Enquanto esta mentalidade perdurar, não há nada a
fazer. Teremos sempre Pedrógão. Como teremos sempre a PT.
Olhar para as capas das revistas Sábado e Visão na
passada quinta-feira, bem juntinhas numa banca de jornais, era uma dor de alma.
Na capa da Sábado tínhamos Ricardo Salgado, José Sócrates, Henrique Granadeiro
e Zeinal Bava, e por cima o título “O assalto à PT – Saiba como eles destruíram
a maior empresa portuguesa”. Lá dentro havia pormenores inéditos sobre a queda
da PT e a informação – para que todos tenhamos uma boa noção do valor ali
destruído – de que em 20 anos a empresa distribuiu “11,7 mil milhões de euros
de dividendos” por “pequenos e grandes accionistas”. A capa da Visão, por seu
lado, trazia a investigação sobre o chocante aproveitamento dos dinheiros de
Pedrógão para a reconstrução irregular de casas: “O truque de alterar a morada
fiscal, depois dos incêndios, funcionou: várias habitações foram reabilitadas,
apesar de já estarem em ruínas antes do fogo ou de nem serem residência permanente
dos proprietários.”
Aquelas duas capas, postas lado a lado, dizem mais
sobre Portugal do que uma estante inteira de livros de Sociologia, História e
Ciência Política. Elas explicam exemplarmente o fracasso do país, a sua
incapacidade de convergir com os países mais avançados, a nossa eterna presença
na cauda da Europa, esta sensação angustiante de estarmos sempre a perder o
comboio do desenvolvimento. Sobre o escândalo da PT, do BES ou do governo
Sócrates já muito foi dito e escrito. Não vale a pena repetir-me, ainda que
todos os dias me continue a perguntar como foi possível. Mas a investigação
sobre as casas de Pedrógão, onde é revelado um desvio de fundos na ordem do
meio milhão de euros – valor significativo quando olhamos para o montante
global da reconstrução (dez milhões), mas ridículo face à dimensão das grandes
golpadas – na recuperação de habitações inelegíveis ou não-prioritárias, é tão
relevante para a explicação dos constrangimentos do país quanto o
desaparecimento da PT.
O esquema que está na base do desvio de dinheiro de
Pedrógão – a alteração da morada fiscal, para fazer passar uma segunda morada por
primeira – é comum a outras situações. Os deputados da nação fazem o mesmo para
receber indevidamente subsídio de deslocação – e os serviços do Parlamento
dizem que não é nada com eles. Tal como a recente mudança nas regras de acesso
às escolas provocou uma corrida à alteração da morada fiscal no cartão de
cidadão – parece que ainda ficou mais fácil do que antes aldrabar o local onde
se vive.
Há mais. Perante todas as suspeitas, veja-se a
postura do presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Valdemar Alves. Primeiro,
não respondeu às perguntas da Visão. Depois, disse à TV que era “uma afronta” e
“uma perseguição”. Seguiram-se queixas de “denúncias de má-fé” e de ser um
“trabalho jornalístico encomendado”. E concluiu dizendo que é “inveja do
trabalho que foi feito”. É o método socrático da cabala aplicado na perfeição.
Eis a triste verdade: Portugal não é para gente
honesta. Isto não significa que não existam pessoas honestas, mas que a relação
dos portugueses com o Estado é em simultâneo de dependência e de desconfiança,
o que se traduz numa cultura de arranjinhos, à qual só os parvos não aderem.
Ninguém sente que o dinheiro do Estado é de todos – o dinheiro do Estado é de
ninguém. Apropriarmo-nos dele através de golpes grandes ou pequenos demonstra
inteligência, não falta de carácter. E enquanto esta mentalidade perdurar, não
há nada a fazer. Teremos sempre Pedrógão. Como teremos sempre a PT.
Jornalista
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