sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Felizmente há Marcelo!




Maria de Fátima Bonifácio – jornal público


Marcelo Rebelo de Sousa, entre o sentido de Estado que sempre teve e o grande cristão que (principalmente) sempre foi, lembrou-se de nós, confortou-nos e devolveu ao País um mínimo de dignidade.
24 de Outubro de 2017, 6:35 Partilhar notícia
A Geringonça desgoverna-nos desde 2015; tem feito, no essencial, o contrário do que o País necessitaria. O que fez António Costa ao longo destes dois anos de poder? Mercadejar os apoios necessários à sua conservação como primeiro-ministro. Reversão aqui, reposição ali, aumentos acolá. Os milagres sucediam-se: défice e crescimento em linha com as imposições de Bruxelas, mas em simultâneo mais despesa do Estado. Parecia a quadratura do círculo!
Quem ande por Lisboa ou na estrada olha e espanta-se: o upgrade do parque automóvel português, com topos de gama por toda a parte, evidenciando desafogo nunca visto, transpõe-nos para um país inverosímil, irreal, que de facto não existe. Também o mercado imobiliário configura uma daquelas “bolhas” próprias de períodos em que o crédito concedido não rima com a riqueza real dos que o obtêm. Portugal - os portugueses e o Estado - vive de novo a crédito, aumentando a Dívida (pública e privada), até que um dia alguém reapareça na televisão a comunicar-nos que estamos falidos, como em 2011.
Entre o desastre de Pedrógão I e a bronca de Tancos, Costa foi alegremente de férias para uma ilha espanhola. Nada estava resolvido, remediado ou explicado, mas Costa, confiante na sua boa estrela, foi a banhos para paragens solarengas, com mar ameno e água morna. Literalmente, virou as costas ao País e entregou-nos a dois ministros de clamorosa incompetência: a lamentável ministra da Administração Interna e o cómico ministro da Defesa.
O primeiro-ministro, cool as ever, abandonou o País convencido de que este veria a sua descontraída retirada como um sinal de que tudo acabaria em bem. A tragédia de Pedrógão I fora um acidente aborrecido, mas que o País, com característica ausência de sentido do trágico, depressa esqueceria. Por azar, Pedrógão II, Outubro adentro, estragou tudo ainda mais.
A leviana ida a banhos do primeiro-ministro aconteceu perante os nossos olhos atónitos quando já era evidente que o País caminhava a passos largos para uma emergência nacional. Afinal, pura e simplesmente não havia “Protecção Civil”: seria precisa demonstração mais macabra do que Pedrógão I? E, quanto a Tancos, seria precisa prova mais comprovada de que as Forças Armadas estavam (e continuam) entregues a uma nulidade?
No Verão de 2017, acabou-se o nosso conto de crianças: as vacas deixaram de voar. Falhas de músculo, dobraram-se-lhes as pernas e tombaram sobre si mesmas, expondo a radical debilidade do Estado e o gigantesco embuste da milagreira Geringonça. A Geringonça, um artifício político aberrante ao qual só a credulidade lusitana concede crédito, pôs a descoberto a inépcia, a incompetência e a irresponsabilidade até agora obnubiladas pelo alarde de êxitos macroeconómicos enganosos.
A morte escusada de mais de cem pessoas e a destruição dos haveres de não sabemos quantas, obrigaram a um brutal confronto do País com o seu desgoverno, a sua fragilidade e a sua miséria. A Geringonça não cumpre a mais básica obrigação governativa: proteger os cidadãos e o território nacional. A razão é simples: a Segurança não se resolve com acrobacias orçamentais. As célebres “cativações” – e outras habilidades - deixaram o Estado e o País roído até ao osso.
Desde 2015 que Costa tem vivido de duas coisas: comprar o Bloco e o PCP e oferecer aos portugueses um banquete. As “almofadas” financeiras que Centeno vai insuflando e Costa apregoa como troféus gloriosos, são um engodo muito caro. A “Protecção Civil” também custa caro e o pouco dinheiro disponível é esbanjado pelo primeiro-ministro na sua própria conservação: ao Bloco é preciso dar sobretudo lugares para os boys; ao PCP é preciso dar sobretudo dinheiro que sustente a sua influência sindical.
Dotar um Estado das infra-estruturas técnicas e humanas indispensáveis à segurança civil e militar é, na ordem de prioridades de António Costa, secundário. Prioritário é o “sempre em festa” com que restituiu aos portugueses a alegria e o optimismo que nada justifica, mas que eles inalam como um doente carente de oxigénio ou morfina. Pedrógão I e II e Tancos de permeio abateram-se sobre os portugueses como um dies irae.
E Marcelo? Foi conivente com a macabra encenação de um país rico feito de pobres? Nunca perdi a confiança em Marcelo. O PR, nunca duvidei, fez questão – e muito bem – de não dar à Geringonça o mais leve pretexto para lhe imputar a responsabilidade por um fracasso; deu-lhe rédea solta. Mas nunca duvidei de que, numa hora de perigo, podíamos contar com Marcelo, o Chefe de Estado. Não para consolar a orfandade da Direita, que deveria atravessar o deserto sem ser levada pela mão paternal do Presidente, mas para interpor um “basta o que basta” quando chegasse o momento crítico, em que o País perigasse visível e palpavelmente devido à irresponsabilidade e imoralidade de um Poder que só verdadeiramente cuida de si mesmo.
Chegou esse momento. Marcelo Rebelo de Sousa, entre o sentido de Estado que sempre teve e o grande cristão que (principalmente) sempre foi, lembrou-se de nós, confortou-nos e devolveu ao País um mínimo de dignidade. Marcelo foi o nosso luar em tempos de amargura e perplexidade.

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