Os anos socráticos não
foram o desvario de um homem solitário, especialmente dado à manipulação e à
ladroagem, mas o zénite de um regime profundamente corrupto.
A partir do momento que
descobrimos que Manuel Pinho é suspeito de ter continuado a receber 15 mil
euros mensais do BES enquanto ocupou o cargo de ministro da Economia, aquilo
que surge diante de nós é a primeira prova de algo que se adivinhava há muito –
os anos socráticos não foram o desvario de um homem solitário, especialmente
dado à manipulação e à ladroagem, mas o zénite de um regime profundamente
corrupto, que envolveu as maiores figuras da política, da banca e da economia.
Aquelas pessoas não
chegaram lá acima e depois tornaram-se corruptas; aquelas pessoas só chegaram
lá acima porque já eram corruptas. A diferença entre uma coisa e outra é
imensa. O que assistimos em Portugal não foi ao poder a deixar-se corromper
(acontece em todo o lado), mas sim à corrupção a chegar ao poder (acontece
apenas em ditaduras ou em simulacros de democracia). Apesar de tudo, são duas
formas bem distintas de roubar um país. No primeiro caso, o problema resolve-se
prendendo os corruptos. No segundo caso, é indispensável uma profunda reflexão
sobre a natureza de um regime que se deixa dominar anos a fio por um conjunto
de distintos malfeitores, e avaliar por que razão os quatro poderes fracassaram
estrondosamente no exercício de vigilância mútua.
O que o novo caso
Manuel Pinho demonstra é que os pesos e contrapesos do regime português se
afundaram no pântano socrático. E perante isto há três tipos de reacção
possível: 1) admitir o problema; 2) negar o problema; 3) relativizar o
problema. Esta semana assistimos, por parte de membros destacados do Partido
Socialista, aos três tipos de reacções.
1) Admitir o problema.
Coube a Ana Gomes, mais uma vez, a única reacção decente perante tudo aquilo
que vamos sabendo. Escreveu no Twitter: “O PS não pode continuar a esconder a
cabeça na carapaça da tartaruga. O próximo congresso é uma oportunidade para
escalpelizar como se prestou a ser instrumento de corruptos e criminosos. Pela
regeneração do próprio PS, da Política e do País.” Tudo dito e bem dito.
2) Negar o problema. A
Arons de Carvalho coube esta semana o papel de porta-voz socrático. Em
entrevista ao i disse que “a posição de Ana Gomes é um erro colossal”,
considerou que uma pessoa viver “com dinheiro emprestado” não é “reprovável”, e
apresentou o mantra dos actuais defensores de Sócrates, que não podendo mais
continuar a jurar a sua inocência sem fazerem figura de parvos, optam por
declarar: “Quer o Manuel Pinho, quer o José Sócrates, não foram ainda
condenados. Temos de esperar sem intervir e sem comentar.” Portanto, já sabem:
tudo caladinho até 2028.
3) Relativizar o
problema. Como de costume, coube a Carlos César e a Jorge Coelho o papel de
cucos do PS. Os paninhos quentes que têm tido em relação a Sócrates não tiverem
em relação a Pinho. Carlos César: “Se isso aconteceu, é uma situação
incompreensível e lamentável.” Jorge Coelho: “Acho essa questão tão grave, tão
inédita, que nem quero acreditar que seja verdade.” Pinho, que nem sequer tem
cartão de militante, dá jeito como bode expiatório de uma certa indignação
socialista. O PS critica-o a ele e não ao outro, simula alguma virtude, assobia
para o ar como se não fosse nada, e o país fica sentado à beira do caminho,
aguardando que um dia lhe expliquem como foi isto possível.
A fórmula dessa
possibilidade está à vista: foi possível porque poucos admitiram, muitos
negaram e quase todos relativizaram. Assim aconteceu em 2009. Assim continua a
acontecer em 2018.
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