domingo, 8 de outubro de 2017

O complexo do lugar onde se nasce ou se vive


BARROSO da FONTE
Não é um plágio do belíssimo texto de Miguel Esteves Cardoso. É apenas  a confirmação  de uma realidade introduzida na geringonça da toponínia linguística gerada pela léxico Português. Diz esse autor que um dos grandes problemas da nossa sociedade é o trauma da morada, do lugar onde se nasce, se vive ou se visita. E dá um exemplo: «um grande amigo que morava em Sete Rios, comprou um andar em Carnaxide. Fica pertíssimo de Lisboa, é agradável, tem árvores e cafés. Só tinha um problema. Era em Carnaxide. Nunca mais ninguém o viu. Para quem vive em Lisboa, tinha emigrado para a Mauritânia!
Acontece o mesmo com todos os sítios acabados em -ide, como Carnide e Moscavide. Rimam com Tide e com Pide e as pessoas não lhes ligam pevide».
 No corpo do artigo, Esteves Cardoso remete o trauma para a injustiça do endereço. E exemplifica:
«está-se numa festa e as pessoas perguntam, onde é que vivemos. O tamanho e a arquitectura da casa não interessam. Mas morre imediatamente quem disser que mora em Massamá, Brandoa, Cumeada, Agualva-Cacém, Abuxarda, Alformelos, Murtosa, Angeja… ou em qualquer outro sítio que soe à toponímia de Angola.
Para não falar na Cova da Piedade, na Coina, no Fogueteiro e na Cruz de Pau. Ao ler os nomes de alguns sítios como: Penedo, Magoito, Porrais, Venda das Raparigas, compreende-se porque é que Portugal não está preparado para estar na Europa. Imagine-se o impacte de dizer "Eu sou da Margalha" (Gavião) no meio de um jantar. Veja-se a cena num chá dançante em que um rapaz pergunta delicadamente: "e a menina de onde é?", e a menina diz: - "Eu sou da Fonte da Rata" (Espinho).
Já para não falar em “Picha”, no concelho de Pedrógão Grande e de “Rata”, em Arruda dos Vinhos, Beja, Castelo de Paiva, Espinho, Maia, Melgaço, Montemor-o-Novo, Santarém, Santiago do Cacém e Tondela. Ou – acrescento eu – Pica, de Fafe, onde o povo não sabe ler sem cedilha.
Temos, assim, em Portugal, uma “Picha” para 11 “Ratas”. O que vale é que mesmo ao lado da “Picha”, temos a “Venda da Gaita” ... E ainda existe “Colhões”, perto de Coimbra.
É terrível. O que não será o choque psicológico da criança que acorda, logo depois do parto, para verificar que acaba de nascer na localidade de Vergão Fundeiro? Vergão Fundeiro, que fica no concelho de Proença-a-Nova, parece o nome de uma versão transmontana do “Garganta Funda”. É evidente, na nossa cultura, que existe o trauma da "terra".
Ninguém é do Porto ou de Lisboa. Toda a gente é de outra terra qualquer. Geralmente, como veremos, a nossa terra tem um nome profundamente embaraçante, daqueles que fazem apetecer mentir. Apresente-se no aeroporto com o cartão de desembarque a denunciá-lo como sendo originário de Filha Boa. Verá que não é bem atendido. Não há limites. Há até um lugar chamado Cabrão, no concelho de Ponte de Lima !!!»
 Esteves Cardoso propõe que se proceda à renomeação de todos estes apeadeiros. «Há que dar-lhes nomes civilizados e europeus, ou então parecidos com os nomes dos restaurantes giraços, tipo: Não Sei, A Mousse é Caseira, Vai Mais um Rissol. (…)Também deve ser difícil arranjar outro país onde se possa fazer um Percurso que vá da Fome Aguda à Carne Assada (Sintra) passando pelo Corte Pão e Água (Mértola), sem passar por Poriço (Vila Verde), e acabando a comprar rebuçados em Bombom do Bogadouro (Amarante), depois de ter parado para fazer um chichi em Alçaperna ".
 Leio este jocoso artigo de Miguel Esteves Cardoso no preciso dia em que uma mão cheia de amigos me questiona: - não tens vergonha de ser de Montalegre, onde votam 15 mil pessoas, num concelho que tem cerca de dez mil habitantes? Não deverá Montalegre seguir o exemplo da Catalunha?



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