Alberto
Gonçalves – OBSERVADOR
“Os Maias” são demasiado explícitos na chacota do
pardieiro em que vivemos, o que aborrece os donos do pardieiro e os leva a
preferir “humanistas” como Alegre ou as senhoras da colecção “Uma
Aventura".
Em Coimbra, um par de homossexuais foi espancado por
um grupo aos gritos de “paneleiros” e “pedófilos”. Quando meio mundo se
preparava para execrar o crime de ódio, escrever panfletos inflamados,
organizar vigílias e exigir adendas à lei, descobriu-se nas entrelinhas da
notícia que os agressores eram uma família de ciganos. O assunto, pelo menos na
perspectiva inicial, morreu ali. E, com o cheiro a travões ainda no ar, as boas
consciências transferiram a indignação face à homofobia para a indignação face ao
racismo. De repente, o problema deixou de ser os dois infelizes agredidos e
tornou-se o destaque, naturalmente desajustado, que os “media” deram à “etnia”
dos agressores. Sou testemunha: em mais do que um jornal, a palavra “cigano”
irrompia, abusiva e zombeteira, nos fundilhos do texto, prova cabal de que o
incidente apenas serviu de pretexto à calúnia de uma “comunidade” a que tanto
devemos. Não é mau jornalismo, é péssimo. Claro que a identificação só se
justificava se se conhecesse, na longa, nobre e progressista tradição cigana,
algum vestígio de intolerância para com os gays ou, já agora, qualquer forma de
vida “alternativa”. Evidentemente, não é o caso. Com a eventual excepção dos
militantes do Hamas, não existe cultura tão permissiva à liberdade sexual. O
povo roma (assim é que é), modelo de abertura, não discrimina nada nem ninguém.
Então porque é que a tal família bateu nos tais rapazes? Porque os ciganos
batem democrática e impunemente em toda a gente, ora essa.
2º dia
O ministro da Defesa afirmou não saber que parte do
material roubado em Tancos ainda não foi recuperado. Revelada em todos os
momentos do processo, a coerência do homem impressiona. Começou por não saber a
dimensão do roubo, prosseguiu a não saber se existira roubo e agora não sabe se
o produto do roubo apareceu ou não. De caminho, é provável que também não saiba
o que é Tancos, a função que ele próprio desempenha no governo e o nome de
baptismo. O facto de o dr. Azeredo regressar a casa todos os dias sem se perder
é, no mínimo, um milagre.
3º dia
A presidente do Infarmed garantiu que a
“deslocalização” (sic) da instituição é uma ameaça à saúde pública em Portugal
e no mundo. Talvez haja aqui exagero, mas no que toca à saúde mental na cidade
do Porto os riscos são óbvios.
4º dia
Rebentou um pequeno escândalo porque “Os Maias”
deixaram de ser leitura obrigatória no liceu. Meia dúzia de pontos. Primeiro,
parece que a obra é facultativa desde 2002, prova de que a indignação, embora
implacável, foi decidida com vagar. Segundo, é absurdo interromper a atenção
das crianças em volta das novas tecnologias (publicar fotos no Instagram e
assim) para maçá-las com formas de comunicação anacrónicas. Terceiro, ao que se
vê por aí, a antiga obrigatoriedade de Eça não convenceu várias gerações de portugueses
a escrever bom português, ou sequer a escrever português de todo. Quarto, se a
criança for normalzinha, a conotação de um livro com a escola é suficiente para
dedicar-lhe o tipo de afeição que se dedica à sarna, pelo que o currículo
oficial deveria limitar-se a produtos oficiais, género Mia Couto e os
novíssimos romancistas caseiros. Quinto, “Os Maias” são demasiado explícitos na
chacota do pardieiro em que vivemos, o que naturalmente aborrece os donos do
pardieiro e os leva a preferir autores “humanistas” como Manuel Alegre, as
senhoras da colecção “Uma Aventura” e aquele mãe com minúscula. Sexto, a
demonstração de que o liberalismo nacional vai longe está no facto de mesmo os
liberais acharem que compete ao Estado escolher as leituras, os interesses e
provavelmente os sapatos dos filhos. Sétimo, os indignados que vão chatear o
Camões, fingindo que o lêem.
5º dia
Se descontar o assassínio de inocentes, as simpatias
estalinistas, os surtos de anti-semitismo e a facilidade com que caipiras o
elevaram a santo, consigo simpatizar com Nelson Mandela. A verdade é que, no
poder, podia ter aberto a temporada de vingança e decretado o puro genocídio.
Não só não o fez como, salvo percalços, ajudou a manter a harmonia possível em
condições impossíveis. Dito isto, não percebo a que título se enxovalha a
memória do homem através de um festival comemorativo dos 100 anos do seu
nascimento. A coisa, parcialmente paga pela autarquia com dinheiro subtraído ao
contribuinte, decorre em Matosinhos, literalmente a dois passos de minha casa,
e pretendia ser um evento musical. Por azar, apenas arranjaram o moço dos
Aerosmith, o sr. Geldof (juro) e mais uns nomes que desconheço. Não preciso
conhecer: aqui na sala soa tudo ao mesmo, uma vibração maligna que se propaga
pelas paredes e termina nos meus tímpanos. Pelo meio, deixa-me os cães em
alvoroço. O estranho é que, apesar de tamanho suplício, não fiquei a detestar
Nelson Mandela. Pelo contrário, passei a compreendê-lo melhor, sobretudo a
parte em justifica o terrorismo com as situações extremas, e desumanas, que o
fomentam.
6º dia
Como dizia o Ricardo Araújo Pereira, meter-se na
droga é de homem. Infelizmente, em Portugal nem isso. Um festival de variedades
a realizar em Idanha-a-Nova vai beneficiar de um serviço de controlo dos
estupefacientes que os choninhas tencionam consumir. O serviço, gratuito,
estará a cargo do Estado e o festival diz-se “alternativo”. Alternativo a quê?
7º dia
Enquanto se descobria que os donativos às vítimas de
Pedrógão Grande terminaram em casas de borlistas, o governo ofereceu à Suécia
ajuda para combater os incêndios locais. Fez bem: no meio da tragédia, os
suecos precisavam de um alívio cómico.
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