Manchete histórica do Washington Post de 1 de Julho de 1971: vitória da liberdade de informação
É uma espécie de fatalidade: tal como as andorinhas regressam todos os anos pela Primavera, também as aves canoras que se escandalizam com as "violações do segredo de justiça" voltam à ribalta cada vez que algum poderoso se torna arguido num processo criminal.
A Operação Lex não constitui excepção. Mal foram tornadas públicas as investigações em curso, com detenções e interrogatórios, logo os do costume correram às televisões. "É justo que uma criatura que é acusada venha nas primeiras páginas dos jornais?", interrogava-se um deles, escandalizado com a "cumplicidade" entre o Ministério Público e os media. "A violação sistemática e impune do segredo de justiça é um gravíssimo atentado contra a honorabilidade das pessoas!", bradava este, de dedo em riste, como Moisés no alto do Monte Sinai. Enquanto outro se insurgia nestes termos, que dispensam qualificativos: "As sucessivas e sistemáticas violações do segredo de justiça são uma vergonha para o Ministério Público, se é que essa magistratura tem vergonha!"
Não ocorre a estas santas almas que os jornalistas façam a sua própria investigação autónoma, em muitos casos prévia à investigação judicial - aliás no cumprimento de um dever deontológico dos profissionais da comunicação social, que actuam na descoberta da verdade e têm como último desígnio esclarecer e formar a opinião pública com base em factos.
Proibir a investigação jornalística de casos criminais - ainda que envolvam "figuras distintas da nossa melhor sociedade" - seria, isso sim, um crime gravíssimo e um atentado à democracia e aos nossos valores constitucionais. Algo que não parece perturbar os indignadinhos de turno.
A esta gente recomendo um bom filme que está em cartaz e é candidato aos Óscares de Hollywood: The Post, de Steven Spielberg. Esta película centra-se no caso dos documentos do Pentágono que foram tornados públicos em 1971 pelo New York Times e pelo Washington Post - em flagrante violação não apenas do segredo de justiça mas do próprio segredo de Estado, o que configuraria crime de alta traição.
Tom Hanks e Meryl Streep no filme The Post, de Steven Spielberg |
Os apelos histéricos contra as "capas dos jornais", por estes dias, escondem apenas um secreto desejo de ressurreição da Comissão de Censura. Condenado ao fracasso, felizmente para todos nós.
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