Para o Bloco de Esquerda, que passa o
tempo a sugerir proibições, tudo o que abomina é “fascista”: eu, você, dois
terços do eleitorado, quatro quintos do Ocidente, nove décimos do mundo
democrático...
O culto religioso dos ídolos. A
exaltação da “juventude”. O desejo de educar as massas. A veneração da “pureza”
e do “ideal”. A simplicidade totalitária. A obsessão pela “dinâmica” e pelo
“progresso”. O apego a visões míticas. A promoção de dogmas. O recurso à censura.
A recusa do capitalismo. A necessidade de bodes expiatórios. O apreço selectivo
pelos direitos humanos. A centralização da economia. O asco pela ordem
anterior. O fascínio por uma ordem nova. O uso das “franjas” para a conquista
do “sistema”. A distribuição de privilégios pelas “cúpulas”. A invenção de
inimigos em prol da coesão interna. O desprezo pelos regimes representativos. O
anti-semitismo, perdão, sionismo. O anti-americanismo, perdão, americanismo. O
combate aos hereges. A estratégia de desmultiplicação por grupos postiços. O
ódio à liberdade, a de expressão e as demais. O controlo dos “media”. A
aplicação jovial da demagogia e da mentira. À semelhança de todas as
organizações comunistas, e salvaguardando pequenas ressalvas (a troca da “raça”
pela “classe”), o Bloco de Esquerda é técnica e evidentemente fascista.
Não quero sugerir que os seus dirigentes
deviam ser presos, ou pendurados num poste pela língua, ou no mínimo calados.
Dado que, ao contrário deles, não sou fascista, nunca me passou pela cabeça
abolir ou condicionar as opiniões de ninguém. Nos dias em que acordo do lado
certo, até me divirto com a retórica de maluquinhos, e acredito piamente que
quem não se ri com o Acampamento de Verão do Bloco de Esquerda morreu por
dentro. Nos dias restantes, posso ter pena, e tenho, de o país onde vivo sofrer
a catastrófica influência de um gangue de parasitas e alucinados, no exacto
sentido em que, nas respectivas épocas, resmas de russos, alemães, cubanos,
cambojanos, ugandeses, italianos ou venezuelanos lamentaram as desgraças que
lhes caíram em cima. Só isso. Não prezo o famoso paradoxo do sr. Popper, que
recomenda intolerância para com os intolerantes. Entre o risco e a proibição,
qualquer pessoa civilizada hesita imenso e acaba por preferir o primeiro. E
qualquer fascista escolhe num ápice a segunda.
Os fascistas do Bloco de Esquerda vivem
a sugerir proibições, numa actualização oportuna do chavão do Maio 68 que muito
estimam: “É proibido proibir – tudo o que não coincida com o pensamento e a obra
de Sua Eminência, Francisco Anacleto Louçã”. O resto é para dizimar com
urgência. A que título? O título de “fascista”, num curioso exercício do que o
vulgo designa por hipocrisia e os estudiosos por “projecção psicológica”,
leia-se o hábito de atribuir a outros características próprias. Tudo o que o
Bloco de Esquerda abomina é “fascista”: eu, você, dois terços do eleitorado,
quatro quintos do Ocidente, nove décimos do mundo democrático, etc. A sanha é
tal que, pelo caminho, acontece ao Bloco de Esquerda chamar “fascista” a
fascistas de facto. Ou quase.
Ao invés do paizinho, que partilha uns
95% do evangelho do Bloco de Esquerda, não consta que Marine Le Pen seja
exactamente fascista. Isso, porém, está longe de representar um obstáculo para
os discípulos do dr. Louçã. Há décadas, o dr. Louçã tentou em vão sabotar a
vinda a Portugal do sr. Jean-Marie. Agora, os discípulos repeliram com sucesso
a filha. Resumo, com fastio, os pormenores: a senhora fora convidada para
discursar num patetice intitulada Web Summit, presumivelmente dedicada à
inovação e à criatividade; o Bloco de Esquerda rosnou promessas de excomunhão;
os responsáveis pela patetice cederam aos transtornados e desconvidaram a
senhora; meio país achou o episódio justo e higiénico, como dantes se achava
justa e higiénica a fogueira para os ímpios; o governo e a oposição concordam
por aplauso ou omissão; Portugal continua a desfilar o género de modernidade em
que a Bolívia se especializou.
Perante o desfecho, o Bloco de Esquerda
supõe haver motivos para celebrar. Supõe mal. A cegueira infantil dos fascistas
impele-os com frequência a atitudes infantis, por exemplo a de acreditar que
impedir a participação da sra. Le Pen numa feira caipira impede a divulgação do
respectivo discurso. É chato (não é nada) informá-los, mas a tecnologia mudou
um bocadinho desde os bucólicos tempos do camarada Trotsky, em que um campo de
concentração chegava para obliterar definitivamente os infiéis, desculpem, “a
burguesia urbana e rural”. Hoje, o que quer que a sra. Le Pen defenda está
disponível através de inúmeros e incontroláveis meios. Se a rábula do Bloco de
Esquerda conseguiu alguma coisa foi convencer uma data de gente normalmente
desinteressada a pesquisar na “net” informação sobre a líder da Frente
Nacional. E depois a descobrir as abundantes parecenças da FN com o BE, ainda
que em versão menos ridícula. E menos fascista, passe a redundância.
O engraçado – cruz, credo – é que de
tanto se esconjurar fascismos duvidosos, o autêntico ameaça tomar conta disto.
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