sábado, 28 de abril de 2018

Os corninhos de Manuel Pinho eram para nós


João Miguel TavaresPúblico

Os anos socráticos não foram o desvario de um homem solitário, especialmente dado à manipulação e à ladroagem, mas o zénite de um regime profundamente corrupto.
A partir do momento que descobrimos que Manuel Pinho é suspeito de ter continuado a receber 15 mil euros mensais do BES enquanto ocupou o cargo de ministro da Economia, aquilo que surge diante de nós é a primeira prova de algo que se adivinhava há muito – os anos socráticos não foram o desvario de um homem solitário, especialmente dado à manipulação e à ladroagem, mas o zénite de um regime profundamente corrupto, que envolveu as maiores figuras da política, da banca e da economia.
Harry G. FrankfurtAquelas pessoas não chegaram lá acima e depois tornaram-se corruptas; aquelas pessoas só chegaram lá acima porque já eram corruptas. A diferença entre uma coisa e outra é imensa. O que assistimos em Portugal não foi ao poder a deixar-se corromper (acontece em todo o lado), mas sim à corrupção a chegar ao poder (acontece apenas em ditaduras ou em simulacros de democracia). Apesar de tudo, são duas formas bem distintas de roubar um país. No primeiro caso, o problema resolve-se prendendo os corruptos. No segundo caso, é indispensável uma profunda reflexão sobre a natureza de um regime que se deixa dominar anos a fio por um conjunto de distintos malfeitores, e avaliar por que razão os quatro poderes fracassaram estrondosamente no exercício de vigilância mútua.
O que o novo caso Manuel Pinho demonstra é que os pesos e contrapesos do regime português se afundaram no pântano socrático. E perante isto há três tipos de reacção possível: 1) admitir o problema; 2) negar o problema; 3) relativizar o problema. Esta semana assistimos, por parte de membros destacados do Partido Socialista, aos três tipos de reacções.
1) Admitir o problema. Coube a Ana Gomes, mais uma vez, a única reacção decente perante tudo aquilo que vamos sabendo. Escreveu no Twitter: “O PS não pode continuar a esconder a cabeça na carapaça da tartaruga. O próximo congresso é uma oportunidade para escalpelizar como se prestou a ser instrumento de corruptos e criminosos. Pela regeneração do próprio PS, da Política e do País.” Tudo dito e bem dito.
2) Negar o problema. A Arons de Carvalho coube esta semana o papel de porta-voz socrático. Em entrevista ao i disse que “a posição de Ana Gomes é um erro colossal”, considerou que uma pessoa viver “com dinheiro emprestado” não é “reprovável”, e apresentou o mantra dos actuais defensores de Sócrates, que não podendo mais continuar a jurar a sua inocência sem fazerem figura de parvos, optam por declarar: “Quer o Manuel Pinho, quer o José Sócrates, não foram ainda condenados. Temos de esperar sem intervir e sem comentar.” Portanto, já sabem: tudo caladinho até 2028.
3) Relativizar o problema. Como de costume, coube a Carlos César e a Jorge Coelho o papel de cucos do PS. Os paninhos quentes que têm tido em relação a Sócrates não tiverem em relação a Pinho. Carlos César: “Se isso aconteceu, é uma situação incompreensível e lamentável.” Jorge Coelho: “Acho essa questão tão grave, tão inédita, que nem quero acreditar que seja verdade.” Pinho, que nem sequer tem cartão de militante, dá jeito como bode expiatório de uma certa indignação socialista. O PS critica-o a ele e não ao outro, simula alguma virtude, assobia para o ar como se não fosse nada, e o país fica sentado à beira do caminho, aguardando que um dia lhe expliquem como foi isto possível.
A fórmula dessa possibilidade está à vista: foi possível porque poucos admitiram, muitos negaram e quase todos relativizaram. Assim aconteceu em 2009. Assim continua a acontecer em 2018.

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