De Soares a Cavaco, houve
políticos tão detestados quanto Pedro Passos Coelho. Não houve ninguém
detestado por gente tão infalivelmente repulsiva, por tantas nulidades tão
pouco recomendáveis.
Pedro Passos Coelho não
perdeu as “autárquicas”. Tecnicamente porque não concorreu às ditas, e porque os
cidadãos que preferem o cacique A ao cacique B não o fazem por vontade de
castigar as “cedências” à “troika” ou premiar a “prosperidade” da Frente de
Esquerda. Simbolicamente porque “a maior derrota eleitoral da história do PSD”,
conforme decretaram especialistas em matemática aplicada a interesses
partidários, limitou-se a repetir os pífios resultados de 2013. Apesar disso,
Pedro Passos Coelho assumiu as responsabilidades que inúmeros irresponsáveis
garantiam serem as dele e, por cansaço ou estratégia, anunciou a saída. Sei de
derrotados que aproveitam as entrelinhas da lei para se fingirem vencedores.
Pelo menos um, em quem a manha ocupa o lugar da vergonha, chegou a
primeiro-ministro. E sobre o carácter, ou a decência se quiserem, estamos
conversados.
Mudemos de conversa,
então. Nunca falei com Pedro Passos Coelho. Nunca conheci Pedro Passos Coelho.
Que me lembre, vi-o uma única ocasião, de relance durante trabalho jornalístico
no congresso do PSD em que ele se candidatou pela primeira vez à liderança, alegadamente
sob o patrocínio do sinistro dr. Ângelo Correia. Decorridos estes anos, e tudo
o que nestes anos aconteceu, tenho de Pedro Passos Coelho a melhor impressão que
consigo ter de um político.
Não é uma impressão por
aí além. Partilho com diversos pensadores, de Auberon Waugh a Jerry Seinfeld, a
convicção de que qualquer sujeito que se acha destinado a orientar a vida dos
outros sofre de sérios distúrbios psiquiátricos. Na melhor das hipóteses, um
político é um oportunista que, na ausência de competências úteis, procura
orientar a própria vida, e se as coisas correrem bem a de familiares e amigos.
Para político, Pedro Passos Coelho não me parece terrível. Sendo difícil
avaliar o seu egocentrismo ou os seus escrúpulos, não é difícil avaliá-lo pelo
sentimento que prepotentes sortidos ou trafulhas incontinentes lhe dedicam: o
ódio puro.
Enquanto governante, os
trabalhos de Pedro Passos Coelho oscilaram entre o fundamental e o desperdício,
ou entre o “não” ao sr. Salgado do BES e a incapacidade de proceder, salvo
fogachos, à mítica reforma do Estado. Por comparação, já não é mau. O mau
transforma-se em sofrível e o sofrível quase em bom quando se levam em conta as
reacções alheias, e principalmente quando se levam em conta os autores das
reacções. De Soares a Cavaco, houve políticos tão detestados quanto Pedro
Passos Coelho. Não houve ninguém detestado por gente tão infalivelmente
repulsiva. A fúria que o homem suscita em determinadas criaturas mede, com
curiosa exactidão, a baixeza das mesmas.
A baixeza e,
reconheça-se, o empenho. Desde tempos imemoriais que abundantes indivíduos
consagram as respectivas existências a exibir em público o incómodo que Pedro
Passos Coelho lhes provoca. No governo e, para mim surpreendentemente, na débil
oposição, aquele que tantos juravam morto foi capaz de desnortear os laparotos
e as laparotas que, em províncias de gabarito, passam por – não se riam –
“elite”. É essa a maior proeza de Pedro Passos Coelho, e o seu maior talento:
irritar nulidades pouco recomendáveis.
Nada mudou até Domingo.
Na noite eleitoral, as manchetes, as “leituras” e as opiniões estavam escritas
e pensadas antes dos factos. As televisões encheram-se de “personalidades”
convidadas para repetir o que repetem sempre: a urgência de Pedro Passos Coelho
ir embora, por razões que as “personalidades” omitem sob falsos pretextos. Os
habituais “históricos” do PSD, que na novilíngua que merecemos são os
principais entusiastas do arranjinho no poder, invocaram Sá Carneiro e, com o
dedinho em riste, clamaram pela necessidade de regenerar o PSD e promover a
estabilidade. Ou, se se desmanchar o pobre jargão da seita, reduzir o PSD a um
capacho e abrir caminho ao “sistema”. O “sistema”, desculpem o eufemismo, não
aprecia obstáculos.
Alguma coisa mudou depois
de Domingo. Os factos ajudaram e, definitiva ou provisoriamente, Pedro Passos
Coelho pôs enfim a trouxa nas larguíssimas costas. Só um tolo esperaria dele a
salvação das almas. Mas só um cego não o via como uma compensação, pequenina e
isolada que hoje fosse, à perigosa miséria do resto. Sem ele, o resto é tudo. E
tudo, na esquerda que manda e na “direita” que aspira partilhar o mando, é o
caldo de fraude, saque, brutalidade e arrogância a que se convencionou chamar
socialismo. Muitos portugueses, dos que recebem as migalhas aos que as
distribuem, aparentemente gostam. Desconfio que Pedro Passos Coelho não é um
deles. Por isso perdeu. E se custa perder, custa o dobro perder para vencedores
assim.
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