sábado, 9 de setembro de 2017

A salvação dos “media” parece-se imenso com um velório



Alberto Gonçalves - OBSERVADOR

Ignoro se algum canal de televisão ou jornal diário já recebe remunerações governamentais. Se não recebem, parece, e acho sinceramente que quase todos mereciam recebê-las, à peça ou por atacado.

O excelentíssimo senhor publisher da CMTV, do Correio da Manhã, da Sábado, do Record e da TV Guia exigiu, cito, um “plano de emergência” para a “comunicação social”. Por outras palavras, implorou ao governo que patrocine os media tradicionais sob pena de falência geral. Por onde quer que lhe peguemos, é uma óptima ideia.
Pegue-se, em primeiro lugar, nos famosos “conteúdos”. O sr. Octávio Ribeiro cometeu as notáveis declarações acima durante um programa da sua televisão chamado “Sexy 20”, provável maravilha cuja falta, por força de bancarrota, deixaria decerto os cidadãos transtornados. E quem diz o “Sexy 20” diz as reportagens com ocultistas, videntes, tarólogas e demais personalidades que povoam a CMTV quando a CMTV não passa fascinantes “rubricas” sobre famosos que ninguém conhece, incêndios, violadores e criancinhas desbaratadas pelo destino. E quem diz a CMTV diz a generalidade dos canais indígenas, logo que, sem desvantagens aparentes, se troque o bruxo de Fafe pelo dr. Pacheco Pereira, os violadores por bandos de socialistas assumidos ou dissimulados e as criancinhas por casos de sucesso deste Portugal que nada, incluindo o bom senso, é capaz de segurar. E quem diz a generalidade dos canais diz, salvo abomináveis excepções, a generalidade da imprensa, hoje um imprescindível albergue de ilustres analfabetos parciais, magníficos activistas por inteiro e meros resignados, que, juntos, produzem folhetos tão interessantes quanto uma unha encravada. E quem diz a imprensa diz as rádios, que nem sei se ainda sobra alguma, mas que, à cautela, choro todos os dias com medo de perder.
Pegue-se, em segundo lugar, no irritante “mercado”. Por razões diversas, a maioria das quais ligadas à realidade e maçadas similares, as pessoas deixaram de reparar na existência de publicações em papel e, não tarda, farão o mesmo com a televisão convencional, largada em prol de modernices que, embora lembrem a milhões de criaturas, não lembram ao diabo. Por sorte, a cada título que fecha ou encolhe ergue-se um clamor colectivo a louvar o dito, inevitavelmente indispensável à humanidade em peso. Por azar, os sujeitos que clamam não compravam um exemplar do dito título para aí desde 2007. A benefício do equilíbrio, a solução passa por forçar o contribuinte a pagar aquilo que o público não consome. O público, que é burro, literalmente não sabe o que quer.
Pegue-se, em terceiro lugar, no abençoado Estado. Adicione-se o “plano”, vocábulo com agradáveis reminiscências históricas. E polvilhe-se com a “emergência”, para dar supressão da lucidez e sabor. Leve-se a lume brando e obtém-se, sem erro possível, qualquer coisa de formidável: os media na dependência formal dos senhores que mandam. Não vejo a hora. A noção de jornalismo enquanto “contrapoder” é típica de países subdesenvolvidos e regimes nefastos. Se o poder é bom e generoso e sadio como aquele que nos ilumina, não há motivo para que os jornalistas não recebam directamente de um ministério dedicado a tal desígnio. E a hipótese de o saudável arranjo interferir na informação divulgada não se coloca, visto que no actual cenário de prosperidade e folia as notícias negativas para o poder só poderiam derivar da má-fé. E a má-fé não é jornalismo.
Pegue-se, em quarto lugar, nos media tradicionais que temos. Descontando, de novo, duas ou três embirrantes excepções, os restantes “órgãos” estão mais do que prontos para abraçar o próximo estádio civilizacional. Na verdade, ignoro se, além da RTP, RTP2, RTP3, RTP África, RTP Internacional, RTP Poesia, RTP Saudade, RTP Madeira, RTP Açores, RTP Azulejos, RTP Bicicletas e as diversas Antenas da telefonia, algum canal ou diário já recebe remunerações governamentais. Se não recebem, parece, e acho sinceramente que quase todos mereciam recebê-las, à peça ou por atacado. O empenho com que servem a oligarquia não devia ser desprezado. Não é fácil recrutar centenas e centenas de indivíduos desprovidos de vértebras a ponto de, em colunas de “opinião” e “debates”, “reportagens” e artigos “de fundo”, “entrevistas” e “editoriais”, prestarem com regularidade tamanhas vénias aos donos da pátria. Ou, a julgar pela abundante amostra, é fácil. O que é difícil, e cruel, é manter essas multidões de fiéis serviçais em risco de desemprego. Arranje-se um plano, de emergência, para enforcar o jornalismo antes que ele morra.
Pegue-se, enfim, na súplica do excelentíssimo senhor publisher da Cofina, mal se encontre ponta por onde se lhe pegue.

Nota de rodapé

Escandalizou muita gente o facto de os alimentos à venda na Festa do “Avante!” não pagarem IVA. Extraordinário. O PCP anda há quase 100 anos a legitimar, a defender e, nos momentos de entusiasmo, a tentar reproduzir alguns dos maiores crimes da História. Mas verdadeiramente indecoroso é o partido fintar um imposto qualquer. É – e a Reductio ad Hitlerum por uma vez vem a propósito – como detestar o nazismo porque as chefias da Gestapo estavam isentas de multas de estacionamento. Imagino a indignação nos cafés ou lá onde é que o povo hoje se enfurece: “É isto que me enerva, pá. Que os gajos aplaudam a chacina de milhões aqui e ali ainda vá. Mas venderem bifanas sem os 13% é de um tipo ir aos arames…” O problema não é o PCP não ter IVA: é não ter vergonha. Nem, já agora, escrutínio.

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