A culpa é da Lua.
Pois é, é o diabo da Lua, que não se conforma com os meses nem com a órbita da Terra, e que demora um pouco mais de 29 dias e meio a passar de lua cheia a lua cheia. Na realidade, pelos cálculos atuais, demora uma média de 29,530587981 dias, ou seja, 29 dias 12 horas 44 minutos e 2,8016 segundos. Que número! E não é ainda um número exato.
Está aqui uma fonte de problemas para os nossos calendários – a outra é a inexistência de um número inteiro de dias num ano solar. Conclusão: não há um número inteiro de dias nos meses lunares, tal como não há um número inteiro de meses lunares num ano. Os meses legais tiveram de se adaptar e ter um número de dias variável.
Ora a Páscoa foi primeiro marcada seguindo o calendário judeu, que é um calendário lunissolar, respeitando as lunações. Seguia o Pessach, a Páscoa judaica. Pelo século III, os cristãos começaram a tentar outra datação, insatisfeitos com a desordem do calendário judaico, que permitia que a Páscoa se celebrasse antes do equinócio da Primavera. Dionísio, bispo de Alexandria e outras autoridades eclesiásticas verificaram que isso contradizia a regra então assumida, que a Páscoa seria celebrada num domingo, depois de uma lua cheia e depois do equinócio. Era o que admitia sobre a data da ressurreição de Cristo.
Hoje, a datação da Páscoa segue um processo rigoroso. Está baseada no calendário Gregoriano, estabelecido em 1582. É marcada como o primeiro domingo após a primeira lua cheia, durante ou após o equinócio da primavera. Cristóvão Clávio (1537-1612), matemático alemão que estudou em Coimbra e foi figura central na construção do novo calendário, estabeleceu tabelas que permitem calcular a data da Páscoa e construiu, com o italiano Aloísio Lílio (também chamado Luigi Giglio, ou Aloysius Lilius) um algoritmo para o cálculo dessas datas. Vários matemáticos construíram outros algoritmos de cálculo da Páscoa. O mais célebre deles deve ser o de Carl Friedrich Gauss (1777-1855).
Leu bem, leitor? É o primeiro domingo, após a primeira lua cheia, durante ou após o equinócio da primavera.
Como se isto não fosse já complexo, os acontecimentos podem não se registar nos mesmos dias legais em diferentes partes do globo. Este equinócio, por exemplo, registou-se na terça-feira 20 pelas 16h15 em Lisboa. Na mesma altura, eram 5h15 da madrugada de quarta-feira 21 na Nova Zelândia. Dois dias diferentes! A solução é a que se imagina: tudo está referido a Roma, ou melhor, ao Vaticano.
Nos dias de hoje, tudo isto é uma curiosidade: festejamos a Páscoa na data marcada no calendário. Mas houve tempos em que não era simples conhecer o equinócio, saber o dia do ano e fazer os cálculos. Cidades distantes e localidades isoladas deveriam festejar a Páscoa exatamente no mesmo dia. Por isso, a Páscoa foi um tremendo motor de desenvolvimento da astronomia. Construíram-se relógios e instrumentos solares nas igrejas, criaram-se as célebres meridianas. Procuraram-se processos de marcar os solestícios e equinócios, desenvolveram-se métodos astronómicos para caracterizar as datas e medir o tempo, estudaram-se as regularidades e as anomalias dos movimentos celestes. Os cristãos deveriam todos festejar a Páscoa na mesma data. E na data certa.
Boa Páscoa!
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