JORGE LAGE |
Por mais que façam os pais ou
quem quer que seja, a estes meninos não lhes dão o que de há 50/70 anos
tínhamos. O que tínhamos está dentro de nós e os meninos de hoje depois de
arrumarem os brinquedos e todas as ofertas didáticas ou lúdicas fica o vazio. Acima
de tudo éramos felizes no pouco e até com privações. Dávamos valor ao pouco e
aos nossos pais e à família.
Os pais deviam pensar mais em
enriquecer o interior dos filhos, nem que seja com um passeio pelo parque ou
campo, a ouvirem histórias dos pais e dos avós ou como se deve ser homem ou
mulher a sério, para vencer na vida.
Nem a escola de facilitismos e
vazia dá hoje um enriquecimento aos meninos e aos jovens.
Assim, partilho o texto abaixo,
que me foi enviado, com alguns amigos/as.
Abraço,
Jorge Lage
A propósito dos
"meninos" que foram mandados embora de Espanha.....
Os meninos de hoje
Os meninos não podem sair da
nossa beira porque os meninos não podem estar sozinhos. Os meninos não podem
ficar no recreio a brincar quando os professores faltam - são levados para a
biblioteca ou para alguma aula de pseudo-apoio. Se os meninos ficassem no
recreio a jogar à bola e se por acaso se magoassem, o que seria dessa escola!
Os pais poderiam até processar a instituição de ensino! Os meninos não podem ir
a pé ou de autocarro para a escola porque isso pode ser perigoso. Os meninos
não se podem sujar ou magoar - os pais nunca se perdoariam (e fá-los-ia perder
tempo que não têm). Os meninos andam a saltar de pais para os avós e para a
escola e para o atl e para a piscina e para o inglês e para a música e para o
karaté e para o futebol e para a patinagem e... Porque os meninos têm de estar
sempre ocupados e nunca sozinhos; não saberiam o que fazer com o tempo livre. E
os pais têm de ganhar dinheiro para os meninos andarem sempre bonitos e com
roupa de marca - caso contrário, os colegas poderiam até gozá-los. E se o
colega tem uma coisa, o menino também tem de ter (senão faz birra e com toda a
razão). E os meninos têm de ter festas de aniversário espectaculares - e não
pode ser em casa só com a família, que isso não se usa. Tem de ser com a turma
toda e os amigos e os primos e tem de se alugar (e pagar) um sítio onde tenha
muitos brinquedos e escorregas e palhaços e malabaristas e baby-sitters. Algum
sítio onde alguém se responsabilize pelos filhos dos outros, de preferência. Os
meninos, coitadinhos, são muito novos para pensar - mais vale nós planearmos a
vida deles e dizer-lhes o que fazer. Mas só se eles concordarem, claro. Porque
os meninos não têm culpa de nada; se se portam mal, a culpa é da educação que
recebem na escola (que é o sítio onde eles devem ser educados). Os meninos não
comem sopa e verduras porque não gostam Os meninos saem da mesa quando lhes
apetece e passam o (pouco) tempo livre entre smartphones, tablets e
computadores. Mesmo enquanto comem, coitadinhos, tem de haver alguma coisa para
os entreter - e não se fala com a boca cheia. Alguns até comem com
auscultadores colocados nos ouvidos - e ainda bem, para não incomodar a
conversa dos adultos. Os meninos só vêem desenhos animados (e a televisão é
deles quando eles estão em casa). Porque os meninos querem, os meninos têm. O
que não vale é chorar - não gostamos de os ver tristes. Chora chora que a mamã
dá mais brinquedos para brincares duas vezes e arrumar a um canto - a casa fica
cheia deles; depois compram-se outros diferentes porque os meninos têm de ter
sempre mais e mais coisas e mais experiências novas. Os meninos não ajudam em
casa porque são meninos. Os meninos começam a sair cedo e os papás vão
buscá-los onde e à hora que for necessário. Não há meninos burros, arruaceiros,
nem medricas, nem preguiçosos, nem tímidos, nem distraídos, nem mal educados,
nem maus, nem... Nada disso. Os meninos são todos bons (os melhores) e muito
inteligentes. Todos. E todos os anos há meninos finalistas e festas de
finalistas e viagens de finalistas e até praxes, do primeiro ao último ano da
escola, porque eles são muito inteligentes e importantes, agora que acabaram
mais um ano. Que bem, já tens a quarta classe - que orgulho, meu filho Ah,
parece que foi ontem a tua festa de finalistas do terceiro ano... Os meninos
não se podem (nem sabem) defender sozinhos; para isso é que existem os pais e
os psicólogos e os professores e até os tribunais. Os meninos têm explicações
desde a escola primária porque precisam de toda a ajuda possível para ser os
melhores. Se não estão atentos nas aulas, a culpa é do professor. Os meninos
não levam palmadas - ai se isso acontecer. Podiam ficar traumatizados,
coitadinhos. Se os meninos estragam, os papás pagam. Os meninos têm direitos -
mais concretamente, têm o direito a fazer o que lhes apetece porque são meninos
e não têm de entender as preocupações dos crescidos. Por isso desarrumam a casa
e todos os sítios por onde passam; partiu? virou? desapareceu? morreu? Não sei,
eu sou apenas um menino.
Até que um belo dia, os meninos
se veem subitamente fora de casa e da escola e longe de todas as pessoas e
coisas que costumam controlar todos os seus movimentos (e até pensamentos).
Longe daqueles que lhes disseram sempre que os meninos não são responsáveis nem
culpados daquilo que fazem.
E só aí, longe pela primeira vez,
começam a aprender a ser pessoas, a respeitar a liberdade e o espaço dos outros
(os outros que afinal também existem! - descobrem os meninos nesta altura). Só
aí entendem que cada acto tem uma consequência. E torna-se difícil - que a
pegada dos meninos agora é grande e os erros notam-se como patas de elefante em
cima de nenúfares. Destroem tudo porque têm de aprender e agora é muito mais
complicado. Pensavam que podiam fazer tudo o que lhes apetecesse, mas afinal
parece que não. Ninguém lhes tinha dito. E de repente aparecem ratos que
assustam os elefantes. Todo aquele tamanho mas no fundo continuam apenas
meninos que agora vivem em corpos de adultos. Ficam muito assustados (pudera) e
não entendem.
Voltam para casa e perguntam aos
pais: o mundo é mesmo assim, papás? Não posso atirar colchões pela janela dos
hotéis? Não posso ligar extintores e estragar as paredes e camas? Porque não
avisaram antes?
E nessa altura, levam um estalo -
a primeira palmada das suas vidas. Deixaram finalmente de ser (e da pior forma)
meninos.
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