Luís Patrão, que de caminho encheram a
FPS com assessores seus. Com as notícias da fundação a enxamearem os jornais,
Vara e Patrão foram obrigados a sair do governo, com um empurrão de Jorge
Sampaio. Sobre eles, disse o então Presidente da República: “Há comportamentos
que são politicamente inaceitáveis num Estado de Direito.”
Mas são mesmo? Em 2005, Sócrates borrifou-se para o
passado de Vara e ofereceu-lhe um lugar na administração da CGD. E o mesmo
Sampaio que impôs a sua saída em 2000 condecorou-o, em Abril de 2005, com a
Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, pelos serviços prestados à
pátria – condecoração essa que é agora retirada com a
sua condenação. Portugal é um país giro. Armando Vara está preso. Falta apenas
tudo o resto.
Jornalista
NOTA DE RODAPÉ:
O balcão da CGD de onde saiu este cavalheiro, não foi o de Vinhais, mas sim o de Mogadouro.
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