O trabalho que faz
a capa desta edição da Sábado faz um retrato contundente
do regime construído nos últimos 20 anos e cujos traços essenciais estão em
casos como a Operação Furacão, o processo Monte Branco e a Operação Marquês,
entre outros.
Em
20 anos passámos da euforia à depressão e da modernidade à bancarrota. Nada que
uma Nação com mais de 800 anos não aguente. Talvez por isso, por essa ideia de
termos um passado e uma geografia que é em si um valor estratégico para a
Europa e que sempre nos dará um futuro qualquer, vivamos agora de forma tão
intensa e tão centrada no presente a ideia de que estamos de novo à beira de um
milagre económico. A ideia, afinal, de que estamos outra vez a caminho do
pelotão da frente na corrida das nações mais desenvolvidas. Vivemos uma euforia
colectiva que relativiza a importância dos sinais mais negativos. E como eles
nos acompanham há tanto tempo, incólumes aos ciclos políticos.
Nesta
edição da Sábado relatamos o essencial de um livro escrito pelo jornalista
desta casa António José Vilela, que vai ser distribuído em breve nas livrarias.
E fazemo-lo não porque se trata de alguém da casa, mas porque é uma obra que
nos mostra as geografias mais obscuras dos vários poderes que, no pós-25 de
Abril, construíram o regime político, judicial e económico a seu bel-prazer. Um
regime que fabricou fortunas gigantescas e muito rápidas sem qualquer causa
honrada que seja visível e, no reverso, deixou facturas pesadíssimas às
famílias portuguesas, como as rendas da energia, da água, dos transportes.
O
livro explica-nos isso mas, sobretudo, exibe a céu aberto o clima de verdadeira
guerra civil, mais ou menos silenciosa, que há anos existe nos subterrâneos
desses poderes com a justiça. Por ali, percebemos melhor do que no paupérrimo
debate público e político sobre a justiça e os ditos casos mediáticos, da
Operação Furacão ao processo de Sócrates, porque é que nada acontece neste país
quando todos os símbolos desse regime construído após as privatizações - banca,
Portugal Telecom, uma economia de rendas construída sob a vampirização do
Estado - são varridos por um ciclone de escândalos. E nada, ou quase nada,
acontece senão a exposição pública do roubo ao erário público, porque os
ilustres arguidos da esmagadora maioria destes casos representam o poder da
elite económica que dominou o jogo da política.
Foram
eles que criaram as leis que apenas prevêem a possibilidade de os bancos serem
vítimas e não autores de crimes. Foram eles que criaram a lei e as maiorias
necessárias para privatizar grandes empresas como a PT ou a EDP. Foram eles que
criaram e promoveram os ministros e os deputados necessários para legislar e
votar em função dos interesses dos criadores. Foram eles que atrasaram a
previsão legal de crimes como o tráfico de influência, o branqueamento ou mesmo
a corrupção, ou que os colocaram num patamar de impossível produção de prova.
Também foram eles que criaram uma corte mediática de jornalistas, comentadores
e opinadores diversos que se encarregaram de fazer a marcação a opiniões
críticas, produzir o panegírico dos respectivos padrinhos e atacar a justiça
por todas as fendas possíveis - do segredo de justiça à colaboração premiada.
Foram eles, aliás, através dos seus ministros e deputados que criaram leis como
aquela que prevê premiar a colaboração numa investigação se ela ocorrer 30 dias
após a prática do crime e sempre antes da abertura do inquérito…
Esta
verdadeira anedota criada por via legalislativa é a grande metáfora daquilo que
essa elite pensa do povo deste país: um bando de tolos que se conduz para aqui
ou para ali desde que tenha a dose adequada de pão, bola e religião. Está tudo
no livro que antecipamos e que nos faz perceber como o fio condutor do dinheiro
nos leva ao encadeamento dos casos uns nos outros e, claro, sempre às mesmas
personagens.
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