Alberto
Gonçalves - OBSERVADOR
Todos
sabemos que o sistema que o dr. Costa representa prospera unicamente sobre a
apatia alheia, e que, apesar dos foguetes e da propaganda, isto acabará mal.
Sabemos, ou deveríamos saber.
Afinal,
para que serve o presidente do tal Eurogrupo? Deixemos o próprio dr. Centeno
explicar: para “(…) conduzir a discussão para alcançar o consenso necessário à
construção de uma UEM com um quadro institucional mais resiliente, promovendo a
convergência económica e indo ao encontro das expectativas dos cidadãos”.
Serve, portanto, para se aliviar de pateguices semi-analfabetas.
A
espectacular irrelevância do cargo e, sobretudo, do seu fresquíssimo ocupante
foi devidamente tida em conta pelos “media” lá de fora, que dedicaram ao
assunto a atenção que um Maserati dedica ao Museu dos Coches. Já os “media” cá
de dentro, ou a parte expectável deles, entraram em previsível êxtase. Não era
para menos. Num único “acontecimento” (liberdade poética), juntava-se tudo o
que os move: o imaginário brio nacionalista; um lugar de imaginário prestígio
internacional; a imaginária consagração das políticas socialistas; a
oportunidade de, mediante vénia ou cócoras, voltarem a exaltar os imaginários
méritos do dr. Costa. Num desses jornais que vendem 3000 exemplares e cada
exemplar inclui 4000 louvores dos poderes vigentes, uma vetusta personalidade
do jornalismo caseiro resumiu o tom geral: dado ser óbvio que o dr. Centeno é
uma luz resplandecente, todos os que não se curvam ante tamanho brilho são
rematados idiotas. Com ligeiras variações de presunção, o tipo de presunção que
quem manda despeja em quem obedece, a maioria das opiniões publicadas não se
afastou excessivamente da referida em matéria de profundidade e pertinência.
Resta um
pormenor. Esta profundidade, esta pertinência e esta presunção não são
exactamente novas. Ouvimo-las, das mesmas incansáveis alminhas, no tempo e a
propósito do “eng.” Sócrates. Andava o bom homem a esfarrapar o país de alto a
baixo, na economia, na liberdade e na decência, e os bajuladores da oligarquia
prestavam-se a um papel igualzinho ao que se prestam agora. De facto, não
prestam para mais. Ontem como hoje, o comentariado indígena defendia as
virtudes dos donos contra os “neoliberais” que duvidavam das ditas. E ai do
“neoliberal” que ousasse continuar a duvidar – no mínimo, levava um enxovalho;
no máximo terminava no olho da rua. Ontem como hoje.
Após um
interregno de quatro anos para verter ódio em cima de Pedro Passos Coelho,
vulgo o Usurpador, o comentariado regressou à veneração dos bandos que põem e
dispõem disto, actualmente enriquecidos pela aliança jovial com quadrilhas
totalitárias. E fê-lo sem arrependimento, pingo de vergonha ou sequer um pífio
pedido de desculpas. Essa gente limitou-se a trocar de santinho e, a pretexto
do dr. Centeno ou do pechisbeque que calhar, a repetir as lisonjas de sempre. E
a aplicar o desprezo de sempre aos que sentem, inclusive na pele, os efeitos do
repulsivo estado das coisas.
A
propósito de coisas, uma é certa: quando emite as opiniões que os donos lhe
ditam, o comentariado não fala no vazio. Por incrível que pareça, existe, fora
dos interesses, dos compadrios e das avenças, um público que genuinamente
engole os elogios ao dr. Costa com a credulidade, e a abertura digestiva, com
que engolia as tentativas de beatificação do “eng.” Sócrates. Porquê?
Curiosamente, é o próprio dr. Costa a fornecer uma possível resposta.
Há dias,
o primeiro-ministro lembrou: “O maior défice que temos não é o défice das
finanças, é o que acumulamos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de
educação, de ausência de preparação”. Tipicamente, e decerto a título
exemplificativo, o homem tropeçou nos conceitos e a frase não faz sentido
nenhum (um défice de desconhecimento é mau?). Ainda assim, percebeu-se a ideia,
que além de um impiedoso retrato dos senhores que governam, é igualmente um
retrato fiel de boa parte dos governados. Não é fácil cometer um erro, insistir
em errar e não aprender um bocadinho no processo. Sofrer a hecatombe
socialista, pagar pelas respectivas consequências e voltar a abraçar as causas
do desastre com a inocência e a esperança iniciais não está ao alcance de qualquer
sociedade. Talvez seja necessária uma extraordinária abundância de
primitivismo, ou infantilidade, ou estupidez, se preferirem a ofensa.
E há
pior. Num país não propenso a confundir-se com um jardim-escola, a reacção
natural dos eleitores ao colapso engendrado pelo PS seria escorraçar a seita em
definitivo, simbólica ou literalmente. Aqui, pelo contrário, o PS floresce nas
sondagens, o CDS é liderado por uma aprendiza do marxismo e o PSD “reforma-se”
com entulho de modo a competir em votos com a toleima em curso. Por pudor, não
menciono o quinto da população que orgulhosamente escolhe os herdeiros de
Lenine e sonha com a felicidade venezuelana. De um lado, há milhões de cidadãos
encantados com o saque dos seus impostos para alimentar a pândega (eles chamam-lhe
“consciência social”). Do outro, um deserto povoado por meia dúzia de
excêntricos. O povo – equívoca palavra – não só tolera a desgraça: exige-a.
O dr.
Costa tem razão ao notar a ignorância que por aí vai. E mente ao prometer
combatê-la, não por não ser sua obrigação ou por ser um burgesso, mas por não
lhe dar jeito. Todos sabemos que o sistema que o dr. Costa representa prospera
unicamente sobre a apatia alheia, e que, apesar dos foguetes e da propaganda,
isto acabará mal. Sabemos, ou deveríamos saber. Porém, o dr. Costa é o primeiro
a admitir, com falsa consternação, que ninguém sabe nada.
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