Felizmente
o dr. Rio dá uma ajuda: a comissão de honra e a lista de apoios declarados,
repletos do pior entulho oligárquico que o partido produziu em décadas, são
quase um manifesto favorável ao rival.
Domingo
Quarenta
anos após o 25 de Novembro de 1975, que nos apresentou a um regime ligeiramente
similar às democracias civilizadas, um golpe de sentido inverso subverteu os
resultados eleitorais e convidou dois partidos comunistas a partilhar o poder.
Em quase toda a parte, a ascensão de forças totalitárias é um alarme e uma
aflição. Em lugares exóticos, é motivo de celebrações: a 26 de Novembro de
2017, o governo achou que a concessão do país à prepotência material e à
indigência mental merecia um “evento” especial e o “evento”, uma sessão de
perguntas ao primeiro-ministro a cargo de “espontâneos”, aconteceu.
Como
é natural, a comemoração de uma fraude, ou de dois anos de sucessivas fraudes,
merecia ser assinalada através de nova fraude. O controlo dos “media” ainda não
é o suficiente para esconder que os “espontâneos” eram, afinal, figurantes
contratados, as perguntas eram gentilmente combinadas e as respostas, de facto
temerárias incursões do dr. Costa pela língua portuguesa, eram uma encenação
pelintra. Um vídeo, publicado no Observador, exibiu as actividades dos senhores
ministros durante o circo: remover cera dos ouvidos, dormir, tirar macacos do
nariz, brincar com o telemóvel, comer os macacos.
Foi,
em suma, um espectáculo de propaganda típico da Bolívia com que muitos sonham.
E foi, dentro do subgénero Propaganda Boliviana, um espectáculo bonito. A única
dúvida é perceber quem saiu mais dignificado do mesmo. Talvez o governo,
generoso a ponto de esbanjar a réstia de vergonha que nunca demonstrou possuir.
Ou os figurantes, gente tão feliz e honrada que se vende a intrujões por trocos
e merenda. Ou as televisões, que ávidas de informar transmitiram a farsa depois
de a farsa ser exposta. Ou Portugal em peso, que podia estar a imitar nações a
sério e está nisto.
Terça-feira
O
dr. Centeno, especialista em fazer aos macacos do nariz aquilo que, nas horas
vagas, faz aos rendimentos dos cidadãos que não trabalham para o Estado, é
candidato a liderar uma coisa chamada Eurogrupo. O dr. Centeno concorre contra
criaturas do Luxemburgo, da Eslováquia e da Letónia. Por sorte, e engenho, a
vitória do dr. Centeno parece assegurada, talvez porque a nossa dívida pública
é incomensuravelmente superior à dos pobres rivais, talvez porque alguém tem de
ir lá parar.
Certo
é que, como tudo o que cheire a cargo internacional, inclusive os que não
possuem nenhum peso ou implicam mérito além da obscuridade periférica e
“imparcial”, o país oficial e oficioso derrete-se com façanhas assim. Por algum
motivo, convencionou-se que despejar, a título de penduricalho, um compatriota
em lugar de “prestígio” é desculpa para cada português entrar em delíquio
nacionalista. Mesmo quando o lugar de “prestígio” era desconhecido de toda a
gente meia hora antes e o compatriota disputa o cargo com portentos igual e
radicalmente anónimos.
Descontado
o pasmo dos pategos, não acho mal. Em princípio, aprovo qualquer pretexto para
pegar numa “personalidade” indígena e despejá-la bem longe (embora não faça
alarde disso, fui um entusiasta do envio do eng. Guterres para os campos de
refugiados e para Nova Iorque, não necessariamente por esta ordem). O problema
é o cargo em questão ser, ao que consta, cumulativo, pelo que o dr. Centeno
manterá as funções caseiras que tantas alegrias proporcionam aos jornalistas da
RTP e da TVI. E, ainda que não mantivesse, o dr. Costa seria perfeitamente
capaz de o substituir sem subir o nível do titular nem baixar a dívida. Caso o
dr. Centeno ganhe, esta é daquelas situações em que mais ninguém ganha.
Quarta-feira
O
PSD tem muito menos encanto na hora da despedida de Pedro Passos Coelho.
Terminada a vigência desse homem afinal tão decente que se calhar passou por
aqui ao engano, o que sobra? Sobra, pelos vistos, o socialismo nem por isso
envergonhado de Santana Lopes e de Rui Rio, sobre os quais não é fácil arranjar
um argumento que os distinga. Felizmente, o dr. Rio dá uma ajuda: a sua
comissão de honra e a sua lista de apoios declarados, repletos do pior entulho
oligárquico que o partido produziu em décadas, são quase um manifesto favorável
ao rival. Nomes como Ângelo Correia, Manuela Ferreira Leite, Couto dos Santos e
Ferreira do Amaral, isto para não falar das paixões assumidas de Pacheco
Pereira ou daquele sr. Capucho, são, ou parecem ser, razões sucessivas para um
optimista achar que, apesar de tudo, o PSD ficará mais bem servido com o
embaraçoso dr. Santana. Mas um realista percebe que o país está desgraçado.
Quinta-feira
Não
tenciono elogiar Belmiro de Azevedo. Por um lado, porque não venero ou abomino
homens de negócios. Empresários a sério, por oposição aos espécimes que usam o
epíteto mas não largam o Estado, agem por interesse próprio e deixam que os
efeitos secundários do seu trabalho aconteçam naturalmente e não se prestem a
grandes juízos de valor – e assim é que deve ser. Por outro lado, não é preciso
elogiar Belmiro de Azevedo na medida em que os partidos comunistas com
representação parlamentar já se encarregaram disso. Ao negar, por oposição
assumida ou abstenção cobardolas, o voto de pesar na AR, PCP e BE prestaram ao
dono da Sonae a maior homenagem possível: é bom que uma pessoa parta entre o
amor dos que lhe são próximos, e o ódio dos que lhe são distantes. Ser
detestado, até na hora da morte, por uma corja devota de tiranos e tiranias é
sinal de que, nas horas da vida, se fez alguma coisa bem feita. Será com
certeza o caso.
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