Por Pedro Correia - Delito de Opinião
No dia 10 de Julho de 2015, um senhor vestido formalmente, de cabeços brancos e testa alta, ergueu-se da cadeira onde estava sentado, numa livraria do centro de Lisboa, e durante três quartos de hora prendeu a atenção de algumas dezenas de pessoas que o escutavam com uma notável lição de história, geografia, geopolítica - tudo a pretexto da literatura.
Retrato de Adriano Moreira na galeria dos antigos presidentes da Sociedade de Geografia de Lisboa |
A expressão francesa sagesse aplica-se por inteiro a Adriano Moreira, que nessa tarde em Lisboa discorreu sobre a "comunidade de afectos" que a CPLP é acima de tudo - e como a língua comum funciona como poderoso traço de união entre os Estados-membros. Ao contrário do que sucedeu com outras antigas potências coloniais europeias, como a Bélgica ou a Holanda, incapazes de gerar laços afectivos com os povos residentes nas paragens que tutelaram.
Adriano Moreira foi subsecretário de Estado da Administração Ultramarina (1958-61) e depois ministro do Ultramar (1961-62) com António de Oliveira Salazar, de quem chegou a ser apontado como um dos seus mais jovens e promissores delfins. Enquanto ministro, aboliu a lei do indigenato - uma das medidas de maior alcance social alguma vez decretadas nos então territórios ultramarinos.
A corte da ditadura fervilhava de intrigas contra aquele jovem governante com 40 anos recém-cumpridos que se atrevia a revelar protagonismo num regime em que tantos progrediam na penumbra. Um dia, em Dezembro de 1962, Salazar chamou-o e foi sucinto: "Nós acabamos de mudar de política." Adriano Moreira foi igualmente sucinto: "Então acaba de mudar de ministro."
Nunca mais reassumiu um posto governativo. Fundou a Academia Internacional da Cultura Portuguesa, foi presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa, dirigiu o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Correu mundo, escreveu livros, (Tempo de Vésperas, O Novíssimo Príncipe), radicou-se no Brasil após o 25 de Abril, regressou a Portugal, foi deputado e presidente do CDS, retomou a sua paixão de sempre: o ensino.
"A minha mãe ensinou-me que Deus é companheiro e nunca me esqueci disso. Nunca ando sozinho, nunca ando sozinho", declarou em Maio de 2015, numa longa entrevista concedida ao jornal i que vale a pena ser relida.
Pensa bem e diz o que pensa. Gostem ou não do que ele diz. Se em Portugal existisse Senado, ele seria o nosso primeiro senador. Atingidos os 95 anos, que hoje festeja, continua um sonhador. Ouvi-lo falar com tão espantosa agilidade mental é também uma lição de vida.
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