A “formação” de professores confunde-se hoje com uma variante de comício,
com direito a discursos sem contraditório e aclamação de pé.
Ao longo dos últimos 15 anos, por entre as numerosas queixas feitas em
relação ao desinvestimento em algumas áreas da Educação Não-Superior, uma das
menos publicitadas, embora muito comentada em debates da especialidade, é a
relacionada com a “Formação Contínua” dos educadores e professores. Depois de
um período em que os apoios comunitários permitiram o seu florescimento (anos
90 do século XX) a um ponto que levantou reservas sobre a qualidade de parte da
oferta disponível, sucedeu-se um período de “racionalização” que se traduziu na
redução das verbas para os formadores e numa reconfiguração da rede de Centros
de Formação, que antes tinha uma base local ou mesmo municipal mas que se foi
“racionalizando” até a generalidade dos Centros servir, fora dos grandes
centros urbanos, as escolas e agrupamentos de pelo menos dois concelhos.
Com óbvias e admiráveis excepções, a par de novas práticas formativas de
excelente qualidade, cristalizaram-se muitas rotinas de outrora. Ou, mais
grave, a oferta formativa de muitos Centros ficou dependente das modas e
humores dos decisores políticos, perdendo autonomia e cedendo a estratégias
passageiras, com escassa coerência a médio prazo. Tivemos, a esse respeito,
diversas derivas em que a “formação” se começou a transformar em outra coisa.
Quem não se lembra da febre da formação em quadros interactivos ou em
supervisão pedagógica (que está de volta)?
Em simultâneo, com a revisão do Estatuto da Carreira Docente, foi eliminada
a possibilidade de os docentes faltarem às actividades lectivas para
participarem em iniciativas fora das formações “oficiais”, nomeadamente em
congressos, colóquios ou seminários relacionados com a sua actualização nas
áreas científicas de origem. Foi ridículo acompanhar muita retórica sobre a
necessidade de “aprendizagem ao longo da vida” enquanto se retirava essa
possibilidade aos próprios professores. Enquanto no Ensino Superior boa parte
da avaliação dos docentes passa pela prática da investigação, da produção
científica, da participação em eventos de intercâmbio de conhecimentos nas suas
áreas de formação inicial e de docência, no Ensino Básico e Secundário
instalou-se um modelo assente na mera replicação da ideologia dominante e em
formações de tipo doutrinário.
O relativo desinteresse em relação à Formação Contínua por parte de muitos
professores neste período resultou do facto de, durante cerca de uma década de
congelamento da progressão na carreira docente, a realização de acções de
formação não ter qualquer impacto concreto na sua vida profissional. Perante
uma avalanche de sucessivas macro e micro-reformas nas mais variadas áreas (do
currículo à gestão escolar, das regras da avaliação aos apoios para os alunos
com problemas de aprendizagem), a maioria dos docentes concentrou quase todo o
seu esforço em simplesmente sobreviver perante sucessivas vagas de um discurso
político e mediático hostil e que, de forma soez, os acusava de falta de
“mérito”.
Os anos da austeridade, associados à estagnação da carreira e à manutenção
de regras restritivas que deixam às direcções o poder arbitrário para aceitarem
ou não as faltas dos docentes para participar em formações durante o período
lectivo, foram demolidores nesta matéria.
Com a nova situação política, anunciada como de reversão e repetindo o
refrão da “valorização” da classe docente, seria de esperar uma inflexão. Que
aconteceu, é verdade, mas no sentido de transformar quase toda a formação em
momentos de propaganda em torno das crenças pessoais de uma clique
político-académica. E passou a existir uma vaga de “formações” (ou algo
apresentado como tal) em que avulta a presença de um governante ou de um dos
seus emissários mais próximos em digressão pelo país a espalhar a palavra dos
novos decretos (mesmo antes da sua aprovação). Sendo que nem existe a liberdade
de escolha acerca da frequência, porque surgem em forma de convocatória de
presença obrigatória, por vezes extensiva a parte dos alunos.
A “formação” passou a confundir-se com uma variante de comício, com direito
a discursos sem contraditório e aclamação de pé, a menos que se aspire ao index
local. A par da proletarização docente, aposta-se numa desqualificação
profissional, desprezando-se a actualização dos conhecimentos científicos, de
acordo com uma ideologia que volta a promover um pretenso saber “holístico” em
construção. Associada à ruptura geracional que já se verifica no recrutamento
docente, esta opção terá graves efeitos a médio prazo. Porque, ao contrário de
certos chavões simplistas, só pode ensinar quem sabe.
Professor do 2.º ciclo do Ensino Básico
Comentários:
1 - Se a realização de acções de formação não teve qualquer impacto
concreto na sua (deles) vida profissional, só podia ter acontecido por falta de
qualidade dessa formação. Ou tirou alguma formação que não tenha melhorado a
sua preparação para sua vida pessoal ou profissional, apesar da qualidade? Ah!
Está falar das progressões na carreira, que só não eram automáticas porque
exigiam o cumprimento de algumas formalidades...
E as formações de curta duração que apenas servem o lobby das editoras? Que
impacto visível tem a formação contínua na prática pedagógica quando, muitas
vezes, nem os pares sabem que foi feita? Valorização profissional de cada um/a,
é certo, mas que, não sendo partilhada e, muitas vezes, não aplicada, de nada
serve para o bem comum. Além disso, a formação contínua ao nível
científico-pedagógico pura e simplesmente não existe. O que atualmente existe é
o que refere Paulo Guinote: lavagem ao cérebro com as modas ministeriais! E os
Centros de Formação têm de alterar os seus objetivos, deixando de se guiarem
por modas!
A formação em Portugal é uma farsa, mais uma, independentemente da área.
Queres aprender ao longo da vida? Acho muito bem. Sê autodidacta, estuda por
ti, aplica-te todos os dias naquilo que queres aprender, ou inscreve-te e
frequenta um curso a sério. Formações só servem para pôr no curriculum uns
"diplomas" ocos.
2 – Como há muito vinha dizendo o ministro da economia de Passos Coelho, Álvaro
Santos Pereira, para que o país crescesse era necessário fazer-se
formação, e não pseudo-formação.
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