quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

O cliente é parvo e nunca tem razão


Laurinda Alves - OBSERVADOR

Existe um sem número de empresas que nos fazem pagar valores inconcebíveis por bens e serviços, usurpam-nos o dinheiro, põem-nos de castigo ou desprezam-nos mesmo quando foram elas que se portaram mal
Existe um sem número de empresas que nos fazem pagar valores inconcebíveis por bens e serviços que podem ser adquiridos online, usurpam o nosso dinheiro e depois põem-nos de castigo ou desprezam-nos mesmo quando foram elas que se portaram mal. Organizações cuja cultura de empresa parece ser “haja o que houver, o cliente é parvo nunca tem razão!”.
Cada vez há mais companhias destas no mercado e o problema é que não só nos enganam e confundem, como fazem germinar à sua volta uma cultura daninha de não-protesto. As pessoas sentem-se enganadas, defraudadas e até vigarizadas, mas acabam por encolher os ombros, desistindo de protestar quando percebem que as suas reclamações, mesmo cheias de razões, são remetidas para endereços de email de onde chegam, desfasadas, respostas-padrão escritas por gente que nunca dá a cara nem atende o telefone. Aliás, nunca há contactos de telefone nestas empresas, para evitar este confronto de voz.
Na realidade há muitas organizações que maltratam os seus clientes e abusam da sua confiança, defraudando as suas expectativas. Empresas online a operar em múltiplos países, a cobrar valores muito acima daquilo que seria legítimo e até a sacar dinheiro dinheiro aos mais incautos. Há estas e há as outras, que fornecem serviços a preços justos ou até low cost, mas quando alguma coisa corre menos bem, nunca estão lá para amparar os seus clientes, para os compreender e compensar, fidelizando-os à sua marca. Dou dois exemplos: o Viagogo, site criado para comprar bilhetes de concertos, e a Ryanair.
Em lado nenhum está escrito que o Viagogo pode cobrar mais 100€ do que o valor nominal que aparece impresso nos bilhetes que vende online e remete por mail, mas na realidade cobra. Pior, fica-nos com o dinheiro e não faz devoluções porque argumenta que é mesmo assim.
Na semana passada aconteceu comigo, mas pode acontecer com qualquer um e, também por isso, escrevo. Para que haja cada vez menos incautos a alimentar os vícios de empresas como estas. Estavamos a 3 dias do concerto da Carminho e eu estava fora de Lisboa. Recorri ao computador, escrevi no google “comprar bilhetes concerto Carminho” e apareceu em primeiro lugar o site Viagogo que está criteriosamente feito para nos confundir. Aliás este site sobrepôe-se a qualquer ticketline e afins, e isso só se consegue pagando ou usando expedientes nem sempre completamente transparentes ou justos.
O site aparece cheio de alertas e motores de busca a rodarem, a dar uma ilusão de pesquisa mundial, com caixas a avisarem que os bilhetes estão a esgotar e a ser vertiginosamente vendidos. Queria 2 bilhetes e precisava que fossem lugares vizinhos, para nos podermos sentar lado a lado, pois ia com a minha mãe, que tem 82 anos e, como é óbvio, não dava para ficarmos cada uma na sua ponta do Pavilhão Atlântico.
Fui informada de que naquele preciso instante ainda havia 2 bilhetes a 24€, 12 a 53€ e 18 a 61€. Tentei os de 24€, mas mal cliquei apareceu uma faixa encarnada a dizer que tinham acabado de ser vendidos. Tipo leilão acelerado, em que ficamos cheios de urgência para licitar, com medo de perdermos as peças que queremos a todo o custo comprar. Voltei atrás e verifiquei então que havia os tais 12 bilhetes a 53€. Carotes, mas enfim, tratava-se de um presente de anos. Lá cliquei para os obter e começou mais um countdown urgente que avisava: “estes bilhetes vão estar reservados para si apenas durante breves minutos”. E o relógio em desconto de segundos e minutos sempre visível e enervante no canto superior direito do ecran.
Comprar online exige tempo e atenção, para não darmos ordens nem clicarmos em sítios errados, pois todos sabemos que uma vez pagos os bens ou serviços, não há volta a dar porque nunca mais ninguém nos devolve o que porventura pagámos em excesso. Como também não está lá ninguém a quem possamos fazer perguntas, temos que ter olho vivo e pé ligeiro para não nos deixarmos enganar, mas também não perdermos a possibilidade de comprar o que precisamos de comprar.
Assim sendo fui dando os passos que me eram pedidos, com o relógio sempre a descontar e um sem número de alertas a dispararem no ecran, dando conta de que os bilhetes estavam a esgotar. Em cada clique tinha um novo aviso e parecia uma cena de doidos: quanto mais avançava, mais me parecia que ia perder também aqueles dois bilhetes.
Depois de escrever tudo o que é preciso e passar para o lado de lá a morada e contactos, mais os dados do cartão de crédito, o tempo também estava prestes a esgotar porque vá-se lá saber porquê, alguns passos demoram mais que outros e nem sempre os cliques eram imediatos. Deve ser de propósito, mas nós, os incautos, só percebemos isso depois.
Abreviando a história, quando fiz o último clic, já com tudo pago e sem poder voltar atrás, apareceu no ecran a bonita soma de 148€. Cento e quarenta e oito euros? Como assim, se os bilhetes custavam 53€ cada um? A comissão do site Viagogo é de 42€? E isso é possível? E não são denunciados? Onde estão as autoridades reguladoras das actividades económicas online? A quem podemos recorrer para nos queixarmos de motores de busca que nos levam para sites enganadores? Qualquer método de venda é aceitável? Enquanto o comércio offline está altamente controlado, as compras online parecem estar em roda livre.
Fiquei mal disposta, claro, mas o pior veio depois: os bilhetes que chegaram via mail para imprimir tinham o valor nominal de 24€. Os tais que tinham acabado de ser vendidos, mas afinal sobraram para mim ao dobro do preço. Fora a escandalosa comissão, note-se. Percebi imediatamente que iamos ver o concerto de muito longe, naqueles lugares em que mal se percebe a figura dos músicos, ainda por cima em lugares pagos a preços vip, como se estivéssemos na primeira fila da plateia.
Reclamei, protestei, escrevi e disse tudo o que tinha a dizer, mas os senhores que anotam o descontentamento perante os procedimentos Viagogo não se ralaram nada e escreveram de volta a dizer que neste site os bilhetes não têm preço definido. Ou antes, cada um estabelece o valor que quer. Bonito serviço. Teoricamente podem ser mais baratos, dizem eles, mas também podem ser muito mais caros. Eu sei. Aliás, só não sei de ninguém que tenha conseguido comprar esses tais bilhetes muito mais baratos.
Senti-me parva e sem razão, claro. Enganada e sem alento para manter um diálogo de surdos. Nunca mais volto a comprar nada através deste site, mas pergunto-me quantos parvos como eu caem todos os dias nesta armadilha?
A Ryanair é outro caso de maus tratos aos clientes. Há mais empresas destas, imperialistas, absolutistas, que impõem regras absurdas nos países onde operam, mas agora falo de outra má experiência recente, ainda que já tenham passado uns meses. O meu pai ainda estava vivo e íamos ao Porto em família. Compramos bilhetes de avião com antecedência e correu tudo bem até à véspera, dia em que fui assaltada no Metro e fiquei sem carteira nem documentos. Perto da saída da estação de Metro havia uma esquadra de Polícia e lá fui dar conta da ocorrência. Passaram-me um papel a certificar o que tinha acontecido e garantiram-me que poderia viajar de avião, dado que era um voo nacional.
Na manhã seguinte comparecemos no balcão da Ryanair e começou uma novela interminável. Os papéis da Polícia estavam claros e bem redigidos, a PSP é uma autoridade idónea, eu estava acompanhada dos meus pais e tinha comigo fotocópias do meu cartão de cidadão que, por acaso, tinha em casa. Ou seja, tinha uma declaração que certificava o assalto, tinha fotocópias do meu cartão e tinha os meus pais comigo, cujos nomes e apelidos coincidiam milimetricamente com os da minha filição, que constam no meu cartão de identificação. Estava em Lisboa e queria embarcar para o Porto, mas os senhores da Ryanair alegaram regras internacionais e outras coisas que tais para nos impedirem de viajar.
Depois de uma longa e erosiva conversa ao balcão, o homem manteve-se irredutível.
– Não vão e não voam!
– Mas temos todas as provas e documentos necessários, está escrito que se tiver testemunhas da minha identidade posso embarcar, tenho os meus dois pais comigo e não me deixam apanhar o avião?
– Não. São ordens e são regras.
– Estamos em Portugal, para me deslocar de cidade para cidade ninguém me pede identificação, esta é a regra no meu país.
– Pois, mas a Ryanair tem regras internacionais.
– Para voos nacionais?
Fez silêncio. Não tinha resposta e deve ter pensado que lhe podia acontecer o mesmo. Espero.
– Então quero o meu dinheiro de volta, porque senão é um duplo roubo. Ontem roubaram-me os documentos e hoje a Ryanair fica com a totalidade do dinheiro que paguei por 3 bilhetes de ida e volta, pois os meus pais não estão em condições de viajar sozinhos.
De nada adiantou argumentar. Falar com funcionários destas empresas, quando estão em modo ‘resistência passiva-agressiva’ é pior que esbarrar contra muros intransponíveis. Pedi o livro de reclamações (para quê? ainda hoje me pergunto), redigi com fúria e precisão, entreguei o livro e saí dali para a Gare do Oriente, onde compramos três bilhetes de comboio sem que o funcionário levantasse os olhos para saber quem eu era e, muito menos, de quem era filha.
Ryanair também nunca mais, livra!

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