segunda-feira, 17 de setembro de 2018

12 anos é muito tempo?




José António Saraiva

A recondução ou não da procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, transformou-se lamentavelmente numa questão política.

Sem disfarces, a direita apoia a recondução da procuradora e a esquerda quer a sua substituição.
Porquê?
Por, no seu mandato, Marques Vidal ter protegido a direita e perseguido a esquerda?
Não.
Para não ir mais longe, o processo dos Vistos Gold, que levou à demissão um ministro do PSD - Miguel Macedo -, foi iniciado neste período.
É certo que houve alguns excessos e um ou outro passo em falso, como as buscas no Ministério das Finanças por causa de uns bilhetes para o futebol pedidos pelo ministro Mário Centeno, mas a gaffe foi prontamente corrigida.
E de qualquer modo, numa área como esta, é preferível pecar por excesso do que por defeito - como aconteceu em mandatos de procuradores anteriores, em que foram destruídas provas e se criou um sentimento de impunidade.
A razão de ser da hostilidade da esquerda relativamente a Joana Marques Vidal tem outra origem e tem um nome: José Sócrates.
Enquanto o anterior procurador, Pinto Monteiro, protegeu ostensivamente Sócrates - e, depois de sair, não se escusou de ir ao lançamento do seu primeiro livro e de almoçar com ele nas vésperas da prisão -, Marques Vidal avançou com o processo Marquês e não cedeu a pressões políticas, a chantagens ou a compadrios.
Ora, José Sócrates continua a ser uma espinha cravada na garganta da esquerda e sobretudo do PS.
Mesmo aqueles que cortaram com Sócrates, não gostam que este seja perseguido pela Justiça.
E mais: se o processo chegar a julgamento, será muito incómodo para António Costa, pois vários dos seus ministros - e ele próprio - estiveram em governos de José Sócrates e serão ouvidos como testemunhas.
Por isso, o PS vai fazer os possíveis e os impossíveis para que o processo não chegue ao fim, e para isso é importante que Joana Marques Vidal não seja reconduzida.
Claro que os socialistas não vão invocar razões políticas mas sim questões formais, como a extensão do mandato.
Já há muita gente a dizer que 12 anos é muito tempo.
Mas então, pela mesma lógica, o Presidente da República não deveria poder ser reeleito - já que entre 10 e 12 anos a diferença não é muito grande…
O argumento do tempo, para mim, não faz nenhum sentido.
Pelo contrário: vejo-o como uma vantagem.
Defendi que deveria ter sido possível a continuação de Mário Soares no cargo de Presidente para além dos dois mandatos.
Noutro plano, o FC Porto só tem retirado benefícios da presença de Pinto da Costa ao leme durante tanto tempo.
E eu próprio vivi essa experiência: estive 23 anos à frente do Expresso, e este foi o período de maior sucesso da história do jornal em termos de vendas, de audiências e de resultados financeiros.
A presença do líder durante largo tempo num cargo, promovendo a estabilidade, é boa para todos: para a instituição, que vive em paz interna, e para o exterior, pois funciona como fator de confiança.
Inversamente, as mudanças frequentes de responsável geram instabilidade, provocam solavancos e alterações a todos os níveis da estrutura - desde o secretariado aos postos mais altos da hierarquia -, conduz a atrasos e inflexões de estratégia, e tudo isto sem qualquer contrapartida razoável.
O grande argumento a favor da mudança de líder é o combate à rotina e à estagnação - mas isso aplica-se pouco a um organismo judicial, no qual contam sobretudo a independência e o rigor.
O lugar que mais justificará a limitação de mandatos será a presidência das câmaras, pois aí as pressões diretas são muito fortes, os interesses que giram à volta dos executivos camarários são inúmeros e tendem a estabelecer-se cumplicidades.
Fora isso, não vejo grande vantagem na limitação de mandatos.
Se uma pessoa é competente e a instituição funciona, por que correr o risco de a substituir por outra cuja adaptação ao cargo é incerta?
Aliás, pergunto: a defender-se este princípio, não seria mais lógico haver um limite de mandatos para o Governo?
Os eventuais vícios de um prolongado tempo no cargo não se manifestarão mais num órgão executivo como o Governo do que num órgão judicial como a Procuradoria da República?
O argumento de que 12 anos é muito tempo é uma pura falácia para esconder razões políticas.
A esquerda quer evitar o julgamento de Sócrates, pois esse será em boa parte o ‘julgamento do regime’ - e, de um modo mais restrito, o julgamento do PS como partido de governo.
Ora, tendo a esquerda já visto que esta procuradora-geral não é pressionável, a única esperança de evitar o julgamento (se as diligências judiciais dos arguidos falharem, como é previsível), é tentar substituí-la por uma pessoa mais ‘maleável’.
Sobra um pequeno problema: o Presidente da República.
Já se percebeu que Marcelo Rebelo de Sousa gostaria de manter Joana Marques Vidal no cargo - pois é uma garantia de competência e de independência, que prestigia a Justiça portuguesa, cá e lá fora.
Só que António Costa tem outra ideia - e aí o Presidente não pode fazer nada.
Por lei, o PR só tem de aprovar ou não o nome que António Costa lhe apresentar - não pode sugerir nomes.
Costa vai pois mandar um nome a Marcelo, que não será Marques Vidal; se Marcelo o vetar, Costa mandará outro; e assim por diante, até Marcelo se cansar.
António Costa não gosta de afrontar Marcelo Rebelo de Sousa, mas esta questão é demasiado importante para os socialistas cederem à vontade do Presidente da República.

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