A Lei do Compadrio é com frequência acompanhada pela Lei do Sonso.
Talvez lhe possamos passar a chamar “Lei Medina”.
Há legítimas razões para suspeitar que nesta terra não se faz uma
única empreitada pública acima de três milhões de euros, nem um prédio acima de
quatro andares, sem que de alguma forma esteja envolvido dinheiro sujo ou troca
de favores. Chamemos-lhe a Lei do Compadrio: “Em qualquer negócio onde o
envolvimento do Estado seja indispensável e os fundos envolvidos relevantes, a
probabilidade de alguém encher ilegitimamente os bolsos aproxima-se dos 100%.”
Eu escrevo três vezes por semana nesta página e não me chegam os
textos para falar de todas as suspeitas credíveis que têm surgido em Portugal
nos últimos anos. Mas não desesperemos, que a partir daqui podemos olhar para o
copo meio cheio ou meio vazio. Meio vazio: o país está perdido e cada vez mais
corrupto. Meio cheio: o país sempre foi profundamente corrupto, mas a justiça tem
hoje uma capacidade de investigação e um desejo de escrutínio que não existia
no passado. Eu sou um optimista, e opto pelo copo meio cheio. Acredito que
aquilo que tem acontecido nos últimos anos, muita à boleia da tragédia
socrática e de uma crise que tornou estes comportamentos particularmente
obscenos (o caso de Pedrógão é, nesse aspecto, exemplar), é uma atenção
redobrada à trafulhice, e a consciência de que a relação dos portugueses com o
Estado é de mútua predação: o Estado enche-se com os impostos de todos para
depois esvaziar parte para os bolsos de alguns.
Esta semana o semanário Sol e o jornal i recuperaram uma história
antiga sobre o novo arranha-céus de Picoas. Notícias sobre o tema existem há
muito, incluindo uma invasão de terrenos públicos no decorrer da obra, perante
a compreensão da câmara – o que pareceu, desde logo, indiciar uma relação de
privilégio. Não admira. Durante mais de 20 anos, o dono do terreno tentou obter
o licenciamento de vários projectos, mas a volumetria aprovada ficou sempre
aquém das suas expectativas. Em 2011 conseguiu a aprovação de um edifício de
sete pisos. Entretanto, hipotecou o terreno ao BES por 15 milhões de euros.
Veio a crise e decidiu vendê-lo ao banco por um euro. Subitamente, eis que se
dá uma milagrosa mudança de PDM – e os pisos permitidos passaram de sete para
17. Quanto terá valido essa decisão?
Fernando Medina esteve esta semana na SIC e o jornalista Bernardo
Ferrão fez-lhe a pergunta: “A Torre de Picoas está avaliada em cerca de 120
milhões de euros, e o terreno onde foi erguida era de um empresário que achava que
podia ali construir entre 12 a 14 mil metros quadrados. Foi-lhe dito que não,
que não o podia fazer. Ele acabou por vender o terreno ao BES por um euro, e
depois o PDM foi alterado. A capacidade de construção aumentou para 24 mil
metros quadrados e fez-se esta torre. Isto não é suspeito, Fernando Medina?”
Fernando Medina respondeu: “Não, não é suspeito.”
E pronto. Foram estas as (não) explicações
que o senhor presidente da câmara deu aos seus cidadãos. Sejamos justos: Medina
disse ainda ter estudado o caso “à exaustão desde muito antes de estar na
Câmara de Lisboa” (fiquei curioso sobre esse estudo, mas ninguém aprofundou) e
garantiu que tudo se passou de “forma totalmente correcta, pública e
transparente”. Só não explicou como, nem porquê. A Lei do Compadrio é com
frequência acompanhada pela Lei do Sonso: “Sobre qualquer negócio suspeito, a
probabilidade de alguém dar explicações correctas, públicas e transparentes
aproxima-se do zero.” Talvez lhe possamos passar a chamar “Lei Medina”.
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