Ninguém lamenta e condena mais do que
nós, católicos, o mau exemplo dum sacerdote ou um crime por algum cometido. Mas
uma coisa é condenar e repudiar e outra é vomitar ódio.
Quem comete um crime deve pagar por ele.
Ninguém se importa que um padre se
sacrifique pelos seus paroquianos ou outros cidadãos. Que leve uma vida parca e
humilde. Ninguém!
Ninguém se importa com os que são
assassinados, presos e torturados, apenas por quererem fazer o bem ao próximo.
Mas, quando há um acto reprovável ou
criminoso o assunto é explorado até de uma forma obsessiva e doentia.
Os sacerdotes não são feitos da mesma
massa que os demais homens? Não podem errar? Mas quando alguns erram os outros
são exemplo para todos nós.
Os mandamentos cristãos e a moral
católica são exigentes e muitos poucos levaremos uma vida irrepreensível.
Por isso aconselho a leitura e
divulgação da carta de um padre que vem mais abaixo.
Grato.
Jorge Lage
Caro irmão e irmã jornalista:
Sou um simples sacerdote católico.
Estou feliz e orgulhoso da minha
vocação.
Há vinte anos que vivo em Angola como
missionário.
Vejo em muitos meios de informação,
sobretudo no vosso jornal, a ampliação do tema dos sacerdotes pedófilos, com
investigações de forma mórbida sobre a vida de alguns sacerdotes.
Falam de um de uma cidade nos Estados
Unidos dos anos '70, de outro na Austrália dos anos '80, e seguida de outros
casos recentes...
Certamente isto deve ser condenado!
Veem-se alguns artigos de jornal equilibrados,
mas também outros cheios de preconceitos e até de ódio.
O facto que pessoas, que deveriam ser
manifestação do amor de Deus, sejam como um punhal na vida de inocentes, provoca
em mim uma imensa dor.
Não existem palavras para justificar
tais ações. E não há dúvida que a Igreja não pode deixar de estar ao lado dos
mais fracos e dos mais indefesos. Portanto, todas as medidas que sejam tomadas
para a proteção e a prevenção da dignidade das crianças será sempre uma
prioridade absoluta.
Todavia, cria curiosidade a
desinformação e o desinteresse para milhares e milhares de sacerdotes que se
gastam para milhões de crianças, para muitíssimos adolescentes e para os mais desvantajosos
em todo o mundo!
Considero que, ao vosso meio de
informação não interesse saber que, eu em 2002, passando por zonas cheias de
minas, tenha devido transferir muitas crianças desnutridas de Cangumbe para
Lwena (em Angola), porque nem o governo se importava, nem as ONG's estavam autorizadas.
E penso que também não vos importa que eu tenha tido de sepultar dezenas de
criancinhas, mortas na tentativa de fugir das zonas de guerra ou procurando
regressar, nem que salvamos a vida a milhares de pessoas no México graças ao
único posto médico em 90.000 Km2, e graças também à distribuição de alimentos e
sementes.
Não vos interessa também saber que nos
últimos dez anos demos a oportunidade de receber educação e instrução a mais de
110.000 crianças...
Não tem uma ressonância mediática o
facto que, com outros sacerdotes, eu tive de fazer frente à crise humanitária
de quase 15.000 pessoas guarnições da guerrilha, após a sua rendição, porque
não chegavam alimentos nem do Governo, nem da ONU.
Nāo faz noticia que um sacerdote de 75
anos, Padre Roberto, todas as noites percorra a cidade de Luanda e cuide dos
meninos da rua, os leve para uma casa de acolhimento na tentativa de os
desintoxicar da gasolina e que às centenas sejam alfabetizadas.
Não faz notícia que outros sacerdotes,
como o Padre Stefano, se ocupem em acolher e dar proteção a crianças
maltratadas e até violadas.
E nāo é de vosso interesse saber que
Frade Maiato, não obstante os seus 80 anos, vá de casa em casa confortando pessoas
doentes e sem esperança.
Não faz notícia que mais de 60.000, entre
os 400.000 sacerdotes e religiosos, tenham deixado a própria pátria e a própria
família para servir os seus irmãos num leprosário, nos hospitais, nos campos de
refugiados, nos institutos para crianças acusadas de feitiçaria ou órfãs de
pais mortos por SIDA, nas escolas para os mais pobres, nos centros de formação
profissional, nos centros de assistência aos seropositivos... ou, sobretudo,
nas paróquias e nas missões, encorajando as pessoas a viver e a amar.
Não faz notícia que o meu amigo, Padre
Marco Aurelio, para salvar alguns jovens durante a guerra em Angola os tenha
conduzido de Kalulo até Dondo e no caminho de regresso à sua missão foi cravado
de balas; nāo interessa que frade Francesco e cinco catequistas, para ir ajudar
nas zonas rurais mais isoladas, tenham morrido na estrada num acidente; não
importa a ninguém que dezenas de missionários em Angola sejam mortos por falta
de assistência sanitária, por uma simples malária; que outros tenham morrido
por causa de uma mina ao ir visitar a sua gente. No cemitério de Kalulo
encontramos os túmulos dos primeros sacerdotes que chegaram a esta
região...nenhum deles chegou a completar os 40 anos!
Não faz notícia acompanhar a vida de um sacerdote “normal” na sua vida quotidiana, entre as suas alegrias e as suas dificuldades, enquanto gasta a própria vida, sem fazer ruído, a favor da comunidade pela qual está ao serviço.
Na verdade não procuramos fazer notícia,
mas procuramos simplesmente levar a Boa Nova, aquela que sem ruído iniciou na
noite de Páscoa.
Faz mais ruído uma árvore que cai do que
uma floresta a crescer.
O sacerdote não é nem um herói, nem um
neurótico.
É um simples homem que, com a sua
humanidade, procura seguir Jesus e servir os seus irmãos.
Nele existem misérias, pobreza e
fragilidade como em cada ser humano; mas existem também beleza e bondade como
em cada criatura...
Insistir de forma obsessiva e
persecutória sobre um tema, perdendo a visão do inteiro, cria realmente
caricaturas ofensivas do sacerdócio católico e é disto que me sinto ofendido.
Jornalista: procure a Verdade, o Bem e a
Beleza. Tudo isto o fará nobre na sua profissão.
Amigo... peço-lhe apenas isto...
Em Cristo,
Padre Martín Lasarte sdb
“O meu passado, Senhor, confio-o à tua
Misericórdia; o meu presente ao teu Amor; o meu futuro à tua Providência”.
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