Por BARROSO da FONTE |
Se Virgílio Tavares vivesse em
Lisboa, Porto ou Coimbra, as televisões e holofotes promocionais já teriam
projetado este investigador Moncorvense, ao nível do super sumo bibliográfico
do país. Mas como nasceu em Moncorvo e vive em Mirandela – talvez por
fidelidade às raízes – já vai 26 anos de criatividade literária. E o seu nome
doutoral, cheio de obras testadas, reeditadas e aplaudidas, não entra nas
redações dos programadores comunicacionais. É por isso que, cada vez mais,
vivemos no «país do faz de conta».
A mais mediática antologia de autores Transmontanos,
Durienses e da Beira Transmontana, chancelada pela Casa de Trás-os-Montes e
Alto Douro, de Lisboa e coordenada pelo docente Armando Palavras, inseriu, com
o merecido destaque, cinco páginas (403/408). Honra ao mérito! Ai se mencionam
cerca de vinte títulos de publicações de cariz monográfico, etnográfico e
histórico, de que é claro exemplo, a sua tese de doutoramento sobre o Associativismo
recreativo e Cultural do distrito de Bragança – o concelho de Mirandela: 1850 -
2004. Organizou diversas monografias quer de associações, de coletividades
e de temas, como: Bombeiros, Folclore, danças e até livros para crianças, como
o Peixinho Sável e o livro com Histórias.
No dia 5 deste mês apresentou, em
Mirandela, «Trajetos com Memórias», o seu mais recente trabalho de
investigação lusófona, descrevendo vidas de gentes comuns que cumpriram
destinos afins, em terras identificadas pela mesma língua e idêntica cultura.
A sua vasta e profícua produção
reflete-se nestes Trajetos com memórias. Neles são apresentados nove
trajetos de outras tantas personagens da sociedade, com quem nós convivemos. O
objetivo é transmitir memórias do percurso dessas pessoas que ainda não tenham
sido divulgadas. Uma boa maioria são pessoas que nunca expuseram as suas
memórias em livro. Outras são pessoas são figuras públicas, mas tentei, a
essas, descobrir memórias, aspetos da vida que sejam menos divulgados, escreve
na introdução.
Nos trajetos dessas pessoas está
inserida a História de Portugal e do mundo, pois foram pessoas que viveram
parte da sua vida em Angola, Moçambique, Austrália, Venezuela, Lisboa, Índia,
Canadá, e, nas nossas aldeias de Trás-os-Montes, bem como de usos e costumes do
seu tempo, pois muitas deles andam a rondar ou passam os 80 anos. Uma esteve na
independência da Índia. Já faleceu. E é através da esposa e do cruzamento de
dados e ainda de outras paragens, ora de Moçambique, ora de Angola na Guerra do
Ultramar; outra foi retornada de Moçambique. Há um Padre, um ex - presidente da
Câmara, um Alferes, um escritor consagrado e outras pessoas que exerceram
diferentes profissões. São 4 do concelho de Moncorvo, 4 do concelho de
Mirandela e uma de Bragança. Esclarece o Autor:«o valor deste trabalho permite
compreender o presente, dando a conhecer o passado desses espaços e das gentes
que por eles passaram, que neles viveram e que
neles contribuíram para a sua evolução. É, assim, a vida do homem que
constrói vivendo, para legar melhores condições e continuidades às gerações
seguintes.
Estes percursos de vida ajudam a
construir o nosso próprio mundo, esta sociedade e esta comunidade em que
vogamos, como um barco no alto mar. São estórias de vida local que é
indispensável para a construção da história nacional. Obviamente são vivências
intemporais que recuam aos inícios do século XX e que prosseguem pelas décadas
mais conturbadas, com altos e baixos, próprios de um tempo inseguro, infértil e
indeciso e, por isso mesmo, a precisar de explicação, visto que foi o século
mais perturbado, com factos como: a troca da monarquia pela república; as
quatro fases por que passou; a dureza do Estado Novo; a guerra do ultramar; o
êxodo da emigração que desertificou o país e o golpe militar do 25 de Abril que
tão mal explicado tem sido, noutros quase 48 anos, de liberdade excessiva, em
troca de segurança a menos e de instabilidade a mais.
Trajetos com memórias constitui a cartilha popular mais certeira que fazia falta para
estabelecer o confronto entre as gerações, desde a proclamação da República
sanguinária à democracia titubeante que é, excelentemente retratada na «década
de 70 do século XX – tempos revolucionários» (p.128). Se os nove trajetos
iniciais, descritos em linguagem exemplar, sublimam o carácter, a tenacidade e
o humanismo das personagens, a essência temática do referido capítulo,
constitui a cereja em cima do bolo, pela autenticidade factual, pela isenção
como é reproduzida, pela oportunidade temporal e pelo público a que o livro se
destina. Até nisto Virgílio Tavares faz doutrina para a classe mais eufórica
que se excita com extremismos narcisistas e pindéricos. Este livro é o
contra-ponto entre o país prometido e o país vivido, o verso e o anverso, o
mito e a realidade.
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