sábado, 2 de setembro de 2017

Literatura de resistência ao totalitarismo soviético


Em rúbrica própria, Pedro Correia, jornalista de carreira, publicou no seu Delito de Opinião, texto por nós lavrado sobre a Literatura Russa, sobretudo do período Soviético.
Um esboço de ensaio futuro. Pode ser lido AQUI, como inédito, como bem entendemos por questão de princípio.
A divulgação do mesmo veio a calhar porque em Outubro / Novembro próximos, se comemora o centenário da Revolução Russa (melhor dizendo, Revolução Soviética). E o Partido Comunista Português, prepara-se para comemorar a data com pompa e circunstância, patrocinando a publicação de 10 Dias que Abalaram o Mundo, do mítico John Reed.  A obra de Reed é lendária. Faz o filme ao pormenor desses dez dias alucinantes que depois originaram a tirania que todos conhecemos. Mas nessa altura já Reed havia sido sepultado no Kremlin com 33 anos!
Mais completa que a obra de Reed é a História da Revolução Russa de Trotsky. Mas essa só se for patrocinada pelos beatos e beatas do Bloco de “Esquerda”.
Entendemos agora publicá-la neste espaço, para os leitores de Tempo Caminhado, com as imagens (sobre os autores) escolhidas por Pedro Correia.
Mas para que não haja polémica, advertido por experiência recente, salientamos que a nomenclatura é a seguida por vários tradutores portugueses: Fernando Pinto Rodrigues, Cordeiro de Brito, João Gomes, Nina Guerra, Filipe Guerra, Natália Vakhmistrova, Maria Vassilieva e José Milhazes. Bem como as traduções sob os auspícios do Programa TRANSCRIPT para o Apoio à Tradução da Literatura Russa da Fundação Mikhail Prokhorov. E para as obras de autores russos não vertidos para português, seguiram-se obras de George Steiner, Marshall Berman, Simon Ings e Orlando Figs. Bem como a tradução francesa para Evguénia S. Guinzbourg.
E, embora se não adapte bem a Isaac Babel, o titulo que encima o artigo foi inspirado em missiva online de Pedro Correia.

                                          Esboço de uma Literatura Russa








Não há ninguém que não tenha ouvido falar de Auschwitz. Mas quem sabe que Kolima foi uma gigantesca máquina de aviltar e matar? Poucos. Em que escolas se fala de Kolima? Os autores abordados neste pequeno "ensaio" tocaram a fundo a morte em massa.

Enquanto no Ocidente, durante todo o século XIX, autores como Baudelaire e Marx, entre outros, aproveitaram o processo de modernização em desenvolvimento, para o usarem como fonte de energia e material criativo, nas áreas geográficas fora do Ocidente, a modernização era inexistente. Foi essa a situação da Rússia durante todo o século XIX. A sua economia estagnava, e em alguns casos até regredia. Trotski reconhece-o na sua História da Revolução Russa, no I Volume: “O traço essencial e o mais constante da história da Rússia é a lentidão em que o país se desenvolveu, apresentando como consequência uma economia atrasada, uma estrutura social primitiva e baixo nível cultural”.
A Rússia, em relação ao Ocidente, no século XIX, foi um arquétipo do Terceiro Mundo no século XX. Este atraso em relação ao Ocidente desempenhou um papel central na politica e na cultura russas, da década de 1820 ao período soviético. Cerca de cem anos.
No inicio do século XX, o país com maior dimensão populacional, em quase todos os outros padrões surgia em último. Em 1913 tinha o rendimento per capita mais baixo da Europa (exceptuando o império Otomano), e a esperança de vida (30 anos) colocava-a século e meio atrás da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos da América. Tchékhov di-lo sarcasticamente na sua peça “O Cerejal”.
Contudo, esta era do subdesenvolvimento russo produziu, no espaço de duas gerações, uma das maiores literaturas do mundo. E, curiosamente, foi São Petersburgo, a capital imperial, a mais clara expressão de modernidade no solo russo do século XIX. Que iniciou uma tradição literária brilhante com características próprias. Assumida com Puchkine (no seu Cavaleiro de Bronze), e se estendeu a Gogol, Chernyshevski, Dostoievski e Bieli. Nela surge como personagem principal o “homem comum”, cujo destino é sempre o de vitima. Mas uma vitima cada vez mais audaciosa no século XIX, fruto das várias revoluções. Uma vitima que encarna a vida real de alguns dos autores. Dostoievswki, por exemplo, teve a vida moldada por dois acontecimentos. O seu pai morreu quando este era ainda jovem, provavelmente assassinado por um dos seus servidores. Mais tarde, o autor de Recordações da Casa dos Mortos, esteve prestes a ser executado por traição. Foi cruelmente conduzido ao cadafalso e deixado de olhos vendados à beira da morte, antes de ser informado que a pena fora comutada.
E como Dostóievski, nenhum poeta, romancista ou dramaturgo russo terá trabalhado com condições normais de liberdade intelectual. Muito menos em condições favoráveis a essa liberdade.
A literatura russa é intima, escrita para o leitor russo, mas mesmo o leitor exterior a esse território com a dimensão de metade da lua, consegue perceber o tormento de Pushkin, o desespero de Gogol, a alma dilacerada de Dostoievski na Sibéria, a luta impetuosa de Tolstoi contra a censura e o desalento do extenso rol de assassinados (ou desaparecidos) incrustados nas façanhas literárias russas do século que nos precedeu. A estes podemos juntar Turguénev, Tchecov, Andréev ou Nikolai Leskov que se tornaram clássicos para as gerações posteriores.
Mas o homem comum torna-nos a aparecer no contexto soviético, após uma revolução que juntamente com os seus companheiros venceram; numa nova ordem onde teoricamente goza de todos os direitos de que necessita. Uma ilusão que pagou cara.
O mítico John Reed, no seu imortal 10 Dias que abalaram o Mundo, descreve-nos em rigor os primeiros 10 dias da tomada do poder bolchevique. Só a História da Revolução Russa de Trotski se lhe assemelha, suplantando-o em muitos pontos.

As políticas genocidas na Rússia Soviética dos anos 1932-1933 e 1937-1949 estão hoje devidamente documentadas e estudadas. Já Dostoyevsky em Demónios, nos transporta para as origens do terrorismo moderno. Porque o conceito de “terror em massa” é fulcral em Lenine, fórmula que surge a partir da revolução de 1905. Volta a surgir em força na Primavera e durante o Verão de 1918, estando ainda presente em Abril de 1921. E largamente apoiada por intelectuais como Gorki, sobretudo no que diz respeito à massa de camponeses. Em 1930-31, foram deportados cerca de dois milhões de camponeses.
De repente, o terror de 1793 dos “homens do barrete frígio” é institucionalizado no dia cinco de Setembro de 1918 pelo decreto “sobre o terror vermelho”. De facto, os meses que se seguem caracterizam-se por um clima de violência estatal absolutamente novo. São 15.000 as vítimas do Outono de 1918. Ou seja, foram executados, em dois meses, três vezes mais do que o número total de executados no último século pelo terror czarista!
Nicolas Werth destaca o escabroso editorial do jornal da tcheka de Kiev: “Que o sangue jorre a rodos!”.
Caracterizado pela obsessão da depuração, o terror de massas leninista cria a via de limpeza social que Estaline empreende a partir de 1929, ano da “Grande Viragem” e dos “Amanhãs que cantam!”.
É neste contexto histórico que surge esta literatura, produzida por homens e mulheres que sofreram na pele o terror soviético, cujas personagens das narrativas são, na dimensão humana, os mesmos “deuses” e heróis evocados por Homero, Sófocles, Ésquilo e Euripides[1].

Ivan ChmeliovIvan Chmeliov (1873-1950) nasceu e foi criado em Moscovo, onde se formou em Direito. Em 1918 instalou-se na Crimeia. Foram anos de fome, medo e humilhação. Em 1920, o filho único do escritor, ex-oficial do Exército Branco, foi preso no hospital e fuzilado.
Emigrou em 1922 para França. A sua obra-prima, onde conta a história da Crimeia do pós-guerra, um testemunho vivo da pavorosa concretização da “grande experiência de transformação” politica e social da Rússia levada a cabo pelo partido bolchevique, foi saudada por Thomas Mann.
Em Março de 1922, 400 mil pessoas passavam fome; 75 mil morreram. Até ao Verão de 1923, 100 mil pessoas morreram de fome.
É sobre esta tragédia que Chmeliov se debruça em O Sol dos mortos.

EVGUENI  ZAMIATINEEvgueni Zamiatine (1884-1937), escritor por vocação e engenheiro naval por profissão, é um dos primeiros vultos a tratar o homem comum da época soviética nos seus contos. No Ocidente tornou-se famoso com Nós (1924), a pioneira distopia que iria influenciar textos de género como 1984 de Geroge Orwell. Onde denuncia as maluqueiras bolcheviques de 1917, ao intervirem na vida privada, acabando com a instituição família, transformando o espaço doméstico em espaço colectivo onde viviam várias famílias, com dormitórios colectivos e salas próprias para o sexo!
Em 1931 endereça uma corajosa missiva critica a Estaline.
Os contos de Ziamatine são “um lampejo do que a literatura pós-revolucionária poderia ter sido, se a ditadura não tivesse eliminado totalmente a independência, a ousadia e o individualismo” (Mirra Ginsburg). Nas suas narrativas, impelido pela total liberdade humana de criar, converteu-o num cidadão inconveniente em dois regimes despóticos. O czarismo condenou-o por um ano de exílio; o comunismo baniu-o para sempre.

Ossip Mandelstam (1891-1938)
Foi um dos grandes poetas modernos. Escritor profundamente tradicional (da tradição de Petersburgo), na sua novela de 1928, O Selo Egípcio, trata o homem comum como até aqui não havia sido tratado porque nos aparece num contexto soviético, com o seu drama e angústia pós-revolucionários. No final da história Mandelstam faz referência a Moscovo e ao hotel Selecto, através do capitão Kirzzanowski. Moscovo tornara-se o quartel-general de uma nova elite soviética protegida (e chefiada) por uma terrível policia secreta que actuava a partir da prisão Lubianka, onde o poeta, seis anos depois, seria interrogado e detido.
Dois anos depois da publicação d’O Selo Egípcio, o poeta, juntamente com Nadejada, sua esposa, regressa a Leninegrado, mas os esbirros do Partido que estavam ao comando da Sociedade de Escritores e controlavam os empregos e a habitação, expulsaram-nos.
Os Mandelstam regressam a Moscovo. E em 1933, no meio da campanha estalinista pela colectivização das terras, onde perecem mais de quatro milhões de vidas camponesas, e a um passo da Grande Depuração que levaria à morte outras tantas (ou mais), o poeta compôs o poema nº 286 sobre Estaline.
Embora Mandelstam o não tenha escrito, leu-o em voz alta diversas vezes em reuniões à porta fechada. Um dos que o ouviu denunciou-o à policia secreta. Numa noite de Maio de 1934 foram busca-lo. Após terríveis sofrimentos físicos e mentais, quatro anos depois morreu num campo de passagem perto de Vladivostok.

Isaac Babel (1894- 1940), influenciado por Gogol (e Maupassant), nasceu na cidade portuária de Odessa que pertencia ao império russo. Era filho de um vendedor de roupas usadas e de uma judia moldava. O seu tio fora morto num pogrom.
Borges, referindo-se a Babel, dizia que o “clima habitual” da sua vida “seria uma catástrofe”.
As suas principais histórias foram incluídas, mais tarde, em Exército de Cavalaria. Escreveu ainda Contos de Odessa, narrativas de inspiração autobiográfica sobre a sua infância no gueto de Moldavanka, antes e após a revolução.
Em 1930 testemunha, na Ucrânia, a brutalidade e as mortes causadas pela colectivização forçada da agricultura. No Congresso da União de Escritores Soviéticos, em 1934, Babel é já um autor marginalizado pelo realismo socialista. O regime silenciou-o. Em 1935, a sua peça Maria, viu a sua estreia cancelada em Moscovo pela policia politica. Em 1939 foi preso e interrogado sob tortura na prisão do KGB em Moscovo. Segundo a versão oficial teria morrido numa prisão do Gulag em Março de 1941. Os seus manuscritos foram confiscados e destruídos.

Vassili Grossman (1905-1964) nasceu na cidade de Berdítchev, a “capital judia” da Ucrânia, no ano de 1905. Filho de judeus, o pai era engenheiro e a mãe professora. Embora tenha estudado engenharia, Vassili acabou por se tornar jornalista e escritor.
Como correspondente do jornal militar russo Krasnaya Zvezda, cobriu as batalhas de Moscovo, Stalinegrado, Kursk e Berlim. Será um dos primeiros repórteres a testemunhar a libertação dos campos de extermínio de Treblinka e Majdanek. E o seu artigo “O Inferno de Treblinka” servirá de prova nos julgamentos de Nuremberga.
Em 1961, os agentes do KGB assaltam-lhe a casa levando-lhe todas as anotações que possuía para Vida e Destino, um volume extraordinário, mas de leitura complexa. Em 1974 um dos originais que sobreviveu é microfilmado pelo poeta Semion Lípkin e através do físico nuclear Andrei Sákarov e do humurista Vladimir Voinovich, esse manuscrito sai do país para ser editado em vários países em 1980. Em 1988 é publicado na Rússia de Gorbatchev.
Vassili GrossmanEm Vida e Destino, Grossman, além de denunciar as atrocidades nazis, manifesta um profundo desencantamento com as lideranças soviéticas desde a revolução de 1917, denunciando os pogrom. Anna Semiónovna, foi uma das vítimas dos pogrom e Evguénia Nikoláevna, perseguida devido às posições políticas do seu marido. Víktor, assistiu à progressão do medo e do sistema vil da denúncia em nome da “confiança do partido”. E procurou guiar-se e “agir segundo a sua consciência”, o melhor que foi dado ao ser humano.
O Terror leninista/estalinista assinalado anteriormente, foi confirmado em obras literárias como Tudo Passa, de Grossman. Um dos seus personagens, um activista convicto, a dado passo diz: “escorraçámo-los como a um bando de gansos”. Mas noutra passagem a barbárie humilha; vai ao limite da dignidade humana: “… eles … ”filhos da puta”. E gritam-lhes: “Bebedores de sangue”! … não podemos sentar-nos à mesa desses parasitas, o filho do Kulak é asqueroso, a sua filha é pior que um piolho. Eles consideram esses camponeses como gado, como porcos. Tudo o que se relaciona com os kulaks é repugnante: primeiro a sua pessoa, depois o facto de não terem alma … Depois, eles fedem … Quando os tivermos exterminado, começará uma era feliz para o campesinato”.
No fim da vida escreve o seu último volume. Uma espécie de reportagem na Arménia. Com o qual tornou a ser molestado por abordar o genocídio Arménio.

A Taiga de Kolima na Primavera!
Varlam Chalamov (1907-1982) nasceu em Vologda Filho de um padre ortodoxo, viveu os seus primeiros 22 anos em liberdade e os quase 20 seguintes como prisioneiro político em Kolimá, uma imensa mina de ouro. A trassa era o caminho que os prisioneiros percorriam para alcançar os diferentes campos dispersos pela taiga. São desertos gelados atravessados pelo rio Kolimá. Dois milhões de quilómetros quadrados a leste do Lena, para os quais foram deportados cerca de dois milhões de prisioneiros entre 1932 e 1957. Tanto Anne Applebaum em “Gulag”, como Evguenia Guinzbourg, em “Le ciel de La Kolyma”  o testemunham.
A este lugar, Varlam chama “o desembarcadouro do inferno” [2]. Num dos seus contos descreve minuciosamente técnicas para conduzir um carrinho de mão, de forma a economizar esforço. Quando os pelotões fuzilavam sem descanso Varlam diz-nos: “Durante meses, de dia como de noite, por ocasião das chamadas da manhã e da noite, foram lidas inúmeras condenações à morte. Com um frio de cinquenta graus negativos, os prisioneiros músicos – de delito comum – tocavam uma marcha antes e depois da leitura de cada ordem. As tochas fumegantes não conseguiam atravessar as trevas e concentravam centenas de olhares nas folhas de papel fino cobertas de gelo em que estavam inscritas as horríveis mensagens”. Nas caves realizavam-se fuzilamentos; espaços onde 50 pessoas ocupavam o lugar de 20 com direito a 200 gramas de pão diárias.
Kolimá é lugar de maldição e o rio que ali passa foi também enchido pelas lágrimas dos condenados como no Cócito de Dante. Varlam não tem dúvidas quando se refere a este local: “Recordar primeiro o mal, e o bem depois. Recordar o bem durante cem anos, e o mal durante duzentos anos”.

Aleksandr SoljenitsinAlexander Soljenitsyne (1918-2008) nasceu em Kislovodsk. A grande obra de denúncia sobre o terror soviético foi uma obra sua -  Arquipélago Gulag. Os gulag[3] eram campos de concentração e de trabalho forçado na antiga União Soviética.
Um Dia na Vida de Ivan Denisovich foi a sua primeira novela. E foi o primeiro testemunho publicado na antiga URSS, por um dos presos políticos a mando de Estaline. O Ocidente soube tarde da tragédia do Gulag. E para isso contribuíram intelectuais como Bertolt Brecht que há muito se sabia dessa tragédia e continuava a venerar o sanguinário Estaline.
Ivan Denisovich é um prisioneiro politico do antigo regime soviético que revela as atrocidades (psicológicas e físicas, nas quais se inclui a repressão) dos campos de trabalho forçado, o Gulag, que o regime de Estaline (e Lenine) aproveitaria do tempo dos Czares. É, aliás, bem provável que a sua origem esteja na prisão da ilha de Sacalina, à qual Tchécov dedicou um livro sobre o estudo que aí fizera.
Os detalhes são assombrosos. Denisovich acorda adoentado, é castigado por dormir alguns minutos a mais, passa o dia trabalhando num frio de rachar e tem de se indispor para conseguir uma ração miserável. O cenário é desolador. Os prisioneiros enfrentam o inferno branco (neve e inverno) do Cazaquistão com sapatos onde não cabem os pés, luvas que rasgam a qualquer movimento, camas esqueléticas e cobertores ratados. Embora cercados de um frio imenso, só são dispensados do trabalho escravo quando o termómetro marca 41º negativos!
O relato sobre Ivan, é o relato da experiência sofrida pelo próprio Alexandr Solsjenitsin, um historiador à época com 43 anos. Não imaginou os factos (o relato não é ficção ou narrativa romanceada), não ouviu testemunhos. Ele próprio, mais tarde prémio Nobel da Literatura, sofreu na pele a fúria do regime e dos seus caciques; da corrupção do sistema. Num dos campos de prisioneiros no Cazaquistão (Ekibastuz) foi escravizado, em condições sub-humanas, como mineiro e pedreiro, deixando o campo em 1953 à beira da morte, vitima de cancro. Retomou uma vida normal como professor do Ensino Secundário, dedicando as noites (em segredo) à escrita deste relato memorável. Só por milagre a sua detenção lhe não custou a vida. Comandante de um pelotão de artilharia no Exército Vermelho durante a II Guerra Mundial, foi condecorado duas vezes por bravura em combate. No fim da campanha, foi detido por criticar Estaline numa missiva enviada a um amigo.
Aleksandr SoljnítsinJá como prémio Nobel e apenas com um livro publicado (Um Dia na Vida de Ivan Denisovich), Soljenitsyne passa à escrita os apontamentos que iriam dar origem à obra fundamental sobre o gulag soviético, com cerca de 2000 páginas, O Arquipélago Gulag, publicado em 1973 no Ocidente. E que o autor reduziria, mais tarde, para um volume de cerca de 600 páginas para que fosse facilitada a leitura, e mais rapidamente disseminado pelos leitores ocidentais. A obra de Soljenitsyne é uma narrativa sobre factos presenciados pelo autor, prisioneiro durante onze anos, em Kolima, um dos campos do arquipélago, e pelas cartas e relatos de 237 pessoas.
Quantos desapareceram nos Gulag? Pelo menos seis vezes mais dos que foram chacinados no holocausto Nazi. Anne Applebaun em Gulag, trata dos números e de muito mais. Uma fonte recomendável.                                                                                                                                                                Armando Palavras


[1] Porque se trata de um esboço, neste escrito, por receio de lhes não dar a dignidade que merecem, não se reproduz reflexão sobre muitos autores russos, dessa época, que mereciam uma referência tão elevada como aqueles que nos mereceram essa reflexão: Sinyavsky que cumpriu pena em vários campos de trabalho forçado entre 1966 e 1977; Pasternak, Anna Akhmatova, Marina Tsvetaeva, Joseph Brodsky, Jaan Kross (Estónia) e Chukovskaya que na sua novela trata de Bilibin e Veksler.
Também não se faz reflexão sobre ficções como O Meteorologista de Rolin, ou de narrativas como Rumo à Liberdade do polaco Slavomir Rawicz.
[2] José Milhazes diz-nos sobre o assunto:” Ao vaguear na Net deparei com a publicação de um trecho de um livro traduzido por mim em 1990 "Contos de Kolima” num blog chamado "Teor Crítico".
Escrita por Varlam Chalamov, ela exerceu em mim uma grande importância, tendo contribuído fortemente para a revisão de algumas das minhas ideias políticas. É depois de obras como estas, de relatos directos, pessoais, que se conclui que entre os campos de concentração nazis e o GULAG poucas diferenças existiam. Uns diziam matar pela "limpeza da raça", outros pela "classe social"... Descubra a diferença!”. (http://darussia.blogspot.pt/2013/11/contos-de-kolima-excerto.html).
[3] GULAG - acrônimo para Glavnoe Upravlenie Lagerei, ou "Administração Central dos Campos", palavra que por fim passou a descrever todo o sistema soviético de punição e trabalhos forçados para prisioneiros criminais e políticos, crianças e mulheres - espalhavam-se por todo o país, da gélida Sibéria às inóspitas regiões da Ásia Central, passando pelas florestas dos Urais e os subúrbios de Moscovo. Cerca de dezoito milhões de pessoas passaram por esse sistema de trabalho escravo, tema do livro Gulag, de Anne Applebaum.
Os maiores gulags ficavam em regiões geográficas quase inacessíveis e com condições climáticas extremas. A combinação de isolamento, frio intenso, trabalho pesado, alimentação mínima e condições sanitárias quase inexistentes elevavam as taxas de mortalidade entre os presos. Para se proteger da violência, alguns grupos de presos criaram códigos e leis internas que deram origem aos Vory v Zakone – a máfia russa. A quantidade de campos foi reduzida a partir de 1953, logo após a morte de Estaline. Porém, os campos de trabalho forçado para presos políticos duraram até os anos 90.

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